Peixes ‘antissociais’ podem estar a pôr em causa a saúde dos recifes de coral
Os recifes de coral são dos locais mais biologicamente diversos do mundo, podendo, em algumas regiões do planeta, rivalizar com as florestas tropicais quanto ao número de espécies que suportam. Por isso, a sua estabilidade assenta num equilíbrio delicado entre os vários animais e plantas que neles habitam, pelo que perturbações da ordem instalada podem ter consequências drásticas e imprevisíveis.
De acordo com uma investigação de cientistas do Reino Unido, um pequeno peixe bastante territorial e ‘antissocial’ está a causar perturbações nos recifes de coral nas Caraíbas. Trata-se de uma donzela, um tipo de peixe da família dos Pomacentridae, conhecido por defender o seu território com agressividade e por ‘cultivar’ algas para se alimentar.
Mas o domínio das donzelas é partilhado, entre outras criaturas, com um peixe limpador da espécie Elacatinus evelynae. Este animal laborioso alimenta-se dos parasitas e tecidos mortos de outros seres marinhos que visitam as suas ‘estações de limpeza’, e com os quais estabelece uma relação que os biólogos chamam de mutualismo, sendo, por isso, um elemento central da promoção da saúde dos recifes.
Acontece que quando os E. evelynae estabelecem uma nova estação no território de uma donzela, este peixe territorial afugenta a clientela do limpador, impedindo a concretização da relação de benefício mútuo e, consequentemente, impedindo também o fornecimento desse importante serviço ao ecossistema.
Os utilizadores das estações de limpeza são variados, desde o peixe-papagaio (da família dos Scaridae) ao Paracanthurus hepatus, popularizado pelo filme de animação ‘À procura de Nemo’, e ao Chaetodontidae.
Como clientes humanos a ver as montras das lojas num qualquer centro comercial, estes peixes nadam pelo recife, avaliando as estações dos limpadores, que se posicionam à entrada, de forma a chamar a atenção dos fregueses marinhos.
Estudos anteriores indicam que a presença e atuação dos limpadores é fundamental para a diversidade de espécies dos recifes de coral, servindo como ‘chamarizes’ que atraem peixes de regiões remotas do oceano até esses locais.
Contudo, a presença das donzelas é má para o negócio. Através de mais de 34 horas de observação das estações de limpeza nos recifes ao largo da costa do Estado caribenho de Trinidad e Tobago, os cientistas perceberam que as donzelas serviam como dissuasores, afastando os potenciais clientes dos pequenos E. evelynae.
Estima-se que os territórios das donzelas, em alguns locais, possam cobrir até 70% dos recifes de coral, o que faz com que seja altamente provável que alguns limpadores estabeleçam as suas estações de serviço nessas áreas, sem estarem cientes dos riscos que correm.
Katie Dunkley, da Universidade de Cambridge e uma das coautoras do artigo publicado na revista ‘Behavioral Ecology’, explica que as donzelas são verdadeiros ‘agricultores de algas’, arrancando as plantas que não querem para que as suas preferidas possam crescer, e por isso são bastante territoriais.
“Estes peixes antissociais passam muito tempo a patrulhar os seus territórios, afugentando intrusos através de dentadas, ataques, perseguições ou intimidações”, aponta a bióloga.
À medida que a deterioração dos recifes avança, impulsionada pelos efeitos das alterações climáticas, é expectável que haja uma maior proliferação das algas, o que, por sua vez, poderá gerar o aumento das populações de donzelas e a extensão dos seus territórios. Isso poderá fazer com que a diversidade de espécies que visitam os limpadores seja cada vez menor, e, no pior dos cenários, poderá mesmo fazer colapsar “os ecossistemas delicados suportados pelos recifes”, alerta Dunkley.
Apesar de acreditarem que o comportamento das donzelas se deva a um desejo de proteção do seu território, os autores sugerem que a agressividade pode também servir para que esses peixes monopolizem as suas estações de limpeza preferidas, pelo que são precisos mais estudos para realmente perceber as suas reais motivações.
“Tal como os humanos têm ligações à família, aos amigos e aos colegas, também todos os peixes estão ligados uns aos outros”, assinala a cientista, sublinhando que “é importante que não olhemos para essas relações em bolhas isoladas”, pois só assim “podemos proteger ecossistemas como os recifes de coral”.