Caçadores de nevoeiro de Cabo Verde aperfeiçoam técnicas nas ilhas Canárias
Três membros de uma associação cabo-verdiana viajam sábado para as ilhas Canárias para aperfeiçoar a técnica de “caçar” o nevoeiro para captar água, uma forma de tentar contrariar o clima árido do arquipélago.
“Os membros da associação Biflores e de comunidades da ilha Brava já sonham com a captura de água do nevoeiro. Como se diz, a necessidade é a mãe da invenção”, disse à Lusa o diretor da associação, Dheeraj Jayant.
Numa ilha onde a chuva é muito escassa, cada gota é preciosa e há uma tradição de estender plásticos nas encostas, por exemplo, em dias de nevoeiro, para que em contacto com as gotículas suspensas no ar se formem outras maiores, depois escorridas para baldes ou outros reservatórios.
Se as condições forem as ideais, num dia chega a ser possível captar até 400 litros a partir da atmosfera, explicou Jayant.
A viagem às Canárias, no âmbito do projeto ibérico Life Nieblas (que também abrange Portugal), vai servir para os caçadores de nevoeiro aperfeiçoarem os métodos e conhecerem novas técnicas, tais como redes de condensação montadas em estruturas verticais.
O intercâmbio é apoiado pela organização não-governamental (ONG) francesa Smilo, dedicada a projetos em pequenas ilhas.
O relevo acidentado favorece a formação de nevoeiro na ilha Brava.
O projeto de captação de águas que será implementado na ilha deve-se “à seca severa sofrida” pelos cabo-verdianos e que tem afetado sobretudo os agricultores e a conservação das espécies endémicas da ilha.
Este ano está a ser uma exceção, com a época das chuvas (entre julho e outubro) a trazer precipitação, mas o clima árido é uma característica do arquipélago sempre presente, sublinhou Dheeraj Jayant.
“A escassez de água levou muitos agricultores e criadores de gado a abandonar as suas atividades. No entanto, as áreas de alta altitude da Brava possuem as duas condições necessárias para a captação de água de nevoeiro: nuvens e vento”, apontou.
A associação Biflores pretende “prestar homenagem às inovações” da população local, fazendo evoluir as práticas já existentes.
“O nosso objetivo é usar essa água para irrigação gota-a-gota, visando a restauração de ecossistemas e garantir segurança nutricional na nossa ilha, por meio de agroecologia”, salientou o diretor.
Jayant está otimista: espera ultrapassar os 400 litros de água nos dias de nevoeiro e armazená-los em reservatórios, alguns dos quais construídos pela delegação do Ministério da Agricultura e Ambiente de Cabo Verde.
Embora confiante na implementação do projeto, o dirigente da Biflores referiu que a falta de dados históricos “é um desafio”: faltam “informações fiáveis” de longo prazo para conhecer as condições climáticas da ilha da Brava.
Além disso, há incerteza “sobre os impactos das mudanças climáticas nas condições necessárias para a captação de água de nevoeiro”.
“Também há desafios logísticos, incluindo a disponibilidade de materiais e equipamento no mercado cabo-verdiano, o transporte a partir da capital [Praia, ilha de Santiago] para a ilha Brava e a dificuldade de acesso a zonas onde as estruturas serão instaladas”, referiu.
Apesar disso, a associação e as comunidades da ilha estão determinadas a formar os seus caçadores de nevoeiro e superar os obstáculos, respeitando os ecossistemas.
O projeto pode ajudar “na conservação da flora endémica da ilha Brava”, outro dos trabalhos da associação, que gere um projeto de pastoreio sustentável.
O programa de atividades nas ilhas Canárias, até 10 de novembro, inclui ainda práticas de reflorestamento com espécies endémicas, práticas agroecológicas e produção de plantas.