Áreas marinhas protegidas (se bem criadas) não têm de afetar pesca nem segurança alimentar



Proteger e restaurar pelo menos 30 dos ecossistemas terrestre e marinhos até 2030 é um dos desígnios do acordo alcançado pelos governos de todo o mundo em dezembro do ano passado, na cimeira global da biodiversidade (COP15), no Canadá.

No entanto, a proposta suscitou algumas preocupações quanto às suas potenciais consequências negativas sobre a pesca e, por conseguinte, a segurança alimentar, uma vez que as áreas marinhas com maior proteção excluem atividades humanas, exceto as destinadas à gestão da biodiversidade.

Uma equipa de quatro cientista vem agora colocar alguma ‘água na fervura’, defendo que é possível harmonizar a proteção estrita de áreas marinhas com a pesca.

Dada a conhecer esta quarta-feira na revista ‘Science’, a investigação centrou-se no Parque Nacional de Revillagigedo (México), que contém uma área marinha protegida conhecida como as ‘Galápagos do México’ e considerada a 13.ª maior área marinha protegida do mundo (com quase 150 quilómetros quadrados), criada em 2017.

Grupo de peixes da espécie Holacanthus clarionensis observados por um mergulhador na área marinha protegida do Parque Nacional de Revillagigedo (México).
Foto: Octavio Aburto / National Geographic Pristine Seas

O estudo concluiu que o setor industrial da pesca desse país não sofreu quaisquer perdas económicas nos últimos cinco anos devido à proibição de operação nessa zona, que alberga uma das maiores concentrações mundiais de tubarões, de mantas, de atuns, de baleias-de-bossa e de tartarugas marinhas. E é também a casa de mais de 300 espécies de peixes, 36 das quais são exclusivas da região.

Enric Sala, um dos autores do artigo e célebre explorador da National Geographic Society, afirma que, um pouco por todo o mundo, “a indústria pesqueira tem bloqueado o estabelecimento de áreas marinhas protegidas” em que é “urgente” reverter as perdas de biodiversidade causadas pelas atividades humanas.

Através do uso de sistemas de monitorização por satélite, de tenologia de inteligência artificial e de registos de capturas, Sala diz que este estudo vem mostrar que “as preocupações da indústria pesqueira são infundadas”, que apontava para perdas da ordem dos 20% nas capturas de atuns e de outras espécies pelágicas.

A área marinha protegida do Parque Nacional de Revillagigedo é a casa de milhares de espécies de peixes, incluindo tubarões e mantas, bem como de tartarugas.
Foto: Octavio Aburto / National Geographic Pristine Seas

Na ótica do investigador, mesmo as maiores áreas marinhas protegidas, “que salvaguardam ecossistemas inteiros” e a casa de milhares de espécies, “não impactam a mão-cheia de peixes que a indústria pesqueira procura”. E assinala que “quando maior” a área marinha protegida, “maiores os benefícios”.

Os investigadores perceberam também que a área marinha protegida de Revillagigedo não fez aumentar a área explorada pelas embarcações pesqueiras, e que apenas escassos casos esporádicos de pesca ilegal foram detetados nessa área marinha protegida desde a sua criação.

“Os resultados deste estudo são consistentes com o que especialistas registaram noutras áreas marinhas protegidas no Pacífico”, adianta Octavio Aburto, do Instituto de Oceanografia Scripps e coautor do trabalho. O cientista afirma que os argumentos sobre eventuais prejuízos causados à pesca por essas áreas protegidas são “meras assunções” e que “este estudo fornece dados que mostram que não existem impactos negativos sobre a pesca”.

Aburto espera que a investigação possa abrir vias de diálogo e cooperação entre a indústria pesqueira e os conservacionistas “para proteger a biodiversidade e melhorar os stocks de peixe”.

Estima-se que atualmente menos de 8% do oceano esteja sob algum tipo de proteção, sendo que somente 3% está totalmente protegido face à pesca e a outras práticas que possam causar danos aos ecossistemas.

“O relógio não pára”, avisa Sala, apontando que o futuro de “milhões de espécies, incluindo os humanos, que dependem do oceano para obtenção de oxigénio, alimento, para a mitigação das alterações climáticas, para medicamentos e muito mais” está nas nossas mãos e que, por isso, é preciso agir.

A sobre-pesca, a poluição e, claro, as alterações climáticas estão a ameaçar a vida marinha, a sua abundância e diversidade, com consequências potencialmente devastadoras para a nossa própria segurança alimentar e saúde. Mas os cientistas acreditam que a criação de áreas marinhas protegidas em áreas estratégicas no oceano ajudará a proteger, no seu conjunto, mais de 80% dos habitats das espécies que hoje estão em perigo de extinção.





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