Entrevista a Ana Filipa Morais Antunes: “O tema do ESG não pode ser assumido como uma mera questão de ‘moda’”



A Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa e o Católica Research Centre for The Future of Law realizaram, na semana passada, a Conferência | ESG, sustentabilidade empresarial e novos contenciosos. A Green Savers falou com Ana Filipa Morais Antunes, Professora Auxiliar da Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa e coordenadora do evento.

Para a Professora, o “tema do ESG tem implicações práticas relevantes, não é um problema transitório e não pode ser assumido como uma mera questão de “moda”, como tal, passageira e/ou cíclica”, que acrescenta que o evento “justificou-se precisamente para esclarecer os desafios colocados às empresas e agentes económicos, em diálogo com quem actua no mercado”.

  1. Consegue resumir os principais desafios jurídicos que as empresas enfrentam nestas áreas?
  • O tema do ESG tem implicações práticas relevantes, não é um problema transitório e não pode ser assumido como uma mera questão de “moda”, como tal, passageira e/ou cíclica.
  • O ESG tem, na sua base, uma componente ética relevante, mas é, hoje, simultaneamente, um critério de actuação e de decisão empresarial que, sendo inobservado, determinará consequências jurídicas.
  • O objectivo primário do debate sobre a sustentabilidade é reorientar padrões de comportamento e modelos de negócio. Por isso, a dimensão prática do tema da sustentabilidade é evidente, não podendo ser tratado como uma mensagem publicitária.
  • Creio que fará sentido enunciar dois desafios essenciais colocados às empresas:
    • Primeiro, a mudança (efectiva) do processo de decisão: a empresa tem de adequar condutas e comportamentos para assegurar que, a médio / longo prazo, vai ter um modelo de negócio sustentável e alinhado com as novas exigências e preocupações sociais e ambientais;
    • Segundo, e em termos instrumentais, a operacionalização do necessário “twist” comportamental, através da definição, implementação, monitorização e avaliação das metas e objectivos de sustentabilidade propostos.
  • É fundamental transcender a mera “propaganda” de sustentabilidade, porque não basta parecer ter preocupações sociais e ambientais; é fundamental assumir um modelo de negócio alinhado, efectivamente, com o respeito pelos direitos humanos, pelas comunidades locais, e pelo clima e meio ambiente.
  • Para tal, cabe aos órgãos decisórios da empresa a responsabilidade primária de incluir os novos parâmetros decisórios no day-to-day empresarial, levar os temas da sustentabilidade às agendas das reuniões, e criar comissões especializadas de sustentabilidade, nos diferentes domínios relevantes (social e ambiente).
  1. Quais as consequências jurídicas aplicáveis ao desrespeito pelas diretrizes em matéria de sustentabilidade?
  • Fundamentalmente, podemos ter consequências imediatas e mediatas para uma empresa.
  • A não observância dos parâmetros de sustentabilidade pode determinar:
    • Primeiro, um desvio de clientela, com a consequente redução das margens negociais e de volume de vendas, se o cliente perder a confiança na marca ou no tipo de produto. Esta circunstância determinará, por sua vez, prejuízos relevantes para a empresa e para o sector de actividade concreto, considerando a ingerência no bem jurídico crédito, associada à quebra de confiança na empresa.

Nos últimos tempos, tem-se difundido a ideia de “greenwashing”, que se caracteriza precisamente pelo facto de a empresa divulgar informação não verdadeira (porque parcial ou falsa) sobre um produto ou sobre o modelo de produção ou de actividade negocial. É o que pode suceder no caso de se divulgar elementos informativos enganadores sobre, v.g., matéria-prima utilizada, componentes do produto, mão-de-obra, localização da indústria, efeitos para o meio ambiente (por hipótese, falsas mensagens sobre a neutralidade carbónica ou sobre a ausência de emissões poluentes), em termos susceptíveis de influenciar a decisão de contratar ou de adquirir um determinado produto pelo cliente ou consumidor final.

  • Em segundo lugar, e num plano estritamente jurídico, a não adopção e/ou a insusceptibilidade de demonstração de um comportamento responsável e de modelos de negócio sustentáveis pode fundamentar casos de responsabilidade jurídica, e legitimar, admitindo o preenchimento e a prova dos pressupostos gerais da responsabilidade civil (o que implica identificar o facto relevante – sob a forma de acção ou omissão -, a antijuridicidade do comportamento – pelo facto de interferir, em termos prejudiciais, em direitos alheios -, o prejuízo, o nexo de causalidade entre o facto e o dano), pretensões indemnizatórias em acções intentadas contra a empresa.
  • Noutro cenário, e tendo por referência exemplos de experiências jurídicas estrangeiras, pode admitir-se um novo tipo de contencioso empresarial, estruturado em acções de responsabilidade civil intentadas contra os membros da administração e os órgãos decisórios, pela não definição, com clareza e concretude, ou pela não implementação das metas de sustentabilidade a atingir pela empresa num determinado período temporal (assim, v.g., ausência de medidas e de uma estratégia adequada tendo em vista a transição energética ou climática).
    Este será um campo susceptível de fundamentar litígios dirigidos a sindicar a “racionalidade” da decisão empresarial, à luz não apenas dos critérios tradicionais, mas também dos parâmetros “ESG”.
  1. Qual o objetivo desta conferência?
  • O objectivo fundamental da Conferência foi evidenciar que o ESG não é um problema puramente especulativo, mas com implicações várias na sociedade, e que permite agregar dimensões plurais como a sustentabilidade, a ética, a prática empresarial e o Direito – permitindo fundar uma (eventual) responsabilidade jurídica.
  • Em termos instrumentais, pretendeu-se ilustrar o tipo de contencioso susceptível de se desenvolver com fundamento no desrespeito pelos parâmetros de sustentabilidade, demonstrando que este problema não tem apenas como referência os Estados, mas, também, as empresas, que podem igualmente ser demandadas em acções de responsabilidade civil.
  • Este evento justificou-se precisamente para esclarecer os desafios colocados às empresas e agentes económicos, em diálogo com quem actua no mercado. O debate tinha de ser feito neste formato: na Academia, beneficiando da experiência e do conhecimento de quem intervém no sector da regulação, de quem lidera, de quem presta serviços jurídicos às empresas e na sociedade, de quem investiga as questões jurídicas relacionadas com a sustentabilidade.
  1. O que é que destaca da mesma ou quais as principais conclusões?
  • As empresas têm noção clara da importância do tema e da definição e implementação de medidas e estratégias de sustentabilidade. Este é, claramente, um work in progress, no que respeita, pelo menos, às grandes empresas.
  • O respeito pelas diferentes métricas será atingido em termos graduais e faseados, tendo por referência planos de sustentabilidade, que têm de ser definidos, aprovados, implementados e monitorizados pelas próprias empresas.
  • Não é possível priorizar aspectos ou dimensões da sustentabilidade, muito embora, no presente, se possa reconhecer que o “environmental” tem tido maior protagonismo.
  • A sustentabilidade assegura-se, no essencial, pela prevenção de efeitos adversos ou prejudiciais para os direitos humanos, comunidades locais, trabalhadores, população mais vulnerável, e meio ambiente.
  • Essa prevenção tem de ser assegurada por modelos de governação de empresa alinhados com as exigências de sustentabilidade, que priorizem outro purpose driven (não tendo por referência primária a maximização do valor da empresa a curto prazo), e que adoptem uma “pauta valorativa exigente”, assente em planos e estratégias sindicáveis.
  • A definição concreta e clara de metas e de parâmetros de sustentabilidade a prosseguir por cada empresa, num determinado período temporal, deve ser assegurada com apoio no contrato, por via do denominado contract design: os clausulados contratuais devem incluir “cláusulas éticas” ou “cláusulas morais” que terão a vantagem de sistematizar as condutas a adoptar pela empresa, prevendo os parâmetros relevantes, em cada situação individual (a previsão), assim como enunciando as consequências jurídicas aplicáveis, em caso de inobservância (a estatuição).
  • A empresa “do futuro” tem de observar uma “nova racionalidade empresarial”, portanto: socialmente comprometida e economicamente adequada ou equilibrada.

 

 

 

 





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