Entrevista a Ana Henriques: Conferência mundial da vida selvagem teve “uma série de pontos positivos”, mas devia ter ido mais longe



Entre os dias 14 e 25 de novembro, as delegações de mais de 160 países estiveram reunidas na Cidade do Panamá para a 19.ª cimeira da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Selvagens (CITES), também vulgarmente conhecida como a Conferência Mundial da Vida Selvagem.

O objetivo do encontro era reforçar a proteção de animais e plantas em risco de quedas significativas, e preocupantes, das suas populações devido, em grade medidas devido à captura, intencional ou acidental, e comércio internacional.

Da cimeira resultou “uma série de pontos positivos para a vida selvagem em termos de proteção global contra o comércio insustentável”, assinala Ana Henriques, Técnica de Oceanos e Pescas da ANP|WWF, em declarações à ‘Green Savers’.

“No geral, a conferência foi um sucesso, especialmente para tubarões e raias, já que cerca de 90% de todas as espécies comercializadas internacionalmente estão agora incluídas no Apêndice II e só podem ser comercializadas se não estiverem ameaçadas”, explica-nos a especialista, e foi por isso que se tratou de “um momento histórico”, especialmente para os tubarões e para as raias, “que anteriormente apenas 20% se encontravam sob regulamentação de comércio mais apertada, e o comércio internacional é um dos principais fatores que determina a procura por estas espécies”.

Apesar dos avanços notáveis, “número considerável de espécies”, que precisam de ser protegidas contra práticas comerciais insustentáveis, ficou de fora, pelo menos por agora, dos mecanismos de proteção legal da CITES.

“É o caso de dois grupos de espécies arbóreas latino-americanas, Cumaru e árvore trombeta”, conta-nos Ana Henriques, apontando que “estes adiamentos podem ser justificados quando se preveem dificuldades excecionais na implementação de uma listagem”.

Ainda assim, alerta que “os atrasos não são isentos de riscos e a experiência anterior de adiamentos conduziram por vezes à sobreexploração das espécies”, relatando que, nesta cimeira, “vimos vários países a apoiar adiamentos sem a devida justificação. Atrasos de vinte e quatro meses e atrasos na inclusão de espécies do Apêndice II para o Apêndice I não devem ser repetidos e deverão ser estabelecidos critérios que justifiquem estes atrasos no futuro”.

Os líderes mundiais falharam também no reforço da proteção dos “maiores felinos do mundo”, os tigres, com Ana Henriques a alertar para “o ritmo lento e os poucos esforços em controlar a caça furtiva e o comércio ilegal” e que “são necessários esforços no sentido da melhoria da fiscalização e redução da procura para realmente reduzir esta ameaça à escala adequada”.

A especialista da ANP|WWF detalha que “a inclusão das espécies no Apêndice II significa que o controlo sobre o comércio destas espécies é agora mais apertado”, pelo que os países importadores “terão agora de provar através de estudos regulares (Non detrimental Findings – NDFs) que o comércio internacional destas espécies não prejudica as suas populações, que têm uma origem legal e que possuem uma licença CITES do país exportador”.

E isso terá impactos para Portugal, que, a nível europeu, é o 3.º país com mais capturas de tubarões e raias, “o 2.º país a nível mundial com maiores exportações conhecidas de carne de tubarão e o 6.º maior importador de carne de raia em termos de volume”.

Por isso, com as decisões que agora saíram da 19.ª cimeira da CITES, as exportações de Portugal para países fora da União Europeia “têm de ser acompanhadas por um certificado NDF, emitido pelo ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas) comprovando que o comércio não está a afetar a sustentabilidade das populações de tintureira”, que “a 3.ª espécie de tubarões e raias mais capturada em Portugal, e está agora abrangida por nova regulamentação CITES”.

Tintureira (Prionace glauca)
Crédito: Naturepl.com / FrancoBanfi / WWF

No próximo dia 7 de dezembro, arranca a 15.ª cimeira global da biodiversidade, a COP15, em Montreal, no Canadá, e espera-se que seja aprovada, por fim, a Estrutura Global Pós-2020 para a Biodiversidade, que, entre outros desígnios, prevê a proteção de 30% dos ecossistemas em terra e no mar até ao final desta década.

Para Ana Henriques, essa conferência “será crucial para garantir um planeta azul saudável e as ações e compromissos necessários para garantir a conservação e o uso sustentável da biodiversidade marinha e costeira, em todos os níveis e escalas”, global, regional nacional e local.

Ao passo que a Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica (CBD) “cria um novo quadro global de proteção e uso sustentável da biodiversidade, que inclui entre outras medidas a proteção de áreas específicas do oceano através de Áreas Marinhas Protegidas que abranjam zonas de reprodução, alimentação, nursery, etc., de espécies como tubarões e raias, a CITES procura regular um dos fatores de ameaça das espécies selvagens que não são possíveis de reduzir com medidas de proteção espacial, neste caso o comércio internacional”, sublinha a especialista.

Por isso, “o que se espera é que os passos muito positivos dados na recente COP19 CITES possam reforçar a proteção de espécies, mostrando ao mesmo tempo que medidas relacionadas com comércio internacional precisam de ser complementadas com outras de base espacial”, declara Ana Henriques.





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