Antártida pode ser modelo para a gestão ambiental global

O tratado que estabelece as regras da ‘administração’ internacional da Antártida pode ser um modelo para a gestão ambiental global, defendeu a diretora executiva da coligação de organizações ambientais que recebeu ontem o prémio Gulbenkian para a Humanidade 2025.
“A Antártida tem um historial de os países do mundo serem capazes de cooperar para o bem comum. Não podemos esquecer que o Tratado da Antártida foi formalizado durante a Guerra Fria e tem provado que, mesmo quando a situação global é complicada, ali é possível trabalhar em conjunto”, disse, em entrevista à Lusa, Claire Christian, diretora executiva da Coligação para a Antártida e o Oceano do Sul (ASOC, na sigla original em inglês).
Claire Christian ressalvou que “não se pode esperar que seja uma solução para todos os problemas”, para sublinhar o caráter visionário do tratado, que criou princípios de atuação que para serem alargados a todo o mundo “apenas precisam de ser postos em prática com vontade política”.
O tratado foi assinado por 12 países em 1959, entrou em vigor em 1961, foi integrando vários acordos sobre questões específicas como proteção de ecossistemas e pesca e é hoje oficialmente designado Sistema do Tratado da Antártida e subscrito por 58 países.
Na base do tratado está o entendimento de que o continente antártico e o Oceano do Sul serão usados apenas para fins pacíficos, que a liberdade de investigação científica e cooperação internacional para esses fins será um objetivo permanente e que todos os resultados do trabalho científico desenvolvido na Antártida serão objeto de intercâmbio e serão divulgados livremente.
O artigo IV do Tratado estipula que nenhuma das atividades desenvolvidas na Antártida poderá servir para justificar qualquer tipo de reivindicações de soberania territorial.
“A Antártida é um bom ponto de partida para a forma como o mundo deve olhar para questões como os objetivos do Acordo de Paris (sobre redução global de emissões de gases com efeito de estufa) ou o acordo sobre proteção da biodiversidade (adotado pela ONU em 2022). Não quero minimizar a complexidade dos problemas, as dificuldades legais e o enorme trabalho diplomático que será necessário, mas os princípios existem e têm já historial de aplicação com sucesso”, afirmou Claire Christian.
A diretora executiva da ASOC deu o exemplo das áreas marinhas protegidas, lembrando que são atualmente um dos grandes tópicos na área da política ambiental, mas que foi o Sistema do Tratado da Antártida a designar as primeiras áreas protegidas oceânicas.
A ASOC – fundada em 1978 e que reúne 21 organizações de 10 países – tem assento no conselho consultivo do Sistema do Tratado da Antártida e recebeu o Prémio Gulbenkian para a Humanidade, no valor de um milhão de euros, por ser “exemplo de como o trabalho colaborativo internacional, a defesa de causas com base em argumentos científicos e a promoção de uma gestão ambiental ética e sustentável são essenciais para garantir um futuro sustentável para a humanidade”.
Para Claire Christian, uma das mais-valias da participação da ASOC nas reuniões do tratado é a de a coligação poder fazer chegar à mesa das discussões nova informação científica, novas preocupações e novas ideias com maior rapidez e sem os constrangimentos políticos de cada país.