A COP serve para alguma coisa?
Por Filipe Ferreira, investigador na Meliore Foundation e na Zero Carbon Analytics
Quando digo a alguém que trabalho em clima, as reações raramente me surpreendem. Muitas vezes, surge um interesse genuíno, noutras, um desdém tão subtil quanto previsível. E há sempre aquele instante constrangedor quando descubro que, do outro lado, o seu ganha-pão depende da indústria fóssil.
As perguntas surgem como um relógio: “Mas as alterações climáticas são mesmo verdade?” ou “O quão lixados estamos?” As respostas surgem-me instantaneamente, ensaiadas vezes sem conta. Mas, de vez em quando, surge aquela que me desarma:
“E a COP? Serve realmente para alguma coisa?”
Depende.
Nos últimos anos, a resposta tornou-se um exercício difícil. Testemunhamos a realização das COPs em países profundamente ligados aos combustíveis fósseis – Azerbaijão, Egito e Emirados Árabes Unidos. Vimos a liderança destas conferências ser capturada por figuras proeminentes do setor do petróleo e gás, gerando conflitos de interesse flagrantes, com discussões subtilmente manobradas para não ameaçar o status quo.
Este ano, a esperança residia no Brasil. A COP30 autoproclamou-se o palco da “Verdade e da Implementação”, prometendo uma ruptura com as frustrações anteriormente mencionadas.
Infelizmente, a realidade em Belém foi outra. Entre confrontos de manifestantes, focos de incêndio a deflagrar como metáfora visual da crise e vários momentos de tensão que testaram relações diplomáticas, o resultado final foi mais do mesmo: um acordo medíocre arrancado a ferros e sem a ambição necessária.
A verdade nua e crua – aquela que a COP prometeu abraçar mas acabou por ignorar – é que o documento final encontra-se divorciado do imperativo científico. Para salvaguardar o grande sonho do Acordo de Paris – o objetivo de manter o aquecimento global abaixo dos 1,5°C -, seria necessário dobrar a curva global de emissões já em 2026, impondo cortes anuais de 5% a partir daí. A verdadeira “implementação” exigiria roteiros inequívocos para a eliminação gradual (phase-out) dos combustíveis fósseis. Não tivemos nem um, nem outro. O texto final, refém de melindres diplomáticos, nem nomeia a causa primária do problema: os combustíveis fósseis.
No rescaldo, a ONU apressou-se a celebrar como uma vitória o facto de o multilateralismo “continuar vivo”. Sejamos intelectualmente honestos: isto não é um triunfo, é a obrigação funcional mínima. Celebrar a mera sobrevivência do multilateralismo é confundir a manutenção de sinais vitais com saúde robusta. Na sua configuração atual, o multilateralismo da COP, onde a regra do consenso de 196 nações impera, transformou-se numa armadilha onde a humanidade é forçada a avançar à velocidade do seu navio mais lento.
No entanto, se tivermos a audácia de ignorar esta retórica de auto-congratulação e formos às margens do acordo principal, encontramos vitórias reais, ainda que fragmentadas. Uma dessas primeiras conquistas foi a Declaração sobre Integridade da Informação Climática, já subscrita por 12 nações, um passo crucial para combater a desinformação – um corrosivo que se tornou tão letal para a ação climática quanto o próprio carbono.
Assistimos também ao nascimento do Fundo “Florestas Tropicais para Sempre” (TFFF), uma arquitetura conceptual ambiciosa para remunerar a conservação, embora a sua estreia tenha colidido com a frieza dos números: dos 125 mil milhões de dólares necessários, apenas cerca de 6,6 mil milhões foram mobilizados, evidenciando o desfasamento tectónico que ainda persiste entre o sistema financeiro global e a realidade ecológica.
Mas o resultado mais luminoso das negociações deste ano, vem da iniciativa da Colômbia e dos Países Baixos. Exaustos da paralisia do consenso, estes países decidiram quebrar o cerco e avançar de forma autónoma. Apoiados por um grupo crescente de 22 nações, anunciaram um roteiro independente para o phase-out dos fósseis, convocando uma cimeira dedicada exclusivamente a este tema para abril de 2026. A ação destes dois Estados têm o potencial de alterar as regras do jogo.
Ao criar um bloco de “coligação de vontades” fora do processo oficial, retira-se o poder de veto aos petro-estados, abrindo caminho para futuros acordos comerciais que penalizam quem recusa a transição.
Não defendo a irrelevância da COP – a sua existência como fórum global é fundamental -, mas a sua estrutura atual, qual circo mediático anual, revelou-se anacrónica e ineficaz. Comprimir a resolução da crise mais complexa da história humana em duas semanas de privação de sono, stress e negociações de bastidores transformou o evento numa caricatura de si mesmo. É imperativo reformar a COP e, como demonstra a iniciativa colombo-neerlandesa, o futuro deve passar por eventos descentralizados e estratégicos ao longo do ano, onde a implementação técnica se sobreponha finalmente ao teatro político.
O tempo escasseia e o desafio é monumental, mas possuímos todas as ferramentas necessárias, ainda que tenhamos de as usar à revelia do sistema oficial.
Por isso, a próxima vez que alguém me perguntar se a COP serve para alguma coisa, a minha resposta manter-se-á inalterada, mas a entoação será distinta. Depende. Depende da coragem de alguns em avançar sem esperar pelos retardatários.