Pôr as mãos na ‘massa’: Investigadores estudam fezes de muriquis para perceber como fêmeas escolhem os parceiros
Os muriquis-do-norte (Brachyteles hypoxanthus) são dos macacos mais ameaçados do mundo. A espécie, nativa da Mata Atlântica brasileira, está criticamente em perigo de extinção e, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), só restam hoje cerca de mil indivíduos em idade reprodutora. E a captura ilegal e a destruição de habitat causada pela expansão agrícola estão a impulsionar a tendência de declínio.
Por isso, escolher os melhores parceiros para reprodução e cuidar bem das crias são essenciais para assegurar o futuro da espécie. Para poderem compreender melhor o que motiva essas escolhas, um grupo de investigadores dos Estados Unidos da América (EUA) e do Equador pôs, literalmente, as mãos na ‘massa’, ou, neste caso, nas fezes dos muriquis.
Ao contrário de outras sociedades de primatas, estes macacos vivem em grupos relativamente pacíficos e igualitários, governados por machos com laços familiares entre si e pelas respetivas progenitoras. Os cientistas acreditam que, através da análise do material genético presente nas fezes, é possível traçar linhas genealógicas e perceber quem acasala com quem.
Karen Strier é professora de Antropologia na Universidade Wisconsin-Madison, nos EUA, e passou os últimos 40 anos a observar muriquis na Mata Atlântica, estudando a sua ecologia e comportamento.
“Eu sabia, através de observações comportamentais, que existia uma falta de competição durante o acasalamento e que as mães não acasalavam com os seus filhos ou com machos que sejam parentes próximos”, explica, citada em comunicado dessa instituição.
Contudo, a observação tem os seus limites e “a única forma de saber quem são os pais é através da genética”, afirmou Strier, uma das autoras do artigo publicado esta quarta-feira na revista ‘Proceedings of the Royal Society B’.
Em laboratório, Anthony Di Fiore e Paulo Chaves, os outros dois coautores, analisaram as fezes recolhidas no terreno e concluíram que não havia quaisquer evidências de acasalamentos entre progenitoras e filhos, sugerindo, assim, que os muriquis são capazes de distinguir os seus parentes, de forma a evitarem a reprodução consanguínea.
Além disso, verificaram que as fêmeas tendiam a escolher para parceiros machos com uma maior diversidade de moléculas chamadas MHC, que, segundo os investigadores, têm uma função importante no sistema imunitário do animal, sobretudo ao nível da resposta a patógenos e outros fatores de stress ambiental.
Acredita-se que essa diversidade de moléculas MHC será passada do progenitor para as crias, conferindo-lhes uma vantagem evolutiva. Por isso, um sistema imunitário robusto estará no topo da lista de preferências das fêmeas de muriqui na altura de escolher um parceiro.