Invertebrados aquáticos usam macroplásticos como “campos de alimentação”
A poluição por plástico é, tal como as alterações climáticas, uma das grandes crises dos nossos tempos. É um problema de alcance global, das regiões geladas e mais remotas do planeta até às florestas tropicais mais densas.
Estimativas apontam para que a produção de plástico aumente para cerca de 800 milhões de toneladas até 2050, o dobro do que era em 2015. E todos os anos perto de 20 toneladas acabam nos ecossistemas aquáticos, poluindo rios, lagos e mares.
Muitos impactos negativos da poluição por plástico são já conhecidos. Animais marinhos arrojam nos areais das praias com os estômagos cheios de plástico, outros surgem mortos enredados em resíduos. Além disso, a degradação do plástico, quer em ambiente aquático, quer em terra, pode causar problemas ao nível hormonal, do desenvolvimento e até do comportamento dos organismos afetados pelas substâncias tóxicas libertadas por esses materiais.
Mas a presença de plásticos está também a ter efeitos na forma como os animais vivem, podendo alterar a forma como se alimentam.
Num artigo publicado na revista ‘Environmental Pollution’, a investigadora Verónica Ferreira, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, revela que um grupo de invertebrados aquáticos, conhecidos como raspadores, está a usar macroplásticos como “campos de alimentação”, uma vez que nesses resíduos crescem algas das quais eles se alimentam.
A cientista estudou os efeitos da poluição por macroplásticos em rios e ribeiros, através da revisão da literatura científica já produzida. Em comunicado, Verónica Ferreira explica que “a poluição ambiental por lixo antropogénico é uma preocupação global, mas são escassos os estudos que abordam especificamente a interação entre macroplásticos e macroinvertebrados em riachos”.
Assim, “através de uma meta-análise, que consiste na compilação da evidência científica, comparei a colonização do plástico e de detritos vegetais por estes organismos”, explica.
Os raspadores são animais que, como o nome sugere, alimentam-se de algas que raspam das superfícies de plantas e de rochas em meios aquáticos. Como os macroplásticos acabam por ser colonizados também por algas, surgem como novos “campos de alimentação” dos quais os raspadores podem usufruir.
“Pensava-se que o plástico não seria colonizado da mesma forma que as folhas, apenas como habitat e não como alimento”, explica a investigadora. “No entanto, curiosamente, o plástico pode ser um substrato muito interessante para os raspadores, que o colonizam da mesma maneira que as folhas.”
Ainda assim, essa alteração nos hábitos de vida dos raspadores pode ter consequências ecológicas negativas mais gerais. Isto, porque, embora os raspadores possam, aparentemente, adaptar-se à presença dos macroplásticos nos seus habitats, pode haver “efeitos negativos para a decomposição das folhas caso estes organismos não façam distinção entre as folhas e os plásticos como ‘campo de alimentação’”.
“Ainda que não comam diretamente as folhas, ao rasparem a superfície para retirar as algas, estes animais acabam por facilitar a sua decomposição. Porém, se os raspadores preferirem o plástico, por ser mais duradouro e permitir um maior desenvolvimento das algas, tal pode levar a uma retardação na decomposição das folhas, que é um processo fundamental para a circulação do carbono e dos nutrientes”, detalha Verónica Ferreira.