Movimento da água nas superfícies produz mais carga elétrica do que o esperado

Investigadores da RMIT University e da University of Melbourne descobriram que a água gera uma carga elétrica até 10 vezes maior do que se pensava quando se desloca sobre uma superfície.
A equipa, liderada por Joe Berry ,Peter Sherrell e Amanda Ellis, observou que, quando uma gota de água ficava presa numa pequena saliência ou num ponto áspero, a força aumentava até “saltar ou escorregar” para além de um obstáculo, criando uma carga irreversível que não tinha sido registada anteriormente.
A nova compreensão deste movimento “stick-slip” da água sobre uma superfície abre caminho para a conceção de superfícies com eletrificação controlada, com aplicações potenciais que vão desde a melhoria da segurança em sistemas de retenção de combustível até ao aumento das taxas de armazenamento e carregamento de energia.
“A maioria das pessoas observaria que a água da chuva escorre por uma janela ou pelo para-brisas de um carro de forma desordenada, mas não saberia que gera uma pequena carga elétrica”, diz Sherrell, cuja investigação na Escola de Ciências da RMIT é especializada na captação e utilização da energia ambiente.
“Anteriormente, os cientistas entendiam este fenómeno como ocorrendo quando o líquido deixa uma superfície, que passa de húmida a seca”, adianta.
“Neste trabalho, mostrámos que a carga pode ser criada quando o líquido entra em contacto com a superfície, quando passa de seco a húmido, e é 10 vezes mais forte do que a carga de húmido para seco”, revela.
“O importante é que esta carga não desaparece. A nossa investigação não identificou exatamente onde reside esta carga, mas mostra claramente que é gerada na interface e é provavelmente retida na gota à medida que se move sobre a superfície”, sublinha.
Segundo Berry, um choque elétrico dentro de um contentor de combustível com líquidos inflamáveis pode ser perigoso, pelo que a carga acumulada numa superfície sólida tem de ser descarregada em segurança depois de o líquido ter passado.
“Compreender como e porquê se gera carga elétrica durante o fluxo de líquidos sobre superfícies é importante à medida que começamos a adotar os novos combustíveis inflamáveis renováveis necessários para uma transição para o zero líquido”, diz Berry, que é especialista em dinâmica de fluidos do Departamento de Engenharia Química da Universidade de Melbourne.
“Atualmente, com os combustíveis existentes, a acumulação de carga é reduzida através da restrição do fluxo, utilizando aditivos ou outras medidas, que podem não ser eficazes nos combustíveis mais recentes. Este conhecimento pode ajudar-nos a conceber revestimentos que possam atenuar a carga nos novos combustíveis”, acrescenta.
A equipa investigou este efeito de carga com água e com o material utilizado no Teflon, o politetrafluoroetileno (PTFE), neste estudo, publicado na Physical Review Letters.
O teflon é um tipo de plástico normalmente utilizado em tubos e outros materiais de manuseamento de fluidos, mas não conduz eletricidade, o que significa que a carga gerada não pode ser removida de forma segura ou fácil.
Como a equipa conduziu a investigação
A equipa mediu a carga elétrica e as áreas de contacto criadas pelas gotas de água que se espalham e contraem numa placa plana de Teflon – simulando efetivamente o movimento das gotas sobre a superfície.
A equipa utilizou uma câmara especializada para captar imagens individuais de gotículas a aderir e a escorregar, sendo a alteração da carga medida simultaneamente.
“Tivemos a sorte de ter três fantásticos estudantes de Mestrado em Engenharia Química a ajudar a montar e a realizar as nossas experiências como parte do seu curso aqui na Universidade de Melbourne”, afirma Berry.
Resultados da investigação
Shuaijia Chen, primeiro autor e estudante de doutoramento da Universidade de Melbourne, afirmou que a primeira vez que a água tocou na superfície criou a maior alteração na carga, de 0 para 4,1 nanocoulombs (nC).
A carga oscilou entre cerca de 3,2 e 4,1 nC à medida que a interação água-superfície alternava entre as fases húmida e seca.
“Para colocar as coisas em perspetiva, a quantidade de carga elétrica que a água produziu ao mover-se sobre a superfície do PTFE foi mais de um milhão de vezes menor do que o choque estático que se pode receber de alguém que salta ao nosso lado num trampolim”, explica Chen.
“Essa quantidade de carga pode parecer insignificante, mas essa descoberta pode levar a inovações que podem aumentar ou inibir a carga criada nas interações líquido-superfície em uma variedade de aplicações do mundo real”, aponta.
Próximas etapas
A equipa afirma que o impacto desta investigação depende do desenvolvimento de tecnologias comerciais com potenciais parceiros industriais.
Os investigadores planeiam investigar o fenómeno stick-slip com outros tipos de líquidos e superfícies.
“A quantidade e a taxa de carga noutras interações entre líquidos e materiais de superfície podem ser relevantes para uma série de potenciais aplicações comerciais”, afirma Sherrell.
“Tencionamos estudar em que medida o movimento stick-slip pode afetar a segurança da conceção de sistemas de manuseamento de fluidos, tais como os utilizados para armazenar e transportar amoníaco e hidrogénio, bem como métodos para recuperar eletricidade e acelerar o carregamento a partir do movimento de líquidos em dispositivos de armazenamento de energia”, conclui.
O artigo ‘Irreversible charging caused by energy dissipation from depinning of droplets on polymer surfaces’ foi publicado na Physical Review Letters.
Veja aqui um vídeo sobre a descoberta do carregamento de água.