Aves canoras podem aprender canções da sua espécie, mesmo tendo sido criadas por humanos
A translocação de animais de um local para outro é uma prática que faz parte do conjunto de abordagens que os conservacionistas têm ao seu dispor, especialmente no que toca a esforços de reintrodução de espécies de animais em locais de onde desapareceram ou onde as suas populações têm vindo a diminuir.
Contudo, se um animal for deslocado de um local para outro não é descabido pensar que poderão existir problemas em termos de comunicação, especialmente se essa comunicação for influenciada por dinâmicas sociais e até culturais das populações de origem. Por outras palavras, o ‘dialeto’ de origem pode não ser compreendido no destino, por exemplo.
Esse pode ser um problema substancial para aves canoras, cujos repertórios musicais são fundamentais para a sua sobrevivência. Mas uma equipa de investigadores acredita que mesmo aves que tenham sido criadas à mão por humanos, sem que adultos da mesma espécie lhes tenham ensinado as canções do grupo, podem aprender as canções dos locais para onde são transferidos.
O estudo, publicado na revista ‘Conservation Science and Practice’, teve como protagonistas as escrevedeiras-de-garganta-preta (Emberiza cirlus). No âmbito de um programa de reintrodução da Sociedade Real para a Proteção das Aves (RSPB), no Reino Unido, algumas crias dessa espécie foram retiradas de ninhos em Devon, criadas à mão por humanos e depois libertadas na Cornualha.
Por não terem beneficiado da presença de adultos da mesma espécie, as escrevedeiras-de-garganta-preta que foram reintroduzidas apresentavam um repertório musical bastante limitado e canções que em nada se pareciam com as da população de origem, em Devon. O único contacto que tiveram com as canções da sua espécie foi através de um CD que continha apenas uma canção de escrevedeira e que tocava enquanto estavam ao cuidado dos humanos.
Contudo, em 2019, oito anos depois da sua libertação, os investigadores perceberam que a população reintroduzida na Cornualha já tinha um repertório de canções muito semelhante ao da população de Devon e até de outros locais.
Os investigadores acreditam que o aumento da população reintroduzida permitiu a diversificação e ‘normalização’ das canções das escrevedeiras-de-garganta-preta que foram criadas à mão, e, por isso, consideram que ações de translocação da espécie no âmbito de programas de conservação podem não gerar problemas a longo-prazo em termos de comunicação.
Sarah Collins, da Universidade de Plymouth e primeira autora do artigo, explica, citada em nota, que “a diversidade de canções é uma característica fundamental nas populações de aves canoras”, e indica que, até este trabalho, não tinham ainda sido feitos estudos sobre o repertório de canções de crias de aves que foram transferidas para outros locais antes de terem aprendido as suas canções com os adultos da sua espécie.
“Embora tenhamos percebido que transferir crias levou a uma redução a curto-prazo da diversidade de canções, a população recuperou para produzir canções normais”, aponta a bióloga, avisando, contudo, que os resultados obtidos com as escrevedeiras-de-garganta-preta podem não acontecer com outras espécies de aves canoras.
Por isso, argumenta que “o desenvolvimento das canções de uma espécie tem de ser considerado em projetos de translocação”, algo que poderá passar por reproduzir canções para que as pequenas crias possam escutá-las e aprendê-las antes de ser libertadas.