Poluição luminosa está a afetar metamorfose das borboletas noturnas. E as consequências podem ser fatais
Tal como muitas plantas e outros insetos, o ciclo de vida das borboletas noturnas, também conhecidas por traças, é fortemente influenciado pelas condições ambientais. Para se protegerem do clima rigoroso do inverno, as lagartas transformam-se em pupas, uma forma mais resistente ao frio, algo que, geralmente, acontece na transição do verão para o outono, quando os dias começam a ficar mais curtos.
No entanto, a poluição luminosa pode estar a ‘enganar’ os relógios biológicos das traças, causando uma luminosidade quase permanente. Isso faz com que a metamorfose aconteça mais cedo e que as borboletas surjam no seu estado adulto ainda antes do inverno, deixando os insetos vulneráveis às condições duras do inverno.
A descoberta é revelada num artigo publicado hoje na revista ‘Journal of Applied Ecology’, no qual um grupo de investigadores da Finlândia, República Checa e Bélgica estudou os impactos da poluição luminosa no desenvolvimento e vida das traças.
A equipa comparou também as reações à luminosidade de populações urbanas e populações rurais, e percebeu que qualquer uma delas apresentava uma resposta negativa à poluição luminosa, ou seja, o ciclo de vida de ambas era acelerado pela luz artificial proveniente, por exemplo, dos candeeiros que iluminam as nossas ruas. Por isso, os cientistas defendem que as populações de traças que vivem nas cidades não desenvolveram, até agora, qualquer adaptação genética a esses ambientes permanentemente iluminados.
“A poluição luminosa tem um efeito cada vez maior sobre a Natureza”, salienta Sami Kivelä, da Universidade de Oulu, na Finlândia, e um dos autores do artigo. O investigador explica que os resultados deste estudo vêm confirmar investigações anteriores, mas que trouxe novidades, entre elas, a compreensão de que as traças urbanas ainda não foram capazes de desenvolver adaptações genéticas para evitar os efeitos da poluição luminosa.
Investigações futuras devem, diz Kivelä, procurar aprofundar o conhecimento sobre “os efeitos nocivos da poluição luminosa” sobre as traças e perceber “até que ponto isso poderá explicar o declínio das populações de insetos”.
Outros dos autores do artigo, Thomas Mercks, da Vrije Universiteit Brussel, sublinhando que tanto as traças que vivem em ambientes urbanos como as que vivem em ambientes rurais “são sensíveis até aos níveis mais reduzidos de poluição luminosa”.
Para o cientista, “reduzir a poluição luminosa deveria ser uma das principais prioridades para proteger os insetos e para salvaguardar os serviços de ecossistema que eles nos fornecem”, tais como a polinização natural, um serviço que além de ter uma relevância incontornável para a regeneração da Natureza e saúde dos ecossistemas, tem também grandes impactos na produção agrícola, uma vez que se estima que perto de 80% das plantas que hoje comemos estão diretamente dependentes dessa polinização.
Traças: os polinizadores ‘secretos’
Quando ouvimos falar de polinização, é frequente que as imagens que nos são transmitidas sejam dominadas por borboletas e abelhas. No entanto, mesmo na polinização diurna, outros insetos, como os sirfídeos, são agentes fundamentais da dispersão de pólen e, por isso, da reprodução das plantas.
Contudo, à noite, o turno de polinização é ocupado por outros animais, como os morcegos e as traças, sendo que, por terem os corpos cobertos de pequenos filamentos semelhantes a pêlos, esses insetos conseguem levar consigo muito mais grãos de pólen do que as suas parentes diurnas.
Por visitarem, regra geral, espécies de plantas diferentes das que são preferidas pelas borboletas e pelas abelhas, as traças contribuem para paisagens biologicamente diversas, podendo ajudar os campos agrícolas a desenvolverem e a manterem uma grande variedade de espécies vegetais e tornando-os mais resilientes a choques.