À medida que o planeta aquece, as lebres vão adiando a mudança da cor do pêlo. E isso pode ser fatal



O aquecimento global, intensificado pelo efeito de estufa causado pelos gases poluentes gerados pelas atividades humanas, está a encurtar os períodos de neve nas regiões mais frias do planeta e isso pode ter consequências significativas para muitos dos animais que aí habitam.

Tal como outras criaturas que evoluíram por entre os mantos brancos de neve nos cantos mais remotos do pólo Norte da Terra, as lebres-americanas (Lepus americanus) alteram a cor da sua pelagem para melhor conseguirem ‘desaparecer’ no meio envolvente: durante a época mais quente, sem neve, apresentam uma pelagem de tons castanhos, mas durante o período mais frio, vestem-se de branco para se esconderem dos predadores nas paisagens nevadas.

Lebre-americana (Lepus americanus) com a pelagem branca de inverno.
Foto: Alice Kenney (coautora do artigo).

Mas há medida que a Terra aquece e os períodos de neve se vão tornando mais curtos, será que a lebre conseguirá adaptar-se a essas alterações ambientais e ajustar o seu ‘relógio interno’ para que a mudança da cor da pelagem coincida com as estações certas? Um grupo de investigadores procurou responder a esta pergunta ao estudar as lebres-americanas na região do Yukon, no Canadá.

Analisando 44 anos de registos sobre as L. americanus nesse território, cientistas dos Estados Unidos da América e do Canadá verificaram que as lebres estão a demorar mais tempo na transição da pelagem castanha para uma que seja totalmente branca. E avisam que isso pode ser fatal.

Durante as estações menos frias do ano, em que a paisagem não está coberta de neve, a lebre-americana (Lepus americanus) apresenta uma pelagem acastanhada para se confundir com o meio envolvente.
Foto: Alice Kenney (coautora do artigo).

Num artigo publicado na revista ‘Proceedings of the Royal Society B – Biological Sciences’, os cientistas argumentam que as lebres que no outono ainda apresentavam uma pelagem predominantemente castanha tinham menor probabilidade de sobreviver ao inverno.

“No que toca a mudar de castanho para branco (…) o timing é tudo”, afirma Madan Oli, docente do departamento de Ecologia e Conservação da Vida Selvagem da Universidade da Flórida, nos EUA, e principal autor do artigo.

“As lebres começam a mudar de cor com base em indicadores ambientais, como a temperatura ou a profundidade da neve, mas essa mudança não acontece da noite para o dia”, explica o investigador, indicando que o processo de muda pode durar até um mês, e isso podem ser más notícias para este veloz roedor.

“Se as lebres estão a começar a mudar [a cor do pêlo] mais tardiamente, então existe uma maior probabilidade de não estarem ainda totalmente brancas quando o ambiente ao redor estiver totalmente branco”, destaca Oli, avisando que essas lebres “são as mais vulneráveis aos predadores”.

Caso esse desfasamento entre a transição de uma cor para a outra e a mudança ambiental se mantenha e abranja uma porção significativa da população de lebres, então não será descabido prever que grandes perdas populacionais. E, como é uma espécie que serve de alimento a diversos predadores, como linces, águias, lobos e raposas, entre outros, os investigadores acreditam que o desaparecimento de uma parte da população de lebres poderá ter consequências nefastas para as dinâmicas ecológicas entre predador e presa.

“Praticamente tudo come lebres-americanas na floresta boreal”, diz Charles Krebs, da Universidade da Columbia Britânica e outros dos autores, e acrescenta que se o número de lebres que sobrevive ao período de inverno for substancialmente reduzido, pode pôr em causa a capacidade da população para reverter as perdas na próxima época de reprodução, algo que “pode perturbar toda a teia trófica”.

De recordar que em junho de 2018, outro grupo de cientistas, do qual fizeram parte investigadores da Universidade do Porto, num artigo divulgado na ‘Science’, descobriu que a lebre-americana era capaz de controlar a mudança da cor da pelagem, independentemente da estação do ano, através da ação de um gene chamado Agouti.

Os cientistas tinham já percebido que algumas lebres, por incorporarem variantes genéticas de uma outra espécie, a lebre-de-cauda-negra (Lepus californicus), não chegavam mesmo a mudar de cor, permanecendo castanhas durante o inverno, o que poderá ameaçar a sua sobrevivência quando o ambiente à volta se cobre de branco.

Contudo, num quadro de intensificação das alterações climáticas, que provoca uma abundância cada vez maior de previsões sobre a diminuição dos períodos de neve, uma pelagem acastanhada o ano todo poderá, no final de contas, ser uma alteração positiva. Apenas o tempo e mais estudos científicos o dirão.





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