2ª Edição do IDE Insights & Boas Práticas: Como é que as normas de sustentabilidade estão a revolucionar as organizações?



No dia 17 de outubro, a UCCLA – União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa, em Lisboa, acolheu um evento ligado à transformação social, o IDE Insights & Boas Práticas. Um dos painéis, intitulado “Inovações Sustentáveis e ESG em Ação” e moderado por Filipe Pimentel, jornalista da Greensavers, propôs um olhar exploratório sobre como as normas de sustentabilidade estão a revolucionar as organizações, a transformar os ambientes de trabalho, a sociedade em geral e a moldar o futuro das cidades.

Este encontro, que já vai na segunda edição, tem a assinatura de Elisangela Souza, empreendedora com mais de uma década de experiência em ESG, Responsabilidade Social e Terceiro Setor e fundadora da IDE Social Hub, uma start-up que impulsiona a mobilização de grupos historicamente sub-representados e subvalorizados através da implementação de medidas inovadoras de Inclusão, Diversidade e Equidade em ecossistemas corporativos.

O tom descontraído, humanizado e motivador deste encontro abriu terreno para uma generosa troca de experiências com ênfase na reflexão conjunta sobre o muito que há ainda a fazer quando, sem esquecer os outros dois parâmetros, nos focamos no “S” do ESG.

Jociana Lopes, gestora de projeto da Microsoft, relações-públicas e a apresentadora do evento, deu as boas-vindas ao público que esgotou o auditório da UCCLA. Reconhecida como uma das TOP 100 Women in Social Enterprise pela Euclid Network, Elisangela, por sua vez, explicou que a ideia da criação do IDE Social Hub surgiu de uma experiência negativa num processo de seleção, apercebendo-se, nesse momento, de que havia uma lacuna que era preciso preencher: dar voz e lugar no mercado empresarial a grupos invisibilizados como aqueles aos quais pertencem pessoas racializadas, mulheres, LGBTQIA+, indivíduos com mais de 50 anos e pessoas com deficiência.

Embora dados animadores indiquem que quando são dadas oportunidades de trabalho a estes grupos cerca de 30% vê o seu talento reconhecido e retido pelas organizações, outros indicadores mostram que só daqui a pelo menos 150 anos, cerca de 5 ou 6 gerações, se atingirá a equidade salarial entre géneros para os mesmos cargos, uma linha temporal que justifica a necessidade de acelerar a mudança e encurtar o prazo.

Sob o mote “a mudança que eu quero ver no mundo começa em mim”, os oradores convidados mostraram os impactos sociais positivos do seu trabalho e os desafios com que se têm vindo a deparar ao longo do seu percurso.

Inclusão Diversidade Equidade: Boas Práticas e Desafios

O primeiro painel, moderado por Catarina Coelho, mentora do projeto “Lugar de Mulher é no Palco” e especialista em comunicação autêntica, procurou questionar como é que se coloca em prática os princípios de inclusão, diversidade e equidade e em que outros valores assenta esta estratégia de desenvolvimento social.

Identificando o “propósito” como um desses fatores, André Gerson, CEO da GCIMedia Group, esclarece que “todas as empresas procuram comunicar o seu propósito, é uma exigência do consumidor e do mercado, a essência da empresa, e o consumidor exige que a ação seja coerente com as palavras e vice-versa”.

A evolução vertiginosa da tecnologia, a par dos comportamentos de consumo, muitas vezes alavancados em tendências de micro duração, pode levar a que a empresa perca o seu rumo ou questione a sua identidade, daí ser tão importante “recuperar o propósito, que tem de ser durável e ser defendido por uma cultura interna robusta, além de flexível para poder acompanhar a evolução do mundo sem ser engolida por ele”, frisa.

Na sua perspetiva as empresas devem “trabalhar num eixo colaborativo, têm de emergir nas comunidades com as quais pretendem criar relação, trabalhando, para isso, a proximidade, a confiança, a escuta ativa. Só assim abraçam a audiência e os seus stakeholders, até porque os caminhos que as marcas escolhem para comunicar estão a ser escrutinados pelos consumidores e pela sociedade”, avança, o que se reflete nas campanhas que “têm de refletir de forma verdadeira as preocupações sociais que preconizam e aprender com os inputs que a sociedade lhes dá”, explica.

Contudo, numa era de overload de comunicação, com temas novos a surgirem todos os dias, como se comunica de forma clara e inequívoca esse propósito? Neste aspeto, André defende que o menos é mais: “ser relevante não é comunicar ou estar presente de forma massiva, até porque o conceito de audiência geral já não existe, tudo está segmentado”, por isso, ser claro na comunicação do propósito passa por “alinhar um road map e perceber o que é que a marca consegue fazer em termos de ações e mensagens coerentes entre si” numa lógica de qualidade, menos quantidade e privilegiando sempre a autenticidade.

Pedro Filipe, managing partner da agência de comunicação Join, criador da start-up de economia circular Thingle e ativista pelos direitos dos afrodescendentes em Portugal através do coletivo O Lado Negro da Força, aponta, por seu turno, a falta de representatividade nos círculos de decisão das empresas como obstáculo para a chegada a um consenso abrangente que inclua a diversidade.

Na sua perspetiva, só havendo dados e procedendo à sua análise é que se consegue compreender a realidade como ela e trabalhar o tema do racismo estrutural, perceber se as comunidades são ou não colocadas nas periferias, se têm ou não acesso às mesmas oportunidades e operar a partir daí.

André Gerson, que gere um ecossistema de empresas que engloba desde a estratégia de marca até à sustentabilidade e marketing ambiental, com impacto em Portugal e Angola, refere que não é exequível as marcas incluírem toda a diversidade existente, mas concorda que é preciso fomentar a diversidade e a inclusão a nível superior, de quem dirige as empresas. As pessoas ditas “excluídas” olham para o mundo, no seu entender, “com o coração, porque passaram pela jornada de autoafirmação, sentiram efetivamente as dificuldades”.

Cláudia Silva, gestora de projetos na Siemens Portugal, diretora da Women In Tech® Global para Portugal e vencedora do Prémio Diversity Role Model 2024, falou das implicações da não diversidade na tecnologia, em particular o facto de os dados biométricos das mulheres não serem considerados quando se desenha, projeta e produz equipamentos vulgares no nosso quotidiano, como telemóveis ou automóveis, resultando, segundo alguns estudos, e no que respeita aos automóveis, numa maior probabilidade de ferimentos graves em mulheres em caso de acidente rodoviário. Tal deve-se ao facto de os testes de impacto não considerarem a fisionomia média feminina e recorrerem somente a modelos masculinos, um problema que tem a sua raiz no preconceito de género. É preciso que as empresas percebam que “têm muita responsabilidade nos produtos que colocam no mercado”, alerta a gestora.

Já Rita Távora, responsável de desenvolvimento de talento na IKEA, com 20 anos de experiência em gestão de pessoas das mais diversas origens, descreve que o motto da gigante sueca é “criar um melhor dia a dia para a maioria das pessoas, o que pressupõe diversidade nessas pessoas”. Rita justifica a relevância que este posicionamento tem nas contas da empresa: “se não formos capazes de criar soluções que representam as pessoas, perdemos oportunidades de negócio”, e isso estende-se à heterogeneidade de colaboradores que fazem da IKEA aquilo que ela é, “para a marca é importante que os colaboradores reflitam a diversidade e, com isso, o cliente se sinta representado”.

Sobre a inclusão da força de trabalho feminina nas empresas, neste caso no universo tecnológico em Portugal, Cláudia relembra que entrou para o setor ainda adolescente, num curso técnico-profissional, já lá vão mais de 30 anos, numa altura em que o uso do computador começava a democratizar-se. Recorda que olhavam para si como um objeto raro, “a amostra de mulheres era muito curta, havia muito estigma na área das engenharias”. Diz, contudo, já ver diferenças, “tudo foi acelerado pela via da tecnologia, está massificada e até na educação está embebida, mas ainda falta o propósito”.

Cláudia relata que a Siemens faz muito trabalho junto de escolas profissionais e que “quando falamos sobre futuras carreiras, muitos já não querem áreas tecnológicas, com exceção daquelas que têm impacto no mundo onde querem viver: engenharia do ambiente e cursos ligados às alterações climáticas”. Mas como do outro lado da ponte “estão empresas sedentas de talento, trabalhar o propósito é a resposta, para se criar a noção de que tecnologia serve a sociedade”.

Retomando o tema da diversidade, Cláudia destaca que a Siemens Portugal conta com mais de 60 nacionalidades, falando mais de 17 línguas diferentes. Daí ser tão pertinente “criar um espaço seguro para a inovação e a cocriação. Temos de nos concentrar nos grupos que ainda não estão integrados para que sintam que pertencem ali, que podem ser quem quiserem ser, o maior ativo são as pessoas e o seu talento criativo. Se há colegas com mobilidade reduzida, não custa nada substituir uma porta de abertura manual por uma automática”, exemplifica.

Com a recente obrigação das empresas reportarem e divulgarem publicamente informações sobre os seus impactos ambientais, sociais, relativos aos direitos humanos e indicadores de governação, como é que colocam dentro das suas agendas estas metas de sustentabilidade? E será que o fazem por obrigação ou convicção?

Cláudia entende que o desafio é as empresas estarem preparadas para escrever algo e que “o facto de ser obrigatório é como as quotas, um mal necessário”. A responsável vai mais longe: “empresas que não atendam à diversidade cultural dificilmente conseguirão atrair talento e ser sustentáveis no médio e longo prazo”, é preciso avaliar e responder a questões diversas: “como é que as empresas tratam os seus trabalhadores? Que benefícios oferecem?”. Na nova taxionomia laboral, “não são as empresas a escolher quem querem, são as pessoas que decidem onde querem trabalhar”. Neste contexto, Cláudia defende que “as grandes empresas têm responsabilidades junto dos seus clientes e fornecedores para acelerarem o tecido empresarial português no campo da sustentabilidade”, relembrando que a procura do propósito justifica a quebra de relações, querendo isto dizer que se a empresa não segue determinados valores compatíveis com os do colaborador, este vai procurar trabalho noutro lado.

E como é que as práticas implementadas pela IKEA têm promovido os fatores DEI nos últimos anos? Rita esclarece que um dos pontos cruciais é a igualdade salarial entre géneros, em particular nas esferas de decisão, “garantirmos que em cargos de liderança há 50% de mulheres, mas a diversidade cultural e étnica também assume um papel importante”.

Considerando que os grupos minoritários correspondem a cerca de 10-15% da população nacional, a IKEA “promove práticas inclusivas e de não discriminação, como por exemplo, o programa de formação de liderança que criámos com a finalidade de preparar as pessoas para oportunidades que, à partida, não lhes são concedidas. Esta preparação visa poderem competir em igualdade de circunstâncias. Além disso, “temos um programa de sucessão inclusiva, para garantir recursos humanos diversos na sucessividade”, adianta.

Demais grupos invisibilizados, como os das pessoas com deficiência, têm recebido a atenção da empresa através de estratégias de inclusão passo a passo. Atualmente, na IKEA trabalham cerca de 54 pessoas com necessidades especiais, mas Rita reconhece que “ainda há muito a fazer nesta área”, e um dos caminhos, na sua opinião, passa por “não ter medo de perguntar, sem fazer juízos de valor. É preciso quebrarmos as nossas próprias barreiras quando consideramos, a priori, por exemplo, que determinada pessoa, por ser portadora de deficiência, pode não ser tão produtiva, “na IKEA de Braga um dos colaboradores com mais produtividade nas caixas tem paralisia cerebral”, são situações com estas que nos ajudam a fazer cair os preconceitos.

O movimento LGBTQIA+, que André Gerson representa, em voz própria, na empresa que lidera, também faz parte da agenda prioritária da IKEA: “procuramos falar abertamente sobre os temas, celebrar muitos dias ao longo do ano com os nossos colaboradores e continuar a trabalhar para colmatar a lacuna de inclusão que estes grupos enfrentam”. Nesta casa onde há sempre espaço para todos, um dos lemas da marca, Rita desvenda um pouco do que aí vem: “em breve queremos trabalhar a questão do envelhecimento da população”.

Mas será que ainda é tabu falar claramente sobre estes assuntos? Para Cláudia, a hesitação poderá ter que ver com alguma iliteracia “creio que há desconforto por não se saber como falar, no emprego dos termos, pelo facto de muitas pessoas não estarem à vontade com uma linguagem inclusiva. Quem não está embrenhado nos temas da diversidade pode ficar desconfortável, mas isso só muda quando falamos sem medo e nos disponibilizamos para aprender”, remata.

Para Pedro Filipe, o nó do problema está nas pessoas que negam a existência do problema, muito por força de “não existirem estudos étnico-raciais que sustentem os fenómenos. Só para dar um exemplo, encontrar um CEO racializado é difícil…”, lamenta.

Para Rita, a dificuldade em nomear e debater conceitos de modo universal prende-se com a disparidade das abordagens, mesmo a nível internacional, “temos os extremos no mundo inteiro, para os anglo-saxónicos é normal perguntar, mas noutras culturas tal não acontece”. Neste ponto, Pedro Filipe acrescenta “é mais importante que o assunto seja trazido à mesa do que nos atermos a discutir se se diz preto, negro ou africano”.

E se é verdade que quanto mais conversas tivermos mais orgânica a linguagem e as relações se tornam, André Gerson salienta que “temos algum pudor em assumir a vulnerabilidade pessoal, empresarial e corporativa. A ideia de ‘eu falho e quero aprender a fazer melhor, não existe’, o erro ainda não é bem visto. Noutros mercados a falhar é encarada como uma etapa do processo de crescimento, a vulnerabilidade tem de ser vista como fator de aprendizagem”, advoga.

E será que o ativismo pode influenciar os media e a comunicação? Pedro Filipe recorda um caso recente “a pós-graduação em Racismo e Xenofobia, do Observatório com o mesmo nome, cujo corpo docente era composto apenas por pessoas brancas”. Quem é que tomou esta decisão? E mais, quem é que a aceitou?” Para Pedro não há dúvidas: “o ativismo serve para pôr a sociedade a pensar, a militância serve para fazer o close the gap, chamar a atenção, fazer forças de pressão para dirimir o problema”.

Catarina relembra que os problemas e as desigualdades não foram criados pelas minorias, embora sejam as mais afetadas por essas dinâmicas; e que as maiorias, grupos incluídos no poder político, económico e social, têm, necessariamente, de fazer parte da transformação. André Gerson afirma que usaria o seu poder a investir numa maior representatividade em toda a cadeia de decisão, já Cláudia defende a necessidade de olharmos para as pessoas na sua individualidade, pois a tendência é “olharmos para elas como um produto e pensarmos ‘como é que a vou rentabilizar’. A empatia é para aplicar, e com isso as diferenças esbatem-se”.

A gestora ilustra o seu ponto com uma saudação da África do Sul: I see you, e continua, “temos de aprender a ter lideranças inclusivas desde cedo, trabalhar para um propósito. É preciso dizer, eu vejo-te, eu vejo que tiveste dificuldades em chegar até aqui, eu aprecio o teu caminho e o teu esforço, temos de olhar para os outros com olhos que veem”.

O “poder” da Rita na IKEA é ajudar a marca a continuar a percorrer o caminho que tem vindo a fazer, acreditar em todos os passos e nas pequenas mudanças, fazer diferente e tentar acelerar esta evolução porque “a cada dia que não temos representatividade é um dia injusto”, acentuando ainda ser necessária “humildade para perceber que há ângulos que ainda não estamos a observar”. Pedro Filipe reforça a ideia de que “o que não é comprovável, não existe”, defendendo o potencial do sistema de quotas raciais, tal como aplicado nalgumas universidades do Brasil.

Inovações Sustentáveis e ESG em Ação

Depois foi a vez de falar sobre “Inovações Sustentáveis e ESG em Ação”. Moderado por Filipe Pimentel Rações, jornalista da Greensavers, o painel propôs um olhar exploratório sobre como as normas de sustentabilidade estão a revolucionar as organizações, a transformar os ambientes de trabalho, a sociedade em geral e a moldar o futuro das cidades.

Ana Coelho, líder de projetos de sustentabilidade e especialista em Economia local, considera que as empresas são essenciais enquanto veículos de transformação. Numa altura em que as organizações vivem um “tsunami de legislação ao qual têm de se ajustar”, a plataforma Lisboa Sustentável – Empresas da Câmara Municipal de Lisboa que Ana representa, tem, enquanto organismo público, a responsabilidade de apoiar a sustentabilidade destas mesmas organizações.

A plataforma, que está inserida na área de Economia e Inovação do município, nasceu no âmbito da Lisboa Capital Verde Europeia mas, neste momento, trabalha as três vertentes do ESG para um crescimento equilibrado. Um dos principais objetivos, refere, é “mobilizar o setor empresarial da cidade, e não só, porque o ambiente é global, sem fronteiras, para estes temas. Neste momento temos connosco cerca de 300 empresas”.

A intervenção da Lisboa Sustentável Empresas inclui uma gama variada de apoios “temos uma programação que envolve ciclos de capacitação bianuais com uma consultora; ao longo do ano, e todos os meses, temos road shows de boas práticas para que os modelos de sucesso de uma empresa possam ser replicados por outras, procurando incentivar demais ecossistemas corporativos; e da agenda constam ainda conversas trimestrais abertas ao público geral, webinares ao longo do ano para abordar temas como o financiamento para a sustentabilidade, e, por fim, prémios com a Academia, um protocolo estabelecido com o ISEG ─ porque sabemos que a sustentabilidade não se faz sem inovação ─, que distingue as melhores teses de mestrado sobre questões que impactam a cidade”.

Num país onde as empresas travam algumas dificuldades para se manterem saudáveis, esta iniciativa que estabelece a ponte entre a autarquia e os privados pode trazer alguns desafios ao diálogo. Ana Coelho realça o facto de trabalharem, sobretudo, com micro, pequenas e médias empresas por serem essas as que mais necessitam de apoio, “as grandes gerem a área da sustentabilidade de forma muito musculada, e nós somos alguém que dá literacia às organizações de menor dimensão. Como entidade pública não nos podemos eximir dessa responsabilidade”.

Quanto a possíveis atritos, Ana esclarece: “não os sinto, sinto é que nem sempre conseguimos obter os resultados que gostaríamos, temos de perceber a sustentabilidade no longo prazo, sermos pacientes. No curto prazo é necessário investimento, é um caminho com dores de crescimento, com benefícios futuros, mas até lá chegar leva tempo”.

Embora os problemas ambientais, como a descarbonização, estejam na ordem do dia quando falamos de ESG, há um pilar, o social, que não pode ser secundarizado. O impacto das empresas na vida das pessoas mostra que sem a dimensão social da sustentabilidade a reputação do corporate e o futuro do trabalho estão comprometidos. Gabriela, analista de sustentabilidade no Rock in Rio (RiR) explica que as mudanças no mundo são necessárias e possíveis e que este é, sobretudo, um trabalho de coração.

Na preparação do festival, a sustentabilidade é um fator estratégico, com metas muito concretas e tendo em mente a repercussão que este momento terá no ambiente, na vida e na memória das pessoas: “temos uma grande preocupação em incluir uma qualidade de serviço cada vez maior, somos um corpo laboral muito extenso a trabalhar para o mesmo propósito, que é o de receber 70 a 80 mil pessoas num evento pontual”, refere.

Criar condições adaptadas para todos os públicos é uma das bandeiras do RiR, desde a criação de projetos de acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida, a mecanismos de áudio-descrição, infraestruturas de apoio a deficientes visuais ou espaço para intérpretes de língua gestual nos ecrãs gigantes, “queremos perceber onde estão as pessoas que querem vir ao festival, compreender as limitações de cada grupo e construir um plano de apoio, adaptar o acesso e a comunicação a essa audiência”.

Segundo Gabriela, para o RiR é igualmente importante que os grupos LGBTQIA+ e as minorias étnicas se sintam seguras no espaço e parte integrante do evento, sendo que para tal são desenvolvidas medidas de prevenção para evitar casos de discriminação ou xenofobia. E se no Brasil a miscigenação é um lugar-comum, o que leva a uma maior sensibilidade nas decisões de alinhamento, procurando integrar artistas de diferentes origens, em Portugal Gabriela destaca outras questões como “a violência de género, a violência no namoro e problemas raciais” às quais é preciso dar resposta.

A palavra sustentabilidade banalizou-se em múltiplos discursos e inúmeros contextos, e atualmente serão poucas as empresas que não se assumam sustentáveis. Mas estarão mesmo as organizações empenhadas neste caminho, que é feito de pedras e onde a rentabilidade nem sempre é a esperada? Será mais retórica ou ação concreta?

Nathalie Ballan, fundadora e presidente da Sair da Casca, empresa pioneira na consultoria de sustentabilidade corporativa em Portugal, não vê como é que é possível uma empresa não integrar o conceito de sustentabilidade, porque todos os desafios ambientais, sociais, societais estão ligados à sustentabilidade.

Todavia, “ESG são critérios de avaliação quando queremos analisar os riscos e as problemáticas das empresas, é uma grelha de análise, ESG só por si não entusiasma ninguém”.

Ao longo destas três décadas a apoiar empresas na criação de práticas socialmente responsáveis, Nathalie concluiu que sustentabilidade é uma utopia inalcançável, preferindo a expressão “desenvolvimento sustentável” por dar ideia de caminhada, “algo muito mais interessante”.

E se considerarmos que desenvolvimento equivale a crescimento, num mundo finito com limites físicos e a previsão de uma população mundial de 9 mil milhões de pessoas em 2030, a responsável alerta: “tenho muitas dúvidas sobre a possibilidade desta equação, com certeza não conseguiremos reduzir o aquecimento climático se continuarmos a produzir a este ritmo e a crescer economicamente”.

O comportamento dos consumidores é outro ponto em causa: “temos de mudar o nosso mindset, o que dói é perceber que continuarmos a produzir muito e a consumir muito é incompatível com o combate às alterações climáticas, sendo que estas, além do planeta, estão a destruir as pessoas, as mais vulneráveis, como a população do chamado ´sul global´, os idosos, as mulheres, as crianças, os mais pobres”.

Alcançar um círculo virtuoso nesta temática exige uma ação concertada “as empresas estão a fazer a sua parte, mas têm de continuar a ser pressionadas pelos consumidores, o modo de vida dos países desenvolvidos tem de mudar”. Dados indicam que África representa 2% das emissões globais de gases de efeito de estufa, mas as suas populações são das mais afetadas pelos modos de consumo dos restantes continentes.

Nathalie corrobora e acrescenta “é verdade essa desproporção, no entanto, falamos de países que precisam de uma governação mais firme, menos corrupta, mais democrática, para que a ajuda que recebem seja mais bem utilizada e se aumente o grau de transparência”.

Sobre as preocupações dos novos negócios, quando hoje em dia alguém lança uma start-up já deve incluir no seu modelo de negócio as medidas de mitigação dos impactos ambientais, algo “difícil quando a empresa faz parte de um setor que já incorpora no seu negócio impactos negativos brutais, como o caso da cerâmica. Como tornar este negócio sustentável? Descarbonizar exige dinheiro e leva tempo”, explicita, concluindo que “é preciso falar dos negócios cuja pegada no ambiente é grande”.

A par de “sustentabilidade”, expressões como verde e ecológico têm sido intensa e sagazmente utilizadas pelo marketing, o que cria constrangimentos e zonas cinzentas, como o greenwashing. Como combater este fenómeno? Com certificação e mais transparência nas operações?

Para Pedro Diogo Vaz, country manager da Superbrands Portugal e Angola, “o que vale não é o que temos, é o que somos capazes de fazer com aquilo que temos, e muitas vezes as empresas seguem esse princípio, ‘o que é preciso é fazer, qual o impacto disso, logo se verá mais para a frente´ e nós, consumidores, ficamos sem saber se o que as empresas dizem é exatamente o que fazem ou não”.

Pedro Vaz sublinha que “não adianta, só porque está na moda falar de sustentabilidade, pôr algo em prática se depois a mensagem não é condizente com o que se faz todos os dias, as marcas têm de interiorizar isso”. O greenwashing tem que ver com o green messaging: “as mensagens têm de ser reais e priorizadas, temos de conseguir transparecer o que está a acontecer nos bastidores”.

Contudo, por mais que estas problemáticas nos digam respeito enquanto coletivo, acabam por depender das geografias, como assinala Pedro: “na perspetiva ambiental, no longo prazo, em muitos países africanos a sustentabilidade é um não tema, até porque o tema do humanismo se sobrepõe”.

Brasil, Portugal e África – Culturas em Sinergia

Depois de almoço, juntaram-se no mesmo palco Brasil, África e Portugal, três culturas unidas para discutir oportunidades de cooperação internacional e formas sinérgicas de desenvolvimento sustentável rumo a um futuro inovador.

Ana Borges, da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género e contribuidora ativa em iniciativas que promovem a igualdade e a inclusão das mulheres em todos os níveis da sociedade, fez uma retrospetiva sobre os direitos da mulher e a evolução do seu papel nas últimas décadas, ressalvando que “em termos legislativos houve grandes avanços, mas as conquistas ainda não estão feitas.

As mulheres continuam a assegurar tarefas de trabalho produtivo não remunerado e planeamento, além do cuidado com os descendentes. As mulheres são figuras de sustentabilidade”, alega. Na mesma data em que se assinala o Dia Internacional de Erradicação da Pobreza, Ana relembra que “as mulheres são as principais vítimas de crime organizado e são também as principais vítimas de pobreza”.

Maria Rita Spina Bueno, delegada da W20 Brasil, com larga experiência em tornar acessível às mulheres o capital de que estas necessitam para fundar e/ou alavancar os seus negócios, partilhou as recomendações do G20, no ano em que este fórum é presidido pelo Brasil, na concretização de ações que visam alcançar compromissos para a igualdade de género sob a forma de: empoderamento económico das mulheres através da obtenção de crédito bancário (e dados dos EUA indicam que as mulheres em start-ups trazem um retorno sobre o investimento maior do que o dos homens); investir na educação em STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) para mulheres em todos os níveis de ensino e promover lideranças femininas nestas áreas; reconhecer, mensurar e valorizar o trabalho da mulher enquanto cuidadora com políticas justas de emprego remunerado; combater a violência contra mulheres e meninas, ajustando políticas e programas educacionais que mudem as normas de género prejudiciais a mulheres, além de analisar e divulgar dados nacionais oficiais sobre este tema e de encontrar fontes de financiamento para a criação de serviços de prevenção, proteção e intervenção precoce.

Por último, a justiça climática, “já não se trata de salvar [só] o planeta, falamos de salvar o habitat e a própria humanidade, as mulheres são das que mais sofrem, e apesar de serem das mais afetadas são também as que mais trabalham para recuperar a vida de todos, é um trabalho invisível”, reforça Maria Rita.

Neste ponto, as diretrizes do G20 são igualmente complexas, mas imprescindíveis, “a começar, uma representação equitativa das mulheres como tomadoras de decisão e negociadoras na COP – Conferência das Partes, das Nações Unidas, depois, uma abordagem responsiva ao género em todas as políticas sobre mudanças climáticas, e integrar uma perspetiva de género na redução e gestão de riscos e desastres.

Elisangela, a moderadora do painel, questiona sobre qual o timing para equalizarmos a conta das profundas desigualdades de género que ainda se verificam, com o acesso a ser vedado ou dificultado às mulheres em várias frentes.

Maria Rita não nega que o dinheiro move o mundo e que esse é um ponto de viragem: “o dinheiro não flui para as mulheres também por uma questão cultural. Só consigo mudar a mentalidade das empresas e das entidades bancárias com dados concretos. Já diz o ditado, ‘entre mudar o mundo ou ficar com o dinheiro, fique com os dois!’”. E mudar a perspetiva passa, de igual modo, na visão de Maria Rita “por fazer entender aos homens que isto não é um braço de ferro, uma teima, são medidas e mudanças que tornam o mundo melhor, mais interessante para todas as pessoas, de todos os géneros, cores e etnias”, finaliza.

O ativismo social tem pontuado o trabalho de Diogo Vieira da Silva, responsável pelos Impact Centers da Porto Business School, novos hubs estratégicos especializados nas áreas-chave de sustentabilidade turismo, empreendedorismo, inteligência artificial e desenvolvimento cross-continental de África.

Com experiência em marketing, liderança e negócios, Diogo começa por elencar aqueles que, à luz de um mundo não inclusivo, são os seus privilégios: ser português, ser branco e ser homem, prosseguindo, “quando falamos de diversidade, inclusão, estamos a falar de poder, é isso que está em causa. De poderes que existem, estão instalados, nos retiram oportunidades e nos impedem de sermos quem somos. A transformação assenta num tripé: mudança legal, mudança social e mudança económica, se falhar um destes três não há a emancipação dos grupos”.

Fruto dos seus “momentos de vida”, como partilhou, Diogo já criou 4 organizações não governamentais, a primeira para apoiar vítimas de discriminação, a segunda dedicada a jovens LGBTQIA+ e a um storytelling positivo sobre si próprios e quem são; mais tarde a associação de comércio e turismo “Variações”, que promove Portugal como destino turístico de referência para estas comunidades, e por último, a organização local do Porto Pride.

Diogo confessa não saber o que é “ser discriminado pela cor da pele ou o género, pela origem ou pelo sotaque”, mas “sei o que é ser discriminado por não esconder a minha orientação sexual, e quando me dizem para não fazer disso bandeira, respondo que a minha existência já é uma bandeira”. Com pragmatismo, refere que “Portugal sempre cresceu e sempre melhorou quando o multiculturalismo foi valorizado, e a inovação vem da capacidade de confrontarmos ideias, tendo em mente que confronto não é conflito”.

Eliana Medeiros, vice-Presidente da Comissão Executiva da CE-CPLP encerrou o painel falando do espaço que ocupa e do uso que faz da sua voz enquanto mulher “orgulhosamente portuguesa”. Considera que especialmente as minorias têm de encarar a educação como o trampolim que lhes vai permitir posicionarem-se: “é na educação que se ganha força, a mudança precisa de tempo, mas só assim é possível fazer a diferença, com uma voz ativa”.

Uma das barreiras está nas lutas diárias que muitas comunidades, minorias de classes sociais mais baixas, têm de enfrentar. Quando se luta pela sobrevivência é mais difícil, reconhece, pois para que a mudança aconteça, a partir de um gesto intencional, é preciso refletir e “para refletir tenho de parar para pensar que preciso de refletir”.

Não obstante a educação ser a chave e de estar provado que países e empresas com maior diversidade avançam mais, “vai haver sempre relutância, ninguém que está no poder vai cedê-lo de forma gratuita, é antinatural”. A estratégia de Eliana passa por se sair do lugar da vítima, “não ficar a pensar ‘que triste é ser negro ou que triste é ser mulher’”, compreender o sistema e adaptar-se a ele, percebendo como tirar partido das normas vigentes e abrir portas. Sem esquecer quem ficou para trás: “é comum, quando alguém, vindo de uma minoria, atinge certo patamar, adaptar-se a esse conforto, às oportunidades e aos privilégios e esquecer-se de onde veio e de quem lá ficou. É um erro. Temos de ser a porta para os outros”.

As mulheres, grupo estruturalmente marginalizado, são também quem, por norma, mais se debate com problemas de saúde mental, o que acaba por tornar os obstáculos mais pesados, “pois se não estamos bem mentalmente não estamos em plena posse do nosso poder para defendermos o lugar que queremos e merecemos ocupar”. E o facto de “em média, trabalharmos mais 41 dias por ano do que os homens, muitas vezes em tarefas não remuneradas”, não contribui para a mudança de paradigma.

Com a palavra “educação” viva no seu discurso, Eliana remata: “a comunicação, quando bem-feita, torna-nos universais, independentemente da nossa cor”.

Antes do encerramento, Carla Visi, cantora, jornalista, gestora ambiental e doutoranda em Ecologia Humana, apresentou o seu trabalho usando a música como meio e mensagem. O movimento “Artevismo” encontra na canção, especialmente do reportório brasileiro, um caminho de reflexão e um instrumento de emancipação para a sustentabilidade.

 





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