Cientistas alertam para riscos de plantação de florestas em savanas africanas
O restauro de habitats é considerado uma das principais formas de recuperar ecossistemas degradados pela ação humana direta ou pelos efeitos das alterações climáticas.
Projetos de reflorestação são ações frequentes desses esforços, e têm claros benefícios ecológicos e sociais, mas devem só acontecer em zonas onde as florestas sejam os habitats indicados.
Uma investigação liderada por cientistas da Universidade de Liverpool, no Reino Unido, assinala que reflorestação e restauro ecológico não são sinónimos, e foca o caso da recuperação de áreas não-florestais em África, onde savanas e pradarias podem vir a desaparecer para dar lugar a florestas.
Num artigo publicado na revista ‘Science’, os autores argumentam que plantar árvores em habitats não-florestais, que têm estruturas, composições e funcionamentos distintos das florestas, poderá ameaçar a subsistência e sobrevivência a longo prazo de animais selvagens, como rinocerontes e gnus, bem como das comunidades humanas locais que dependem desses ecossistemas.
“O restauro dos ecossistemas é necessário e importante”, reconhece Catherine Parr, primeira autora, mas tal não pode ser feito sem ter em conta as características específicas de cada sistema.
“Sistemas não-florestais como as savanas são erradamente classificados como floresta e, dessa forma, considera-se que precisam de ser restaurados com árvores”, salienta, argumentando que é urgente “rever definições para que as savanas não sejam confundidas com florestas, porque aumentar as árvores é uma ameaça para a integridade e persistência das savanas e das pradarias”.
A investigação, e os avisos por ela deixados, tem como pano de fundo o chamado ‘Desafio de Bonn’, lançado em 2011 pelo governo alemão e pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), cujo objetivo é restaurar 350 milhões de hectares de paisagens degradadas e desflorestadas até ao final desta década.
No entanto, os investigadores consideram que há motivo para preocupação quando o restauro ecológico é confundido com reflorestação. “Têm sido levantadas preocupações quanto ao facto de o foco no restauro baseado em árvores, combinado com a classificação incorreta de ecossistemas herbáceos, poder conduzir a uma recuperação inadequada e à destruição de ecossistemas intactos e antigos”, escrevem no artigo.
Nicola Stevens, da Universidade de Oxford e que também assina o trabalho, observa que “a urgência” de restaurar habitats e ecossistemas através da plantação de árvores “está a estimular o financiamento de projetos não adequadamente avaliados que muito provavelmente terão benefícios negligenciáveis de sequestro [de carbono] e causarão potenciais danos sociais e ecológicos”.
Embora este estudo se tenha debruçado sobre África, os investigadores dizem que as savanas e pradarias de países como o Brasil e a Índia podem estar a correr os mesmos riscos, reforçando o aviso de que é preciso perceber que restauro ecológico e reflorestação não são uma e a mesma coisa.