Mais de 100 mil turistas anuais na Antártida agravam impactos em região vulnerável

Mais de 100.000 turistas visitam anualmente a Antártida, aumentando impactos ambientais numa região que já é das mais vulneráveis às alterações climáticas, alertou a diretora executiva da coligação ontem distinguida pelo prémio Gulbenkian para a Humanidade 2025.
Em entrevista à Lusa, Claire Christian, diretora executiva da Coligação para a Antártida e o Oceano do Sul (ASOC, na sigla original em inglês), explicou que “o turismo na Antártida já existe há algum tempo”, mas nos últimos anos já ultrapassa as 100.000 pessoas e a pressão faz-se sentir.
“Pode não parecer muito, mas estamos a falar de ecossistemas muito sensíveis e esse afluxo de pessoas acontece em zonas muito limitadas, concentradas sobretudo na península antártica (no noroeste do continente), e também nas pequenas áreas livres de gelo, que representam apenas 2% da área total”, disse.
Para a diretora-executiva da ASOC, trata-se de “um número apreciável de pessoas numa área muito pequena num continente onde não é suposto haver pessoas”, o que “já está a ter impacto”.
A Antártida é considerada um centro de alerta sobre os impactos das alterações climáticas e da atividade humana em ecossistemas sensíveis.
Apesar de remotos e das condições extremas, o continente antártico e o Oceano do Sul são das regiões da Terra mais vulneráveis às alterações climáticas – com registo de anomalias de temperatura extremas, perda acelerada de gelo marinho e com partes da Antártida a registarem taxas de aquecimento mais de duas vezes superiores à média global – e com cada vez mais impactos derivados da atividade humana, como a poluição gerada pelo crescente tráfego marítimo associado à pesca e ao turismo.
A diretora executiva da ASOC adiantou que já há estudos científicos que concluem que o chamado ‘carbono negro’ (as partículas emitidas pelas chaminés dos navios) produzido pelo tráfego marítimo na Antártica já atingiu níveis mensuráveis e que tem o efeito imediato de promover o degelo, quando essa ‘fuligem’ é depositada sobre a neve e o gelo.
A Antártida concentra cerca de 90% de todo o gelo terrestre e cerca de 70% de toda a água doce, enquanto o Oceano do Sul gera as correntes marinhas mais poderosas, que fazem circular as águas do oceano global, regulando a temperatura do planeta e distribuindo nutrientes que sustentam uma biodiversidade que forma a base de toda a cadeia alimentar marinha.
A proteção da Antártida exige trabalho científico para promover a vontade política e Claire Christian defendeu que “é necessária mais ciência e não menos” ao comentar as orientações do Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de reduzir financiamento de instituições científicas.
“Estamos a falar de trabalho que pode, por exemplo, contribuir para compreender melhor os mecanismos do clima e a perturbação desses mecanismos e a compreender como inundações como as que afetam agora o Texas (e também a China e a Europa) acontecem. Teremos menos informação sobre esses fenómenos se a ciência tiver cortes de financiamento substanciais”, alertou a diretora executiva da ASOC, cujo financiamento não depende de fundos governamentais.
Claire Christian termina com uma “declaração de amor” pelo continente para cuja proteção trabalha.
“Acho que nunca conseguiria ficar farta de observar pinguins, simplesmente vê-los andar de um lado para o outro, a incubar os ovos, a alimentar as crias. A Antártida é verdadeiramente um lugar especial”.