Gecos reconhecem o próprio odor. E cientistas dizem que isso é sinal de uma inteligência superior
O autorreconhecimento é considerado um traço que revela uma inteligência complexa. Ao passo que muitos animais, incluindo o humano, são capazes de se reconhecer através da visão (quando nos olhamos a um espelho ou nos vemos numa fotografia, por exemplo), outras espécies recorrem a outros sentidos.
Num artigo publicado este mês na revista ‘Animal Cognition’, duas investigadoras da Universidade de Berna, na Suíça, revelam que os gecos (Gekko gecko), répteis endémicos das florestas do sudeste asiático com corpo escamoso cinzento-azulado salpicado de pequenas manchas cor-de-laranja, são capazes de reconhecer o seu próprio odor, distinguindo-o do de outros animais.
Tal como outros membros da família dos répteis, os gecos usam a língua para captar pequenos sinais químicos, as feromonas, através das quais podem percecionar o meio envolvente, e quem nele se esconde, além do sentido da visão.
Em laboratório, as cientistas confirmaram que, de facto, os gecos desta espécie são capazes de diferenciar entre o seu próprio ‘cheiro’ e o de outros gecos, e que, durante os testes, estes répteis terão demonstrado maior interesse nas feromonas produzidas por outros do que nas suas. E isso suporta a tese de que os gecos usam sinais químicos como forma de comunicação entre membros da mesma espécie.
Usando cotonetes para apresentar aos gecos diferentes odores, as investigadoras perceberam que, num primeiro momento, os animais ‘provavam’ o ar com a língua para detetar o novo cheiro. De seguida, repetiam esse movimento de deteção, mas para identificar o próprio odor na sua toca.
As especialistas acreditam que este comportamento em duas fases permite ao geco, primeiro, tentar identificar o novo odor e, depois, compará-lo com o seu próprio odor, para verificar se realmente está perante um outro animal ou não.
Quando o odor apresentado era o de outro geco, os pequenos répteis faziam essa comparação mais vezes, como se quisessem ter a certeza de que não estariam a provar as suas próprias feromonas.
“Isto indica que eles conhecem o seu próprio odor”, aponta Birgit Szabo, principal autora do artigo. Além disso, explica que estes répteis, à semelhança de outros animais de outras espécies, usam as suas fezes para comunicar com outros gecos, uma vez que nos dejetos encontraram feromonas. Por isso, consideram que os gecos usam as fezes para marcar os seus territórios e sinalizar a outros membros da espécie onde começa e acaba o seu domínio.
Todos esses comportamentos revelam que os gecos são animais muito mais sociais do que até agora se pensava e que exibem um nível de inteligência superior, traços que não são frequentemente atribuídos aos répteis.
“Temos de reconhecer que os répteis são mais sociais e mais inteligentes do que pensávamos”, sublinha Szabo.
Eva Ringler, a outra autora, explica que os gecos podem ajudar os cientistas a compreenderem melhor a evolução da socialidade, uma vez que estes pequenos animais de aspeto peculiar podem formar estruturas sociais de vários tipos. Já foi registada entre os gecos a formação de casais reprodutores de longa duração e há conhecimento de casos em que os dois progenitores cuidam das crias.
“Isso permite-nos investigar as inter-relações entre cognição, comunicação e vida social dentro de um pequeno grupo taxonómico, e fazer comparações entre esse e outros grupos mais distantes, como os mamíferos e as aves”, comenta Ringler.
No artigo, as investigadoras defendem que provar que os gecos têm verdadeiramente capacidade de autorreconhecimento poderá, consequentemente, ajudar a provar que a autoconsciência, através das quais os indivíduos têm consciência de si e dos seus atos, pode afinal ser um traço relativamente difundido no reino animal e que pode ter evoluído a partir de um antepassado comum.