Corais mediterrâneos podem estar comprometidos para sempre



Tendo como base uma mega experiência no mar e em laboratório decorrida ao longo dos últimos 10
anos, o mais recente estudo do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto (CIIMAR-UP) em colaboração com o Instituto de ciências Marinhas (ICMCSIC) em Barcelona prevê que os corais mediterrâneos as comunidades deles dependentes possam estar definitivamente comprometidos.

Os eventos climáticos extremos, como é o caso das ondas de calor marinhas, constituem uma forte ameaça para a biodiversidade dos ecossistemas marinhos, entre eles os jardins de coral Mediterrânicos que agregam uma enorme quantidade de organismos.

No entanto, ainda pouco se conhece sobre a forma como os corais respondem à recorrência destes eventos, o que compromete a eficiência as ações de conservação e restauro.

A maioria dos estudos existentes focam-se em eventos de ondas de calor únicos e apenas permitem
compreender os efeitos e reações momentâneas das espécies em questão. Por este motivo não são capazes de captar padrões de adaptabilidade, que seja devido a genética ou a plasticidade fenotípica, das populações para o cenário de eventos recorrentes, colocando em causa as previsões sobre o seu efeito real e cumulativo na biodiversidade.

No entanto, a compreensão desta adaptabilidade é uma questão fundamental, uma vez que os eventos de ondas de calor marinhas se têm tornado cada vez mais frequentes no Mediterrâneo, com as temperaturas que rondaram os 30º Celcius em superfície em 2024.

Um estudo multi-eventos em laboratório e in situ

O estudo “Recurrent extreme climatic events are driving gorgonian populations to local extinction: low
adaptive potential to marine heatwaves” que envolveu o investigador Jean-Baptiste Ledoux do grupo de
genómica evolutiva e bioinformática do CIIMAR, acompanhou e reproduziu em laboratório os efeitos dos eventos de ondas de calor marinhas para avaliar a resposta das colónias da espécie de gorgónia-vermelha Paramuricea clavata (P. clavata).

O objetivo foi tentar compreender como varia a sua resposta ao stress térmico repetitivo, assim como os fatores que mais a influenciam essa variabilidade. Segundo os dois autores, Jean-Baptiste Ledoux e Joaquim Garrabou, do Institut de Ciències del Mar, citados em comunicado, “o nosso estudo combinou experiências em aquários repetidas durante três anos e realizadas com as mesmas colónias para replicar o efeito da recorrência dos eventos climáticos extremos no mar.”

Resultados desoladores

A percentagem de necrose nas amostras foi medida como um indicador das respostas desta espécie de coral ao stress térmico. Enquanto em 2015 e 2016 as percentagens de necrose foram inferiores a 60%, em 2017 observou-se um aumento significativo da mortalidade, com quase todas as colónias desaparecidas.

“Como foram usados os mesmos indivíduos de três populações e exatamente as mesmas condições
experimentais de stress durante os três ensaios, podemos concluir que a componente ambiental, ou seja, as temperaturas do mar durante o verão, foi o principal fator subjacente às respostas destas colónias” explica Sandra Ramirez-Calero estudante de doutoramento da Universidade de Barcelona e primeira autora do estudo. Os resultados demonstram que as respostas ecológicas, ou seja, a resistência ao stress térmico, não estão relacionadas com a composição genética da população e que todos os indivíduos têm uma alta sensibilidade ambiental com pouca capacidade de adaptação. Estes resultados experimentais foram concordantes com a monitorização desta espécie no mar, após as duas ondas de calor marinhas em 2018 e em 2022. Isto permite concluir que as populações de P. clavata possuem capacidades adaptativas muito limitadas para os eventos climáticos extremos e recorrentes, nomeadamente os eventos de ondas de calor marinhas.

“Tanto as experiências como os levantamentos de campo aqui efetuados sustentam um potencial
de adaptabilidade limitado, quer baseado na componente genética quer na componente plástica”, indica
Jean-Baptiste.

Esta resposta adaptativa baixa ou inexistente, combinada com uma elevada sensibilidade ambiental e uma potencial intensificação dos eventos de ondas de calor marinhas, leva a crer que esta espécie criadora de habitat deverá enfrentar um colapso populacional inevitável nas águas rasas do Mediterrâneo.

“Tendo em conta a recorrência de eventos climáticos extremos, os nossos resultados apontam para um potencial colapso de muitas das populações pouco profundas de P. clavata”, explica Joaquim Garrabou co-autor do artigo publicado na revista Global Change Biology.

“Infelizmente, este estudo é mais um exemplo do fraco potencial de adaptação dos corais mediterrânicos às ondas de calor marinhas ligadas às alterações climáticas antropogénicas” reforça Jean-Baptiste Ledoux.

O que é que acontece aos ecossistemas?

Os corais, assim como as esponjas, são espécies formadoras de habitat. Tal como as árvores numa floresta, quando existem, são albergue para uma quantidade considerável de muitas outras espécies e são a base destes habitats.

Como resultado das ondas de calor marinhas, haverá uma mudança dos limites de distribuição desta espécie que será incapaz de ocupar ambientes com temperaturas superiores ao que podem suportar. O colapso destas espécies trará, consequentemente, uma alteração profunda dos ecossistemas onde ela deixará de existir com uma diminuição drástica da biodiversidade e falhas nas funções e serviços ecossistémicos.

Porém, os investigadores não desistem de lutar a favor da conservação: “Temos de trabalhar nas causas das alterações climáticas antropogénicas, o que significa uma ação imediata sobre as emissões de gases com efeito de estufa, se quisermos proteger estas espécies e as comunidades associadas” justifica Jean Baptiste.





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