Via Láctea poderá estar repleta de mais galáxias satélite do que se pensava



De acordo com uma nova investigação, a Via Láctea poderá ter muito mais galáxias satélite do que os cientistas conseguiram prever ou observar até agora.

Cosmólogos da Universidade de Durham, no Reino Unido, utilizaram uma nova técnica que combina as simulações de supercomputador de mais alta resolução que existem, juntamente com novos modelos matemáticos, prevendo a existência de galáxias “órfãs” em falta.

As suas descobertas sugerem que devem existir mais 80 ou talvez 100 galáxias satélite em torno da nossa galáxia natal, orbitando a distâncias próximas.

Se estas galáxias forem observadas pelos telescópios, poderão constituir um forte apoio à teoria da Matéria Escura Fria Lambda (LCDM), que explica a estrutura em grande escala do Universo e a forma como as galáxias se formam.

Esta investigação em curso está a ser apresenta no Encontro Nacional de Astronomia da Royal Astronomical Society, que se realiza na Universidade de Durham.

A investigação liderada por Durham baseia-se no modelo LCDM em que a matéria comum sob a forma de átomos representa apenas 5% do conteúdo total do Universo, 25% é matéria escura fria (CDM) e os restantes 70% são energia escura.

Neste modelo, as galáxias formam-se no centro de aglomerados gigantescos de matéria escura chamados halos. A maior parte das galáxias do Universo são galáxias anãs de baixa massa, a maioria das quais são satélites que orbitam em torno de uma galáxia mais maciça, como a nossa Via Láctea.

A existência destes objectos enigmáticos há muito que coloca desafios ao MCDL – também conhecido como modelo padrão da cosmologia. De acordo com a teoria LCDM, deveriam existir muito mais galáxias companheiras da Via Láctea do que as simulações cosmológicas produziram até agora ou do que os astrónomos conseguiram ver.

A nova investigação mostra que os satélites que faltam na Via Láctea são galáxias extremamente ténues, despojadas quase totalmente dos seus halos de matéria escura pela gravidade do halo da Via Láctea. Estas galáxias, ditas “órfãs”, perdem-se na maioria das simulações, mas deveriam ter sobrevivido no Universo real.

Usando a sua nova técnica, os investigadores de Durham conseguiram seguir a abundância, distribuição e propriedades destas galáxias órfãs da Via Láctea – mostrando que muitos mais satélites da Via Láctea devem existir e ser observáveis atualmente. Espera-se que novos avanços em telescópios e instrumentos como a câmara LSST do Observatório Rubin (que viu recentemente a sua primeira luz), deem aos astrónomos a capacidade de detetar estes objetos muito ténues, trazendo-os à nossa vista pela primeira vez.

A investigadora principal, Isabel Santos-Santos, do Instituto de Cosmologia Computacional do Departamento de Física da Universidade de Durham, afirma que “Sabemos que a Via Láctea tem cerca de 60 galáxias satélites companheiras confirmadas, mas pensamos que deve haver mais dezenas destas galáxias ténues a orbitar em torno da Via Láctea a distâncias próximas.

“Se as nossas previsões estiverem corretas, isso reforça a teoria Lambda Cold Dark Matter sobre a formação e evolução da estrutura do Universo”, explica.

“Os astrónomos observacionais estão a usar as nossas previsões como referência para comparar os novos dados que estão a obter”, adianta.

“Um dia, em breve, poderemos ver estas galáxias ‘desaparecidas’, o que seria extremamente excitante e poderia dizer-nos mais sobre a forma como o Universo surgiu tal como o vemos hoje”, aponta.

O conceito de LCDM é a pedra angular da nossa compreensão do Universo. Conduziu ao Modelo Padrão da Cosmologia e é o modelo mais amplamente aceite para descrever a evolução e a estrutura do Universo em grandes escalas.

O modelo passou em vários testes, mas foi recentemente posto em causa por dados observacionais intrigantes sobre galáxias anãs.

Os investigadores de Durham afirmam que mesmo as melhores simulações cosmológicas existentes (que incluem gás e formação estelar, para além da matéria escura) não têm a resolução necessária para estudar galáxias tão ténues como as que os astrónomos começam a descobrir perto da Via Láctea.

Estas simulações também não têm a precisão necessária para seguir a evolução dos pequenos halos de matéria escura que acolhem as galáxias anãs à medida que estas orbitam em torno da Via Láctea ao longo de milhares de milhões de anos.

Isto leva à rutura artificial de alguns halos, deixando as galáxias “órfãs”. Embora as simulações percam os halos das galáxias “órfãs”, essas galáxias devem sobreviver no Universo real.

Os investigadores de Durham combinaram simulações cosmológicas em supercomputador com modelos analíticos para ultrapassar estes problemas numéricos.

Isto incluiu a simulação Aquarius, produzida pelo Consórcio Virgo. Aquarius é a simulação de mais alta resolução de um halo de matéria escura da Via Láctea alguma vez criada e é utilizada para compreender a estrutura de escala fina prevista em torno da Via Láctea.

Incluiu também o modelo GALFORM, um código de ponta desenvolvido em Durham nas últimas duas décadas que segue os processos físicos pormenorizados responsáveis pela formação e evolução das galáxias.

Os seus resultados mostraram que halos de matéria escura, que podem albergar uma galáxia satélite, têm estado a orbitar em torno do halo central da Via Láctea durante a maior parte da idade do Universo, levando à perda da sua matéria escura e massa estelar e tornando-as extremamente pequenas e ténues.

Como resultado, a investigação prevê que o número total de galáxias satélite – de qualquer brilho – que provavelmente existirá em torno da Via Láctea é de cerca de 80 ou potencialmente até 100 mais do que o atualmente conhecido.

A investigação dá especial ênfase às cerca de 30 minúsculas galáxias candidatas a satélites da Via Láctea recentemente descobertas, que são extremamente ténues e pequenas.

Os cientistas não sabem ao certo se se trata de galáxias anãs inseridas num halo de matéria escura ou de aglomerados globulares, coleções de estrelas que se auto-gravitam.

Os investigadores de Durham argumentam que estes objetos podem ser um subconjunto da população ténue de galáxias satélite que preveem existir.

O Professor Carlos Frenk, do Instituto de Cosmologia Computacional, do Departamento de Física da Universidade de Durham, afirma: “Se a população de satélites muito ténues que estamos a prever for descoberta com novos dados, será um êxito notável da teoria LCDM da formação de galáxias”.

“Seria também uma ilustração clara do poder da física e da matemática. Utilizando as leis da física, resolvidas através de um grande supercomputador, e a modelação matemática, podemos fazer previsões precisas que os astrónomos, equipados com novos e poderosos telescópios, podem testar. Não há nada melhor do que isto”, acrescenta.

 






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