Caracol marinho ajuda a desvendar segredos da transição da postura de ovos para nascimentos vivos
A postura de ovos, como forma de trazer ao mundo novos seres vivos, surgiu muito antes de os animais terem começado a conquistar os mundos da terra firme. Ao longo de milhões de anos de evolução, algumas espécies passaram a dar à luz crias vivas, ao invés de envolvidas em ovos dentro dos quais terminariam o seu desenvolvimento.
Até agora muito pouco se sabia sobre quais as transformações genéticas que permitiram a transição da oviparidade, a reprodução por meio de ovos, para a viviparidade, em que os organismos nascem num estado mais avançado de desenvolvimento.
Mas uma recente investigação, liderada pela Universidade de Sheffield, no Reino Unido, acredita ter descoberto os segredos dessa transição. E tudo se deveu a um pequeno caracol marinho, da espécie Littorina saxatilis.
Num artigo publicado na revista ‘Science’, os cientistas explicam que, embora a capacidade para dar à luz crias vivas esteja presente nos mamíferos há cerca de 140 milhões de anos, nos caracóis marinhos terá evoluído durante os últimos 100 mil anos, “um piscar de olhos em termos evolutivos”.
Sean Stankowski, primeiro autor do artigo, salienta que este trabalho permitiu estudar como o nascimento de crias vivas evoluiu de forma totalmente independente, “e muito mais recentemente”, nos caracóis marinhos. E os resultados sugerem que essa capacidade terá surgido devido “a cerca de 50 alterações genéticas que estão espalhadas pelo genoma do caracol”.
O L. saxatilis é uma espécie que ocorre frequentemente nos habitats costeiros do Atlântico Norte. Contudo, o facto de indivíduos da mesma espécie poderem apresentar conchas diferentes tem levado a grandes confusões na comunidade científica, com o caracol a ser identificado várias vezes como uma nova espécie ou como uma subespécie que ainda não tinha sido descrita.
Além disso, este animal é capaz de dar à luz crias vivas, ao contrário de muitas outras espécies de caracóis marinhos. “Os cientistas têm sobretudo estudado a variação de conchas do L. saxatilis ao invés de o que diferencia a espécie dos seus parentes que põem ovos”, afirma Stankowski.
Através de técnicas de análise genómica, os investigadores foram capazes de identificar “50 regiões genómicas que, em conjunto, parecem determinar se os indivíduos põem ovos ou dão à luz crias vivas”, diz o primeiro autor. Embora reconheça que “não sabemos ao certo o que cada região faz”, Stankowski refere que “conseguimos associar muitas delas a diferenças reprodutivas, comparando padrões de expressões de genes em caracóis que põem ovos e naqueles que dão à luz crias vivas”.
Assim, a investigação revela que os caracóis L. saxatilis, ao contrário de outars espécies do género Littorina, são capazes de parir crias vivas devido “à acumulação de muitas mutações que surgiram ao longo dos últimos 100 mil anos”.
Os investigadores destacam que a aquisição dessa capacidade permitiu a esse caracol expandir-se para regiões do planeta onde a postura de ovos pode revelar-se impraticável, embora os benefícios específicos dessa evolução permaneçam, para já, “um mistério”.
“Não sabemos ao certo”, confessa Stankowski, “mas a transição da postura de ovos para o nascimento de crias vivas poderá ter emergido por seleção natural”, favorecendo o aumento do tempo em que os ovos passam dentro do corpo das progenitoras, “com os ovos, eventualmente, a eclodirem dentro da mãe”.
Dar à luz crias vivas e já desenvolvidas acarreta desafios acrescidos, exigindo um maior investimento por parte da progenitora, pelo que a equipa especula que algumas das alterações genómicas que identificaram podem precisamente ajudar o animal a lidar com esses desafios.
Agora, os investigadores querem decifrar as funções de cada uma dessas regiões e perceber como influenciaram, ao longo da história evolutiva da espécie, a forma e as funções do seu organismo.