Recuar até à Roma Antiga para descobrir ligações entre pandemias e alterações climáticas
Existe alguma relação entre alterações climáticas e o surgimento de pandemias? Um grupo de cientistas quis desvendar essa mesma questão e para isso recuou no tempo até à Roma Antiga.
Através da análise de sedimentos do fundo marinho do Golfo de Taranto, no sul da península italiana, reconstruíram os padrões de precipitação e as temperaturas do período entre 200 a.C. e 600 d.C. Depois, compararam a reconstrução paleoclimática aos registos históricos existentes sobre três grandes pandemias ocorridas em Itália: a Peste Antonina (entre 165 e 180 d.C.), a Peste de Cipriano (entre 251 e 266 d.C.) e a Peste de Justiniano (entre 541 e 750 d.C.).
Num artigo publicado na revista ‘Science Advances’, os investigadores explicam que cada um desses eventos pandémicos foi antecedido por uma mudança significativa no clima. A Peste Antonina aconteceu depois um período frio e seco que se estendeu por várias décadas, a Peste de Cipriano coincidiu com uma segunda fase de arrefecimento e de ainda maior aridez, após um breve aquecimento entre 215 e 245, e a Peste de Justiniano resultou do que os autores dizem ser “um momento de arrefecimento extremo” nas décadas de 530 e 540.
Karin Zonneveld, do Centro de Ciências Ambientais Marinhas da Universidade de Bremen (Alemanha) e primeira autora do trabalho, declara, em comunicado, que “uma fase de mudança climática foi seguida por um surto pandémico”.
Embora reconheça que as sociedades contemporâneas são capazes de resistir e lidar com choques climáticos muito melhor do que as sociedades antigas, a investigadora salienta que a pandemia de COVID-19 mostrou que o risco da emergência ou reemergência de doenças infeciosas está sempre presente.
“Tal como nos tempos romanos, o clima é ainda um importante fator que afeta os aspetos fundamentais que influenciam o nosso bem-estar”, diz Zonneveld, para quem “estudar a resiliência de sociedades antigas às alterações climáticas e explorar como as alterações climáticas e a incidência de doenças infeciosas estão ligadas pode dar-nos uma melhor perspetiva sobre os desafios relacionados com o clima que enfrentamos hoje”.
No artigo, os investigadores escrevem que “episódios passados de alterações climáticas podem ajudar a compreender as complexas ligações entre mudanças ambientais e a resiliência social”, sublinhando que “dada a raridade de eventos de epidémicos de grandes dimensões (…) são necessárias longas escalas temporais para um mais completo entendimento dos verdadeiros riscos das alterações climáticas”.
E argumentam que “os nossos registos enfatizam que as alterações climáticas, doenças pandémicas e o destino das sociedades humanas têm estado interligados há milhares de anos e que tais ligações devem ser consideradas em avaliações de futuras ameaças ao bem-estar e estabilidade globais”.