“Troféus digitais”: Cientistas usam redes sociais para avaliar crimes contra a vida selvagem no Líbano



Um grupo de especialistas usou as redes sociais para avaliar o nível de abates ilegais de aves protegidas por lei no Líbano, no que dizem ser um estudo inédito.

Liderada por investigadores do Comité Contra o Abate de Aves, uma organização não-governamental libanesa que combate a caça ilegal de aves, a investigação assentou na análise detalhada de mais de 1.800 fotografias de aves abatidas por caçadores no Líbano e publicadas entre 2011 e 2023 em plataformas online como o Facebook e o Instagram.

Por serem registos fotográficos que pretendem enaltecer o feito, os investigadores deram-lhes o nome de “troféus digitais”, dizendo, num artigo publicado na revista ‘Oryx’, que os caçadores “posavam entusiasticamente com os seus troféus ilegais, muitas vezes sem fazerem qualquer tentativa para esconderem a sua identidade”.

O estudo do material fotográfico revelou 29.542 aves individuais abatidas, pertencentes a 212 espécies. Cento e noventa e nove (cerca de 94%) eram espécies atualmente protegidas ao abrigo da lei libanesa, das quais 19 eram espécies de aves que estão na Lista Vermelha das Espécies Ameaçadas, da União Internacional para a Conservação da Natureza, como o abutre-do-egito (Neophron percnopterus), a abetarda (Otis tarda) e a águia-das-estepes (Aquila nipalensis), classificadas como “Em Perigo” a nível global.

Outras seis espécies têm estatuto “Vulnerável” e outras 10 estão na categoria de “Quase Ameaçada”.

Em comunicado, o Comité Contra o Abate de Aves informa que 33% das espécies abatidas identificadas nas fotografias estão em declínio populacional na Europa, o que, segundo a organização, salienta “o impacto que a caça ilegal está a ter nessas espécies migradoras”.

Embora os caçadores ilegais tenham várias espécies de aves como alvo, os especialistas dizem que as aves de rapina são “desproporcionalmente afetadas”, com 35 espécies identificadas nas imagens online, incluindo “grandes números” de búteos-vespeiros (Pernis apivorus) e de gaviões-da-europa (Accipiter nisus). Esses últimos são uma das espécies de rapinas que mais aparecem nas fotografias divulgadas nas redes sociais de caçadores libaneses.

A fotografias revelam também outras espécies de aves de grande porte, como cegonhas, pelicanos e grous, “e por vezes centenas de aves mortas estavam empilhadas numa única fotografia”, diz a mesma organização.

André Raine, primeiro autor do artigo, confessa que “muitas destas imagens são verdadeiramente chocantes e ficámos horrorizados com o que observámos, tendo muitas vezes dificuldade em olhar para as fotografias, uma vez que frequentemente mostravam elementos de extrema crueldade e tortura exibidos sem remorsos”.

Os investigadores partilharam muitas das fotografias com as autoridades libanesas responsáveis pela regulação da caça, mas Raine lamenta que “infelizmente não temos visto muitas ações concretas contra os culpados”.

No artigo, os autores escrevem que os resultados da investigação deixam claro que é ainda necessário “um trabalho exaustivo” para proteger as aves no Líbano contra a caça ilegal, um país particularmente importante para as espécies migradoras, pois é aí que ocorre um estreitamento da secção oriental do corredor migratório entre a Europa e África, onde muitas aves se concentram, tornando-se mais vulneráveis ao abate clandestino.






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