Carros elétricos podem ser o futuro da mobilidade. Mas parece que não é para já
Atualmente, apenas 2,2% do parque automóvel em Portugal é constituído por carros elétricos, um segmento composto sobretudo por homens com mais de 40 anos e que pertencem à classe alta. O preço, a autonomia dos veículos e os carregamentos são assumidos como os principais entraves à expansão desse tipo de mobilidade.
As conclusões são de um estudo realizado pelo Automóvel Club de Portugal (ACP), apresentado esta quarta-feira, em Lisboa. Com base em 1.550 entrevistas a maiores de idade com carta de condução, a análise revela que o parque automóvel português é sobretudo formado por veículos movidos a energia fóssil (66%).
Dos inquiridos, 55% admite que, a longo-prazo, poderá trocar ou comprar carro, e, desses, mais de metade optaria por uma viatura com “uma fonte de energia amiga do ambiente”.
Para 52% dos inquiridos, para se sentirem confortáveis com a compra de um elétrico é preciso que esse tenha uma autonomia superior a 401 quilómetros, mas 34% assumem que atualmente a autonomia dos carros movidos a eletricidade situa-se entre os 201 e os 400 quilómetros.
Por outro lado, 43% diz que é difícil encontrar pontos de carregamento de veículos elétricos e 41% afirma que seria complicado carregarem os carros em casa.
O perfil do condutor de carros elétricos
O estudo do ACP permitiu perceber que o mercado dos elétricos está ainda limitado a um segmento restrito da população portuguesa, constituído essencialmente por homens com mais de 40 anos, da região Centro do país e da classe alta.
86% dos veículos elétricos em Portugal têm menos de cinco anos, sendo que sãos os homens com mais de 45 anos, também da classe alta e da região Centro que os têm há menos tempo.
A maior parte dos condutores de elétricos faz em média mais de 400 quilómetros por mês, sobretudo para viagens curtas, designadamente para deslocações dentro das cidades, e 65% realizam entre um e três carregamentos por semana, com uma despesa mensal de até 50 euros.
No que toca aos carregamentos, a maioria prefere fazê-los em casa, o que implica que esses condutores tenham uma garagem ou estacionamento privativo, um dos grandes fatores que leva muitos a afastarem a possibilidade de comprarem um elétrico.
Preocupação ambiental é a principal razão para a compra de um elétrico
Dos condutores inquiridos que colocam em cima da mesa a possibilidade de trocarem de carro no futuro, 36% optaria por um elétrico, sendo que, desse total, 42% aponta a preocupação com o ambiente e a redução das emissões de gases poluentes como a principal motivação.
Ainda, 27% considera que seria mais barato circular num elétrico do que num carro movido a qualquer outro tipo de energia. Entre os condutores de veículos a combustão, 59% admite que circular com um elétrico seria mais barato, mas os preços de compra e a dificuldade dos carregamentos surgem como obstáculos.
UE quer acabar com a produção de novos carros a combustão até 2035, mas isso poderá não ser possível
Em fevereiro, o Parlamento Europeu aprovou uma lei que pretende acabar com a venda, na União Europeia, de novos carros a combustível fóssil a partir de 2035, como forma de impulsionar a mobilidade elétrica e como medida de combate às emissões de gases com efeito de estufa.
No entanto, vários Estados-membros consideram que a meta estabelecida não poderá ser cumprida. Ainda esta semana, oito países, incluindo Portugal, reuniram-se para discutir a proibição e, porventura, para desenvolver propostas que visem alterar os planos de Bruxelas.
A esse respeito, Rosário Lima Abreu, Diretora de Comunicação do ACP e que coordenou a realização do estudo, contou à ‘Green Savers’ que “por decreto” se quer acabar com a produção de novos carros a combustão até 2035 “sem se medir as consequências e o tempo que é necessário para alcançar essa mudança”.
“Como vimos no estudo, o fator preço surge logo à cabeça como um entrave à compra de um elétrico”, realçou, recordando que estão já a ser desenvolvidos combustíveis alternativos que permitiriam a continuação dos carros com motor de combustão, mas com energias não-poluentes.
Aquilo a que se poderia chamar de ‘combustíveis sustentáveis’ estão já a começar a ser comercializados na Alemanha, “que tem um poder de compra que nós não temos, e uma sensibilidade ambiental que nós ainda não temos”, explicou Rosário Lima Abreu, salientando, no entanto, que mesmo esses combustíveis, ainda que menor escala, são poluentes.
“O que está a ser trabalho neste momento são os combustíveis sintéticos”, que, embora não se saiba ainda quando estarão disponíveis, poderão ser “a solução ideal que junta o melhor de dois mundos”: é possível manter o automóvel com motor de combustão e, ao mesmo tempo, usar energia que não polui.
E, como mostram os dados, o preço dos carros elétricos “é impeditivo”, pois “enquanto compramos um automóvel a gasolina ou a gasóleo por 15 mil euros, a sua versão elétrica já sobe acima dos 20 mil euros”, argumentou Rosário Abreu Lima.
Além disso, a responsável de comunicação do ACP alertou-nos também para o facto de a infraestrutura elétrica em Portugal não permitir um crescimento viável da mobilidade elétrica no país.
Assim, perante a proibição vinda da União Europeia, acredita que é preciso haver “alguma dose de realismo e de bom senso”, e não poupou críticas ao sistema de transportes públicos em Portugal, afirmando que, noutras capitais europeias, como em Londres, dotadas de uma robusta oferta de transportes públicos, andar de carro na cidade “é uma opção”. No entanto, por cá, os transportes públicos são “muito questionáveis”.
Se o futuro da mobilidade é elétrico, se passa pelo hidrogénio ou se estará nos combustíveis sintéticos, ainda é cedo para saber. Contudo, parece que, como diz este estudo, que a mobilidade elétrica está ainda longe de ser uma realidade, uma noção comprovada pela mobilização de vários países contra aquilo uma proibição que Rosário Abreu Lima disse que poderá mesmo representar “uma ditadura de minorias que não representam a realidade”.