“A nossa responsabilidade social sempre foi uma manifestação dos valores do meu avô”



O Grupo Nabeiro lidera o ranking das empresas mais responsáveis em Portugal. Em entrevista à Green Savers, Rita Nabeiro garante que a responsabilidade social “sempre foi uma manifestação
dos valores” do seu avô, Rui Nabeiro, e que, “sendo o Grupo Nabeiro uma empresa familiar, esses valores estão presentes na família, mas atravessam toda a organização, desde colaboradores, a clientes e parceiros”.
A Administradora Executiva do Grupo Nabeiro e CEO da Adega Mayor afirma que o primeiro lugar num ranking de 100 do Merco é o resultado de “uma estratégia de desenvolvimento do negócio
e do investimento na nossa atuação e no nosso compromisso com a sustentabilidade”, mas é um trabalho “infinito que nunca se pode dar como concluído ou garantido”.

Que atributos precisa ter uma empresa para merecer qualificar-se como socialmente responsável?

Sabemos que, tal como não existem pessoas perfeitas, também não existem empresas
perfeitas. Por isso, é importante ter um olhar crítico e constante sobre as nossas organizações, onde a responsabilidade social deve fazer parte da cultura empresarial, mas mais do que isso, ser
um compromisso a longo prazo. Trata-se de um processo de melhoria contínua, na sua relação com os colaboradores, a comunidade e os parceiros e deve ser adequada ao setor e à dimensão da empresa. Como empresas, temos a obrigação de entender o nosso papel, e de saber que não nos podemos desprender da nossa responsabilidade enquanto agentes de mudança e de impacto. Mais do que estarmos única e exclusivamente virados para dentro, temos de ter uma postura virada para a comunidade, interna e externa, e estar cientes dos impactos e das externalidades da nossa atividade.

Torna-se fundamental desenvolver estratégias e soluções que visem uma aplicação socialmente correta, ambientalmente sustentável e, como seria de esperar, economicamente viável. Esta sempre foi a postura do Grupo Nabeiro e, por isso, a responsabilidade social é um valor prioritário dentro da organização. Encaramo-la de forma abrangente, não só através da implementação de ações e iniciativas, como também partimos de uma premissa que se traduz na adoção de boas práticas, desde sempre, de dentro
para fora.

Uma empresa responsável preocupa-se em neutralizar os impactos negativos da sua atividade. De que forma é que o Grupo Nabeiro o faz?

Sem o compromisso das empresas e dos seus líderes nunca será possível atingir
um desenvolvimento sustentável. A sua contribuição é crucial para mitigar coletivamente
o impacto no planeta, seja através da redução e neutralização da sua atividade, seja através da adoção de práticas consideradas regenerativas. Só assim será possível atingir as metas do Acordo de Paris, do Pacto Ecológico Europeu e da recente Lei do Clima em Portugal, rumo à neutralidade carbónica, assim como contribuir para os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, muito embora saibamos que o mundo está muito longe de conseguir cumprir os seus compromissos.

Desta forma, o Grupo Nabeiro pretende reforçar a sua atuação de forma holística e integrada, através do constante desenvolvimento da nossa estratégia, e da forma como gerimos a nossa cadeia de valor, dentro (pessoas e produtos) e fora da organização (fornecedores e contributo para a comunidade). Procuramos manter e reforçar o nosso compromisso com a minimização dos impactos das nossas atividades e dos
nossos bens e serviços no ciclo de vida dos nossos produtos, tomando medidas que garantem a utilização sustentável dos recursos.

Para nós, é essencial saber onde estamos e onde temos de atuar. Através da avaliação da nossa pegada de carbono, estamos a desenhar uma estratégia de descarbonização passo a passo, que nos permita reduzir o impacto, identificando oportunidades de redução das emissões, bem como investir em aspetos que nos permitam reduzi-las ou eliminá-las.

Neste âmbito, consideramos essencial a aposta contínua na nossa área dedicada à inovação, quer dos
produtos, como dos processos, de forma a repensar, redesenhar e reduzir a nossa pegada. Apostamos em inúmeros projetos com impacto ambiental positivo e integramos organizações que incentivem uma colaboração pré-competitiva e nos permitam trabalhar junto de outras empresas que encaram os mesmos desafios, para que os possamos ultrapassar juntos, de forma mais ágil e adaptada às necessidades da nossa cadeia de valor.

Para o Grupo Nabeiro, os princípios dos critérios ESG e alguns dos seus indicadores atuais encontravam-se já incorporados na nossa estratégia, mesmo antes de aparecer essa sigla.

A nossa visão é integrada e centrada em pilares de atuação estratégicos, entre os quais se destacam as pessoas, a ação climática, a economia circular e a cadeia de fornecimento sustentável.

Na ação climática, estamos a atuar de diferentes formas, entre as quais, a descarbonização da nossa atividade, seja na transição para uma frota de veículos elétricos, na utilização de painéis fotovoltaicos para produção de energia, na utilização de embalagens 100% recicláveis, reutilizáveis ou compostáveis,
na regeneração de ecossistemas, na aposta em agricultura biológica, ou no estímulo da biodiversidade. Na economia circular, estamos a reestruturar processos, produtos e serviços, de forma a promover um uso responsável do plástico. E na cadeia de fornecimento sustentável, através de uma estreita colaboração com diferentes parceiros, para avaliarmos a nossa cadeia de valor (desde a aquisição das matérias-primas, até ao fim de vida do produto). Apesar do caminho percorrido, sentimos que há ainda muito por fazer.

Como é que os critérios ESG [siga inglesa para Ambiente, Social e Governance] entraram no vosso léxico corporativo e como é que se refletem interna e externamente?

Para o Grupo Nabeiro, os princípios dos critérios ESG e alguns dos seus indicadores atuais encontravam-se já incorporados na nossa estratégia, mesmo antes de aparecer essa sigla. Estamos atentos à evolução e revisitamos continuamente cada um destes critérios, de modo a definir novas prioridades que nos permitam gerir adequadamente os desafios ambientais, sociais e de governance.

Na área do ambiente, estes princípios refletem-se no nosso investimento contínuo em projetos ambientais, com vista a reduzir o impacto em toda a nossa cadeia de valor. Socialmente, refletem-
se em toda a nossa história e são intrínsecos à nossa cultura, pelo empenho e relevância que o meu avô e fundador do Grupo Nabeiro (Rui Nabeiro) sempre deu a esta área, como é exemplo a nossa Associação de Solidariedade Social, o Coração Delta, desenvolvida ao longo do tempo para dar uma resposta adequada às necessidades das comunidades que integramos. Ao nível do Governance, incluímos as decisões estratégicas e de negócio, nomeadamente através de uma maior transparência nos processos,
a promoção de uma maior equidade, igualdade e inclusão das nossas pessoas, o combate à corrupção e uma base sólida que é a ética nos negócios e nas relações em geral.

Dentro destes critérios, o Governance é aquele que é menos falado. Porque é que acha que esta situação se verifica e qual a sua importância?

Uma estrutura de governance forte e eficaz ajuda a cultivar uma cultura empresarial
de integridade e fomenta um desempenho positivo, contudo responsabiliza individualmente as empresas, pessoas e equipas, e isso torna-o num assunto mais delicado, mas absolutamente fundamental. Integrando o compromisso das empresas, é o que possibilita o funcionamento
eficiente e sustentável das mesmas, foca as práticas, políticas e estruturas, garantindo que os interesses de todas as partes interessadas estão protegidos, através da implementação de códigos de ética e conduta, transparência e anticorrupção por parte da organização, nas suas mais diferentes áreas de gestão e decisão. Sem governance, os critérios ambiental e social ficam comprometidos.

Que estratégias está o Grupo Nabeiro a implementar, por forma a responder a estes desafios (responsabilidade social e ambiental) cada vez mais importantes e que necessitam de estratégias efetivas?

O sentido de comunidade dentro do Grupo Nabeiro é algo intrínseco para todos os nossos colaboradores, clientes e parceiros, e a vontade de melhorar a vida das pessoas e comunidades à nossa volta leva-nos a desenvolver e a promover diferentes projetos, com âmbitos e objetivos distintos. Dessa forma, priorizamos a preservação das origens, assegurando a qualidade de vida da população que depende da cultura do café, através do trabalho efetuado pela International Coffee Partners. Apoiamos as comunidades produtoras de café e incrementamos a qualidade de vida e literacia dos produtores de café, contribuindo para a erradicação da fome e pobreza nos países produtores de café e para o crescimento mais sustentado da fileira do café. Estamos a apoiar em todas as etapas de produção (da preparação
à comercialização) o Café dos Açores, o único café da Europa 100% português, que integra 500 famílias produtoras de café em todas as Ilhas do Arquipélago dos Açores.

Da mesma forma que incentivamos o empreendedorismo, também apoiamos projetos com impactos transformacionais nas comunidades onde estamos, como por exemplo através do Coração Delta, a associação de solidariedade social do Grupo Nabeiro, que foi criada com o objetivo de desenvolver projetos nas comunidades onde o grupo está inserido, nomeadamente projetos de voluntariado e de apoio social, sendo os seus associados, as empresas do Grupo Nabeiro e os seus colaboradores.

Atualmente, a Associação Coração Delta apresenta várias valências e vários serviços necessários ao desenvolvimento das comunidades, tais como o Centro Educativo Alice Nabeiro, o serviço de intervenção
precoce e de apoio a crianças e jovens, os projetos de voluntariado sénior, ambientais e de cidadania.

O Centro Educativo Alice Nabeiro partiu de um dos sonhos dos meus avós em construir um espaço que permitisse aos colaboradores conciliar a sua vida profissional e familiar, e que tentasse dar resposta às necessidades extraescolares das crianças de Campo Maior.

Para as crianças até aos seis anos com necessidades especiais, o Coração Delta criou o programa “Intervenção Precoce”, no âmbito do qual uma equipa formada por terapeutas da fala, terapeutas
ocupacionais, psicólogos, educadores de infância e assistentes sociais se deslocam até às crianças (onde as crianças estiverem) para que os pais, professores e outros cuidadores adquiram mais competências para as tratarem devidamente. Existe um programa semelhante também para crianças com necessidades
especiais dos 6 aos 18 anos. Destaco ainda o programa de empreendedorismo, desenvolvido pelo Centro Educativo Alice Nabeiro, e reconhecido pela OCDE, destinado a crianças e jovens, com o objetivo de os ajudar a desenvolver um espírito empreendedor.

Os consumidores da geração Z realizam atividades voltadas para a sustentabilidade, no seu dia a dia, e esperam que os seus fornecedores também mostrem preocupação com o futuro. Podem ser importantes agentes de mudança, ao trazer uma visão alinhada com o futuro, mas que se começa a construir agora: as empresas precisam disso, a sociedade precisa disso.

O presidente da CIP disse que atualmente se fala muito dos ESG, mas que Rui Nabeiro, “sem estes conceitos académicos e de modas, sempre incorporou na sua organização estes mesmos princípios” com “muita preocupação no social”. O facto de ser uma empresa familiar foi determinante para este percurso?

A nossa responsabilidade social sempre foi uma manifestação dos valores do meu avô, Rui Nabeiro. Sendo o Grupo Nabeiro uma empresa familiar, esses valores estão presentes na família, mas atravessam toda a organização, desde colaboradores, a clientes e parceiros. Ao longo da nossa cadeia de valor, procuramos implementar os valores que defendemos, através das nossas práticas, das nossas políticas e dos nossos princípios, garantindo um alinhamento de várias formas, começando na seleção das nossas pessoas, no seu acolhimento e integração, na consequente qualificação; mas também na relação com os nossos parceiros, de forma a garantir que os nossos produtos e serviços obedecem de forma integral ao mesmo padrão ético com que nos comprometemos. Na Delta, iniciámos cedo o caminho das certificações. Em 1994, a nossa fábrica Novadelta foi pioneira no setor, com a obtenção da certificação em Qualidade (ISO 29002). Em 2002, numa altura em que poucos falavam no tema, a Novadelta, foi também a primeira empresa a obter a certificação de responsabilidades social (SA8000). Seguiram-se as certificações em Segurança Alimentar (ISO 22000), em Saúde e Segurança no Trabalho (ISO 45001), em Ambiente (ISO14001 e EMAS III), e mais recentemente fomos a primeira empresa certificada em Conciliação entre a vida familiar, profissional e pessoal (NP4552).

Em 2007, fomos novamente uma das primeiras empresas portuguesas a aderir ao UN Global Compact (o United Nations Global Compact, uma iniciativa na área da cidadania empresarial, que teve a sua origem numa proposta do anterior Secretário-geral da ONU, Kofi Annan, no ano 2000).

De resto, numa pesquisa de mercado sobre as empresas mais responsáveis a atuar em Portugal, publicada pelo Merco, a Delta Cafés aparece como a primeira num ranking de 100, pelo segundo ano consecutivo. Como é que avalia este desempenho?

Acredito que esta distinção é o reconhecimento do nosso longo compromisso na aplicação contínua de práticas empresariais ambientalmente e socialmente sustentáveis. É uma avaliação de reconhecimento, da qual nos orgulhamos, e o resultado de uma estratégia de desenvolvimento do nosso negócio e de investimento na nossa atuação e no nosso compromisso com a sustentabilidade, que se centra na procura constante das melhores práticas ambientais, sociais e económicas. Mas é um trabalho infinito que nunca se pode dar como concluído ou garantido.

Rui Miguel Nabeiro, CEO do Grupo Nabeiro – Delta Cafés, foi eleito recentemente presidente da International Coffee Partners (ICP), uma associação que se propõe a apoiar e melhorar a qualidade de vida dos pequenos produtores de café, tornando-os mais competitivos e dotando-os de práticas sustentáveis. Qual a importância desta liderança e quais os planos para o futuro?

Este cargo permite aprofundar o trabalho que temos vindo a desenvolver na ICP (International Coffee Partners Association) em áreas estratégicas, impactando jovens agricultores nos países de origem, e continuar a gerar conhecimento em torno das alterações climáticas. O reforço das parcerias será também um ponto fulcral nos próximos anos. A ICP propõe-se apoiar e melhorar a qualidade de vida dos pequenos produtores de café, tornando-os mais competitivos e dotando-os de práticas sustentáveis. São estas as principais metas que, enquanto associados do ICP, queremos alcançar nos próximos anos.

Para além disso, também queremos continuar a desenvolver o trabalho no âmbito do projeto COFFEE&CLIMATE, o qual aborda o impacto das mudanças climáticas nas famílias de pequenos produtores e na produção de café nos seguintes países: Indonésia, Etiópia, Tanzânia, Uganda, Brasil, Honduras e Guatemala. Este projeto apoia ainda a melhoria da situação geral de subsistência,
tornando a produção de café mais resiliente aos efeitos das mudanças climáticas e as paisagens cafeeiras mais inteligentes.

Pode enumerar algumas das iniciativas e programas do Grupo Nabeiro com o objetivo de reduzir a emissão de poluição e garantir a preservação da biosfera, enquanto responde aos seus objetivos económicos e de sustentabilidade empresarial, através da criação de produtos de valor acrescentado?

Criámos a cápsula eQo, com uma tripla certificação de sustentabilidade: certificação Rainforest Alliance, UTZ e biológica.

Apostamos na aquisição de energia verde em todas as Infraestruturas do Grupo em Portugal, garantindo que a energia elétrica consumida é produzida através de fontes 100% limpas e renováveis, contribuindo para a construção de um futuro melhor, mais limpo e sustentável.

Na nossa fábrica, a Novadelta, temos uma capacidade fotovoltaica instalada (30% consumo elétrico), mas queremos aumentá-la, ambicionando a ampliação de parque fotovoltaico em 700kW adicionais. Estamos ainda a analisar a possibilidade de utilizar hidrogénio verde, em substituição do gás natural, e continuamos à procura de alternativas energéticas.

Estamos continuamente a investir em equipamentos de nova geração. Damos prioridade à luz natural. Utilizamos lâmpadas LED, sistema de controlo e automação e otimizámos os nossos processos fabris.

Substituímos os veículos da nossa frota comercial (diesel) por veículos elétricos.

Apostamos no desenvolvimento de economia circular, através da reutilização dos resíduos produzidos em diversas unidades do grupo, nomeadamente na Adega Mayor, que através do projeto OR, deu uma nova vida aos desperdícios do ciclo do vinho, transformando-os numa linha de cremes de corpo e mãos,
ou na reutilização de borras de café das nossas máquinas de vending, para o cultivo de cogumelos NÃM.

A propósito da tal pesquisa de mercado, o CEO do Merco, José María San, alerta que, “analisando a perceção dos consumidores sobre as empresas portuguesas, percebe-se que as duas variáveis com as classificações mais baixas são a responsabilidade social e a responsabilidade ambiental”. Este é um desafio para as empresas, que deverão estar conscientes de que, apesar dos grandes progressos alcançados, as expectativas dos consumidores estão mais avançadas do que os progressos reais realizados?

Os consumidores estão cada vez mais exigentes. Os consumidores da geração Z realizam atividades voltadas para a sustentabilidade, no seu dia a dia, e esperam que os seus fornecedores também mostrem preocupação com o futuro. Podem ser importantes agentes de mudança, ao trazer uma visão alinhada com o futuro, mas que se começa a construir agora: as empresas precisam disso, a sociedade precisa disso.

Inovar diariamente, criar estratégias e mecânicas diferenciadoras são aspetos a ter em conta para projetarmos o futuro das sociedades e a sustentabilidade das comunidades onde atuamos.

A nossa força está na permanente aposta em inovação e qualidade. Mantemos a competitividade e a excelência graças ao desenvolvimento de um negócio global e de um código de ética assente na transparência, integridade no negócio e particular atenção com as origens do café.

Valorizamos o desenvolvimento de um negócio responsável, pelo que todas as inovações têm como premissa os impactos ambientais, sociais e económicos da nossa atividade. Ser sustentável é mais do que pensar na gestão de recursos energéticos. É contribuir para a sustentabilidade global, através do apoio à
comunidade envolvente, trabalhando continuamente num modelo de crescimento económico equilibrado, que não seja extrativo, e sobretudo, muito consciente e comprometido com os desafios que temos pela frente e com o papel de cada um na procura de soluções.

*Entrevista publicada originalmente em setembro de 2023, na revista física da Green Savers





Notícias relacionadas



Comentários
Loading...