Águas ricas em carbono estão a tornar-se ainda mais ácidas com o aumento do CO₂ atmosférico



As águas que rodeiam a América do Norte poderão tornar-se, em breve, inóspitas para espécies marinhas essenciais se a acidificação no Nordeste do Pacífico continuar ao ritmo atual, indica um novo estudo.

Os oceanos da Terra tornaram-se cerca de 30% mais ácidos desde o início da Revolução Industrial, há mais de dois séculos. A acidificação altera a química da água do mar e reduz minerais fundamentais para organismos calcificadores — como corais e amêijoas — construírem os seus esqueletos e conchas. O Nordeste do Pacífico é, por natureza, mais ácido do que outros oceanos, o que tem alimentado o debate sobre até que ponto a sua química poderá mudar nas próximas décadas.

O estudo, publicado na Nature Communications, mostra que esta acidez de base elevada torna a água mais sensível ao dióxido de carbono adicional proveniente das atividades humanas. Análises de esqueletos de corais recolhidos ao longo do último século revelam que o CO₂ se tem acumulado nas águas norte-americanas mais rapidamente do que na atmosfera, acelerando a acidificação.

“Este trabalho integra uma classe de registos absolutamente essenciais para perceber como o mundo mudou ao longo da era humana”, afirma o autor sénior Alex Gagnon, professor associado de oceanografia na Universidade de Washington.

“As conclusões afetam não só os ecossistemas marinhos, mas também as populações que deles dependem”, acrescenta a autora principal Mary Margaret Stoll, doutoranda em oceanografia na mesma universidade.

O oceano torna-se mais ácido quando o dióxido de carbono dissolvido forma um ácido que liberta iões de hidrogénio e bicarbonato, reduzindo o pH da água. Ao largo da América do Norte, o poderoso Sistema da Corrente da Califórnia transporta água fria para sul ao longo da costa. Este movimento, combinado com os ventos, cria condições ideais para a ressurgência — um processo que traz águas profundas para a superfície.

A matéria orgânica — plantas e animais mortos — afunda-se até ao fundo do mar, onde se decompõe, libertando novamente CO₂ para a água. A ressurgência traz esta água rica em carbono para a superfície, aumentando a acidez das camadas superiores e intermédias. Estas flutuações naturais complicam o trabalho de prever quanto da acidificação futura resultará das atividades humanas.

O novo estudo ajuda a clarificar estas questões graças aos registos preservados em corais centenários.

À medida que crescem, os corais incorporam elementos e minerais da água do mar, criando um registo valioso das condições ambientais gravado nos seus esqueletos. O Pacífico alberga uma pequena espécie colorida conhecida como coral orange cup. O laboratório de Gagnon já os estudava quando os investigadores se interessaram por amostras históricas.

Em 2020, a equipa começou a recolher amostras — primeiro no Museu Smithsonian, depois em laboratórios e museus dos EUA e do Canadá. No total, reuniram 54 corais recolhidos entre 1888 e 1932 no Mar de Salish, que liga o estado de Washington ao Canadá, e noutros locais da costa norte-americana.

Com a ajuda de registos manuscritos, os investigadores regressaram aos locais originais de recolha e voltaram a recolher corais orange cup  nos mesmos pontos — por vezes mais de um século depois.

Para traçar a evolução do CO₂ e da acidez ao longo do tempo, analisaram os níveis de boro nos esqueletos. Na água do mar, o boro existe em várias formas químicas, que variam conforme a acidez. Os corais incorporam uma dessas formas durante o crescimento, permitindo que a razão isotópica do boro revele o pH da água em que se formaram.

Entre 1888 e 2020, os esqueletos mostram que o CO₂ dissolvido aumentou a um ritmo superior ao crescimento de gases com efeito de estufa na atmosfera. A intensidade da acidificação era ainda maior entre 100 e 200 metros de profundidade, apesar de a acidificação oceânica ser geralmente considerada um fenómeno da superfície.

“Ninguém dispõe de registos de acidez com mais de algumas décadas”, diz Gagnon. “Tivemos de recuar no tempo e fazer trabalho de detetive para extrair um sinal químico do mundo e mostrar este efeito de amplificação.”

Esse efeito deverá intensificar-se à medida que o CO₂ atmosférico continuar a subir. No estudo, os investigadores modelaram cenários-limite para perceber o que poderá acontecer às espécies se nada mudar.

“As alterações na química do oceano foram realmente dramáticas”, afirma Stoll. “O Mar de Salish é uma região com fortes laços culturais, comerciais e recreativos com organismos marinhos cuja saúde depende destes ecossistemas.”

Apesar da gravidade dos resultados, os investigadores defendem que ainda é possível mudar o rumo.

“Não é momento para niilismo. O oceano não está destruído”, diz Gagnon. “Como grandes emissores per capita, temos poder para alterar as nossas emissões e influenciar o futuro dos oceanos.”

Estudar regiões onde a acidificação está a acelerar mais do que noutras partes do planeta também fornece sinais de alerta importantes.

“Esta é uma área singularmente relevante”, afirma Stoll. “Está na linha da frente dos impactos da acidificação e oferece uma janela para as condições previstas para o resto do oceano nas próximas décadas”, conclui.






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