Aquecimento pode levar ao colapso de populações antes de ser um problema para os indivíduos

Temperaturas mais elevadas podem levar a uma maior competição entre indivíduos de uma mesma população por recursos cada vez mais limitados, mesmo que os organismos, a nível individual, possam dar-se bem nessas condições ambientais mais duras.
A conclusão é de uma investigação da Rice University, nos Estados Unidos da América, que, segundo os cientistas envolvidos, revela “uma ligação crítica entre o aumento das temperaturas e os declínios na população de uma espécie”, alterando as dinâmicas internas de um grupo populacional e podendo levar ao seu colapso.
“A nossa investigação fornece uma peça central que faltava na compreensão dos efeitos mais vastos do aquecimento nas populações naturais”, afirma, em comunicado, Volker Rudolf, um dos principais autores do artigo publicado esta semana na revista ‘Ecology’.
“Mesmo quando organismos individuais parecem prosperar a temperaturas mais elevadas, a população, como um todo, pode ainda sofrer à medida que a competição por recursos se intensifica”, acrescenta.
Para perceberem essa ligação entre temperaturas mais elevadas e dinâmicas populacionais, os investigadores viraram-se para um pequeno crustáceo, do grupo do zooplâncton, da espécie Daphnia pulex. Apesar do tamanho diminuto, este animal é uma parte fundamental das teias alimentares em ecossistemas de água doce, servindo de alimento a várias espécies maiores, e desempenha um papel importante na manutenção da qualidade da água, por se alimentar das partículas em suspensão.

Foto: Rice University
Em laboratório, a equipa colocou indivíduos D. pulex em contentores com água e foi alterando a temperatura e a densidade da população para perceber os efeitos. E os resultados, segundo os investigadores, “foram tanto fascinantes como preocupantes”.
À medida que a temperatura da água aumentava, também a competição entre os pequenos D. pulex por partículas em suspensão se tornava mais intensa. Inicialmente, a temperaturas mais baixas mas em crescendo, o número de indivíduos aumentou, ao acelerar o metabolismo e propiciar a reprodução.
No entanto, com o aumento contínuo da temperatura, a competição entre os indivíduos atingiu um ponto de rutura, com uma queda acentuada do número de indivíduos. Isto, apesar de os organismos, individualmente, continuarem a tolerar bem a água mais quente.
“À medida que as temperaturas subiam em direção ao limite fisiológico destas populações, o aumento da competição começou a ultrapassar esses benefícios metabólicos e levou ao declínio da população”, explica Lillie Stockseth, primeira autora do artigo.
Para a investigadora, os resultados deste trabalho devem ser encarados como um sinal de alerta “para os ecossistemas que enfrentam o aumento das temperaturas”, uma vez que “as populações podem aproximar-se do declínio a temperaturas menos severas do que pensávamos”.
Os investigadores argumentam que a investigação vem desafiar a ideia de que temperaturas mais elevadas beneficiam os organismos ectotérmicos – que não conseguem produzir calor e dependem da temperatura exterior, como peixes, répteis e anfíbios – ao acelerar o seu metabolismo e promover a reprodução.
Mesmo que isso aconteça, a competição entre os indivíduos pelos mesmos recursos, ou por menos até, ameaçará a sobrevivência dessas populações, muito antes de a temperatura se tornar um perigo crítico e direto para os indivíduos propriamente ditos.
“As nossas descobertas sugerem que muitas espécies poderão enfrentar rápidos declínios populacionais muito antes de atingirem os seus limites de tolerância térmica”, resume Zoey Neale, a outra coautora.
“Isto tem grandes implicações para a conservação, pois significa que os colapsos populacionais causados pela temperatura podem ocorrer em limiares de aquecimento mais baixos do que esperado e podem afetar espécies que se pensava serem resilientes às alterações térmicas”, salienta.