“A minha esperança reside no improvável”, Paulo Magalhães, Casa Comum da Humanidade



Paulo Magalhães recebeu prémios como o “Inspiração Visão Verde”, que atestam o grau de compromisso que estabeleceu com a causa ambiental. Nesta entrevista, que concedeu a propósito da sua participação no TEDx Porto “The Unspoken Truth About Climate Change”, partilhou com Cátia Margarido, da VINCI Energies Portugal, a sua convicção de que existe uma interdependência entre os interesses individuais e os interesses de todos no que respeita ao combate às alterações climáticas.

Diretor Executivo e fundador da Casa Comum da Humanidade e coordenador do Grupo de Missão Clima Património da Humanidade, Paulo Magalhães é ainda conselheiro do CNADS – Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável. Credenciais bastantes para se perceber que fez da questão ambiental a sua grande causa.

Cátia Margarido, Head of Environment da VINCI Energies Portugal

Na entrevista que concedeu a Cátia Margarido, Head of Environment da VINCI Energies Portugal, disse que “temos um sistema cansado do Acordo de Paris”, em que “comercializam quotas que não usamos e vendemos a outros para serem usadas”, um jogo de soma negativa ou neutra que ele se esforça por romper, alertando para a necessária mudança de mindset dos governos e também dos cidadãos.

O objetivo da Casa Comum da Humanidade em candidatar o clima a Património Estável é muito ambicioso. O que podem fazer os stakeholders, com foco nas empresas e nas lideranças, para ajudar?

Estes são processos históricos. A única forma que tenho de falar disto é dizer que toda a história é feita de impossíveis, coisas que não deviam acontecer e aconteceram, grandes mudanças que se deram, que não estavam programadas ou previstas. Há uma frase muito interessante que escrevo na minha agenda todos os meses de janeiro: “A minha esperança reside no improvável!”. Porque o provável nós sabemos qual é; o improvável é que pode trazer esperança.

Que mudança é necessária agora?

Reconhecer o clima como um bem comum. Até hoje, tem sido olhado apenas na perspetiva de se atingirem menos emissões (isto é, os fluxos) quando, na verdade, o clima precisa de ser limpo (precisamos de limpar o stock que está acumulado) e cuidado de forma permanente, e para isso ser possível é necessário que seja um bem de todos, mesmo que exista dentro e fora de todos os Estados. Isto pode parecer uma grande ilusão, mas é um facto.

Para deixar de ser “uma grande ilusão”, como diz, o que é necessário fazer?

Isto implica não só o envolvimento dos Estados, que é um trabalho que nós estamos a fazer, mas também da sociedade civil, que intervém cada vez mais nos processos de decisão política e internacional. A opinião pública tem cada vez mais força. Há já uma grande mistura dos movimentos da sociedade civil, de empresas, de ONG com os processos políticos.

Um projeto destes é estrutural?

Sim, porque muda tudo. Como questão jurídica que é, tem efeitos em cascata por toda a sociedade. O problema é que o bem “clima” não existe. Temos um sistema viciado do Acordo de Paris: diz que vai fazer menos emissões, ou que quer neutralizar emissões correntes, ou vai evitar fazer mais, mas que é incapaz de limpar o que já está acumulado em excesso. O valor está em fazer menos, não está em limpar a atmosfera e os oceanos.

Hoje, este processo parece impossível. Mas já foi muito mais…

Quem conhece a história deste processo percebe que já houve muito mais impossibilidades, já pareceu muito mais utópico. Hoje, já temos isto contemplado na lei portuguesa, já temos isto nos objetivos de discussão dentro da CPLP, o próximo passo é chegar às Nações Unidas. Isto são verdades, são informações factuais. O clima é um bem comum, de facto. Independentemente de, em termos jurídicos, ainda não seja considerado como bem comum, que deveria pertencer a toda humanidade, Por não ser de ninguém, os “reservatórios” atmosfera e oceanos, são lixeiras, em quem limpa não é compensado por isso.

Qual deve ser o papel da liderança das empresas neste contexto?

O envolvimento das empresas é fundamental, porque todos fazemos parte do sistema terrestre, todos os seres humanos. Esta consciência de fazer parte, de depender e de estar integrado neste sistema global é fundamental para se avançar. As empresas hoje não operam no país; o palco das empresas é o mundo. Então, em termos de objeto, elas estão mais próximas do mundo do que os próprios Estados que têm essa função de proteger aquilo que julgam ser os interesses individuais de cada país, que são vistos ainda com um olhar do século XIX, do século XX. A grande questão é que sem a prossecução de interesses comuns, ninguém consegue alcançar os objetivos individuais do Estado.

Mas a consciência desta tensão entre o individual e o coletivo ainda não está organizada. E não está organizada precisamente porque o próprio bem comum não está definido. Temos de criar uma situação em que fazer a provisão de bens comuns, de serviços de interesse comum de caráter global, corresponde também a um interesse privado, no sentido em que eu sou compensado pelos benefícios que realizo num bem que pertence a todos.Sem isto, vamos estar sempre no jogo ao contrário, que é retirar o máximo possível do bem comum. E há que inverter este jogo.

Em termos práticos, o que poderá sensibilizar as empresas a contribuir para esta inversão?

Uma empresa que começa a perceber que se o seu interesse individual só é alcançado quando preserva também os interesses comuns está no bom caminho, está bem mais à frente. Mais cedo ou mais tarde é isso que vai acontecer, é inevitável que aconteça. Isto explica-se na economia: quando obtenho benefícios à custa do bem comum, chega a um ponto em que a situação se inverte. E começo a ter prejuízos pelo facto de o bem comum não estar a ser garantido.

Esta é uma tensão que existe em todo o lado, não apenas nas empresas…

Sim, existe a vários níveis: dentro de uma casa, de um prédio, no condomínio, numa cidade, numa escala global. Há, sem dúvida, uma interdependência entre os interesses individuais e os interesses de todos. As empresas têm de perceber isto – e já estão a percebê-lo. Começa a haver uma simbiose. É isso que faz sentido.

Quais são as expectativas sobre o impacto que o TEDx The Unspoken Truth About Climate Change, em que participou recentemente, no Porto, terá na opinião pública?

O sucesso de um evento deste tipo materializa-se sempre depois. O facto de ser uma plataforma, com 48 milhões de potenciais espetadores no mundo inteiro, é uma coisa que fica. Hoje, eu ainda tenho visualizações de uma TED que fiz há vários anos. Nota- se que os oradores estão preocupados, porque é um legado que permanece e nos identifica. A TED tem essa capacidade de ser um meio de comunicação que, de alguma forma, materializa uma mensagem de alguém, dá-lhe um rosto. O facto de ser online, tendo em conta que é um TEDx Countdown, TEDx específico para as alterações climáticas, permite a presença a uma escala global e, ao mesmo tempo, ter a experiência de estar em palco. O facto de termos um palco TED permite, quer o orador esteja em casa, quer esteja no estúdio, ter esta perceção de que a conferência está a acontecer em várias partes do mundo. Embora haja um centro que está a coordenar, há um palco que permite tornar a coisa viva.

Acha que pode ser um modelo que, no futuro, levará a mensagem que vocês quiserem passar com este TED?

Sim. a necessidade de limpar o que está para trás, de que ninguém fala. No The Unspoken Truth About Climate Change falou-se de redução de CO2. Mas a pergunta está em como é que contabilizamos essa redução: usamos essa remoção para gerar direitos para fazer novas emissões? Ou para anular as emissões que vamos continuar a fazer e que não estamos a reduzir? Repito: é preciso incentivar as remoções, de CO2 e usá-las para começar a limpar o que está para trás acumulado, e que neste momento não é de ninguém.

 

Artigo em parceria com a VINCI Energies publicado originalmente na Green Savers nº 13




Notícias relacionadas



Comentários
Loading...