Festivais de música e morcegos: Uma combinação potencialmente perigosa



É sabido que os morcegos, animais predominantemente noturnos, recorrem à audição para se movimentarem, encontrarem presas, detetarem obstáculos, fugirem a predadores e encontrarem parceiros. Quando o sol se põe, estes mamíferos alados enchem o ar de pequenos ‘cliques’, um sistema de ecolocalização que os ajuda a navegar pela noite.

Por isso, interferências na sua capacidade auditiva podem ter efeitos negativos sobre esse grupo de animais, incluindo festivais de música, tão característicos desta época do ano.

Num artigo publicado na revista ‘Ecological Solutions and Evidence’, cientistas britânicos alertam para os impactos prejudiciais da música ‘aos altos berros’ sobre várias espécies de morcegos, e acreditam que os resultados desta investigação devem servir de base para a definição de políticas públicas que ajudem a minimizar os impactos humanos sobre a vida selvagem local.

Os investigadores confirmaram, através de trabalho de campo, que a música em volumes elevados reduzir a atividade noturna das espécies de morcegos dos géneros Nyctalus e Eptesicus em 47%. Embora seja mais tolerante a sons altos, mesmo a espécie Pipistrellus pipistrellus revelou uma redução de 32% da sua atividade.

Escrevem os investigadores que a perturbação das ‘paisagens acústicas naturais’, neste caso provocada pela música dos festivais, “pode ter impactos negativos graves no fitness e sobrevivência das espécies, particularmente em ambientes com forte presença humana”. E esses efeitos podem ter consequências “drásticas” para os morcegos, reduzindo ou mesmo impedindo as suas capacidades auditivas e, assim, a possibilidade de encontrarem alimento e parceiros.

Ainda que algumas espécies com capacidade para ecolocalização possam captar sons em frequência acima das que são geradas pela música dos festivais, não deixam, no entanto, de poderem ser afetadas, e outras espécies dependem mais da audição passiva do que da ecolocalização, tornando-as mais vulneráveis a esse tipo de perturbação humana.

Os cientistas alertam que a alteração das paisagens acústicas naturais, em que os morcegos não são capazes de detetar sons mais distantes por causa da música alta, pode fazer com que os animais reduzam as áreas que habitam, provocando o que é conhecido como fragmentação dos habitats, mais reduzidos e menos conectados a outras áreas.

Esta investigação centrou-se no Reino Unido, mas os autores acreditam que as suas conclusões podem ser ampliadas a outros contextos geográficos, uma vez que os festivais de música estão cada vez mais a ocorrer perto de locais importantes para a vida selvagem, como parques e zonas de floresta.

Jack Hooker, da University of the West of England, no Reino Unido, considera que o planeamento destes eventos deve ter em conta os potenciais impactos na biodiversidade local e integrar medidas que ajudem a atenuar os efeitos nocivos sobre os animais selvagens, “se queremos partilhar esses habitats com a vida selvagem de forma sustentável”.

Embora reconheçam que os festivais de música são eventos temporários, os cientistas admitem que se desconhecem os efeitos a longo prazo da música alta nos morcegos, pelo que apelam a novas investigações que permitam identificar se esses efeitos ocorrem e quais as suas implicações ecológicas.

“Os festivais de música afetam, sem dúvida, a atividade dos morcegos”, salienta Emma Stone, coautora do artigo, acrescentando que a colocação de sebes que ajudem a minimizar o ruído que extravasa o recinto do evento poderá ser uma medida a considerar para aplacar os efeitos negativos.





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