Casa Relvas: A olivicultura e a biodiversidade no Alentejo

Em 2021, um relatório da Chatham House revelava que os sistemas globais de produção alimentar eram a principal causa da perda de biodiversidade, uma das três grandes crises planetárias dos nossos tempos. A análise indicava a agricultura como a maior ameaça a 86% das espécies consideradas em risco de extinção.
Apontando que, nas últimas décadas, a produção alimentar tem procurado produzir com os menores custos possíveis, recorrendo, por isso, a uma maior utilização de fertilizantes, pesticidas, energia, solo e água, os autores alertavam que essas práticas criam um “ciclo vicioso”, uma vez que “o baixo custo da produção alimentar cria uma maior procura por alimentos que devem também ser produzidos a custos mais baixos”, impulsionando práticas mais intensivas e uma maior e mais ampla exploração dos solos.
“Reformar a forma como produzidos e consumimos alimentos é uma prioridade urgente”, declarava, à altura, Susan Gardner, diretora da divisão de ecossistemas do Programa Ambiental das Nações Unidas. “Temos de mudar os padrões alimentares globais, de proteger e reservar terras para a natureza e de cultivar de uma forma mais amiga da natureza e que ajude a promover a biodiversidade”, salientava.

Embora na Convenção sobre a Diversidade Biológica, de 1992, já se reconhecesse que “a conservação e uso sustentável da diversidade biológica é de crucial importância para a alimentação, saúde e outras necessidades de uma população mundial em crescimento”, parece que só nos últimos anos se começou a prestar maior atenção às ligações entre a agricultura e a biodiversidade.
Seja como for, a relação entre a biodiversidade e a agricultura remonta aos primeiros momentos dessa atividade humana, pois muito antes de termos aprendido a controlar o crescimento e a produção das espécies vegetais, já as plantas, fungos e animais faziam parte de redes intricadas de relação e dependência mútua.
Num artigo publicado em 2017 na revista ‘Biodiversity’, uma dupla de investigadores reconhecia que “reconciliar a procura por alimentos com a necessidade de outros serviços de ecossistema é um dos maiores desafios do século XXI”, e salientavam o fosso existente entre o campo conservacionista e o setor agrícola, e entre os defensores de uma proteção mais estrita dos habitats e ecossistemas e os que advogam a priorização da segurança alimentar face aos imperativos da conservação.
Por isso, argumentam que a solução está algures no meio, em “abordagens sustentáveis à gestão das terras” que “têm como objetivo preservar múltiplos valores, incluindo a biodiversidade”, bem como ações de restauro dos ecossistemas. Dessa forma, será possível aproveitar “as sinergias entre a produção alimentar e a disponibilidade de água, a conservação da biodiversidade, o fornecimento de outros serviços de ecossistema e o alívio da pobreza”, escrevem os investigadores.
“Assegurar que a conservação da biodiversidade e a proteção de um conjunto de serviços de ecossistema resistem a interesses mais estreitos exige um compromisso a longo-prazo, liderança forte e com raízes locais, políticas e orientações claras, e a provisão de financiamento adequado de subsídios, fundos públicos e investimentos privados”, detalham.
Aliar agricultura e conservação da biodiversidade
“A perda de biodiversidade na agricultura é uma ameaça premente aos sistemas alimentares globais, reduzindo a nossa capacidade para lidar com as alterações climáticas, a degradação ambiental e os desafios nutricionais”, escreveu Ismahane Elouafi, diretor da consultora francesa CGIAR, na ‘Science’ em outubro do ano passado.
Para o especialista, promover a biodiversidade nas áreas agrícolas, tentando reverter as perdas já sofridas, tem de passar por “uma abordagem multifacetada que combine a conservação, práticas agrícolas sustentáveis e inovação científica”. Contudo, lamenta que o apoio à conservação e uso sustentável da biodiversidade, incluindo na agricultura, “continua a ser desadequado”, defendendo que tanto o setor público como o privado “devem priorizar a biodiversidade como uma componente estratégica” da produção alimentar.
Num texto publicado em 2024 na ‘Revista de Ciências Agrárias’, um grupo de especialistas portugueses aponta “a diminuição da biodiversidade, as alterações climáticas e a pressão sobre os rendimentos dos agricultores” como alguns dos maiores “desafios multifacetados e complexos” que o setor agroalimentar na Europa, e em Portugal, hoje enfrenta.
“A transição para uma forma de agricultura que possa enfrentar estes desafios e que a torne mais resiliente, requer que os sistemas agrários incluam ‘mais natureza’, sejam regenerativos e simultaneamente economicamente sustentáveis”, escrevem João Portugal, Isabel Calha e Francisca Aguiar. E acrescentam que pela Península Ibérica, bem como um pouco por toda a região europeia, “assiste-se (…) à introdução em áreas agrícolas convencionais de práticas agrícolas e estratégias de renaturalização, como são os enrelvamentos e as infraestruturas ecológicas, e que visam, entre outros aspetos, o aumento da biodiversidade, promovendo assim a ‘Renaturalização da Agricultura’”.
Segundo estudo de 2013, no âmbito do projeto “Biodiversidade na Agricultura” que juntou a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), a Direção-geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR), a Liga para a Protecção da Natureza (LPN) e a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), “Portugal apresenta índices de biodiversidade elevados em todo o seu território, que estão frequentemente associados à atividade agrícola”. O documento salienta ainda que “mesmo em situações de agricultura mais intensiva, é possível implementar melhorias nas práticas agrícolas que contribuem para minimizar os impactes que essa atividade tem na biodiversidade e contribuir para a sua promoção”.
A olivicultura em Portugal e a centralidade do Alentejo
Tal como para outros países da zona mediterrânica, o azeite está também nos “genes” de Portugal, sendo uma tradição gastronómica secular. Estima-se que Portugal seja o oitavo maior produtor de azeite à escala mundial, e o quarto da União Europeia, sendo que é na região do Alentejo que mais se produz (cerca de 70% da produção nacional). E, de acordo com o Conselho Oleícola Internacional (COI), é muito provável que, a breve trecho, o país conquiste um lugar entre os três maiores produtores de azeite do mundo.
Em visita a Portugal em 2024, Jaime Lillo, diretor-executivo do COI, afirmava que o Alentejo é uma referência mundial no que toca à olivicultura, não só pelos seus níveis de modernização, precisão e competitividade, mas também pela sua sustentabilidade.
Calcula-se que nas últimas duas décadas 50 mil novos hectares de olival tenham sido plantados no Alentejo, reforçando a produtividade a nível nacional, sendo que na região se identificam três tipos de sistema de cultivo.

Um deles é o olival tradicional, com um grande espaçamento entre as árvores, podendo ter entre 60 e 200 por hectare e ser de regadio ou de sequeiro. Este modo de cultivo ancestral demora mais tempo até que as oliveiras estejam num estado de produção considerado ótimo, algo que pode acontecer só 20 anos depois de serem plantadas. Ainda assim, alguns destes olivais tradicionais ainda produtivos têm mais de 100 anos.
Há também o olival intensivo, com até 485 oliveiras por hectare, e são geridos em regadio. Começam a produzir cerca de seis anos após o cultivo e podem durar várias décadas. E, por fim, há o olival superintensivo, com uma maior densidade de árvores por hectare (entre 900 e 1200). É explorado em regadio e começa a produzir cerca de três anos depois de instalado e os olivais superintensivos mais antigos têm perto de duas décadas.
O olival superintensivo é capaz de produzir em 10 anos o que o olival tradicional de sequeiro demora 70 anos a produzir, razão pela qual tem vindo a expandir-se.
Mas são as culturas de regadio que predominam no Alentejo, e continuam em expansão, estimando-se um aumento de quase seis vezes desde o início do século, graças ao qual a região tem aumentado a sua produção e representatividade a nível nacional. A crescente pressão da escassez de água e dos fenómenos de seca prolongada podem obrigar a repensar a forma como se pensa e faz a olivicultura.
Tudo indica que já o escritor romano Estrabão tecia elogios ao azeite da região que é hoje o Alentejo e que Roma já o importaria há 2000 anos. E a tradição da olivicultura alentejana perdura.
Casa Relvas: Olivicultura em terras alentejanas
Nascida em 1997 em São Miguel de Machede, no Alentejo, a Casa Relvas criou-se com a vinha. Mas em 2016, este negócio familiar expandiu-se para a olivicultura, para a qual levaram “o saber adquirido na produção de vinhos”. A decisão foi motivada por um desejo de “diversificar as nossas culturas”, conta-nos António Relvas, co-diretor-executivo da empresa.
Assim, há nove anos deram início à plantação do olival, que hoje se distribui por várias propriedades na região alentejana, num total de várias centenas de hectares, e que em 2024 produziu aproximadamente 700 toneladas de azeite.
Uma dessas propriedades fica na freguesia de Selmes, concelho da Vidigueira, com 292 hectares de olival e 185 de vinha. Situa-se perto de um lugar conhecido como Alcaria da Serra, onde está também o largar da Casa Relvas, que começou a funcionar há cerca de três anos.
Ao entrar na propriedade da Vidigueira no final do outono, o calor do verão de São Martinho ainda se fazia sentir, ou talvez fosse sinal da mudança dos tempos (e do clima da Terra). Era final da manhã, e já se ouvia no ar o som de máquinas agrícolas e de vozes indistintas que falavam alto para se fazerem ouvir. Naquele dia de novembro, estávamos em plena época de colheita da azeitona, que se estende, normalmente, de outubro a dezembro.
Na Vidigueira, a Casa Relvas tem perto de 600 mil oliveiras, sobretudo das variedades Arbequina e Arbosana, mas também têm exemplares de Frantoio, Coriana, Oleana e Sikitita.
António Relvas diz-nos que a Arbequina e a Arbosana são as variedades “mais bem-adaptadas às condições ambientais do Alentejo”, especialmente aos verões secos e quentes. Para ele, as oliveiras são “um bicho duro”.

O olival da Vidigueira é de regadio, abeberado com água proveniente do Alqueva a 30 quilómetros de distância, inserindo-se, por isso, nas modalidades intensivo e superintensivo. O cultivo das Arbequinas e Arbosanas é feito em sebe (superintensivo), uma prática que, segundo António Relvas, permite produzir mais com menos, ou seja, permite uma maior eficiência dos recursos.
O responsável lamenta que os termos “intensivo” e “superintensivo” tenham uma carga negativa e injustificada junto do grande público. Para ele, “não é por ter mais plantas que é prejudicial para o ambiente, é simplesmente uma evolução tecnológica que permite uma melhor utilização de todos os recursos, produzindo mais com menos”.
Especificamente sobre o olival em sebe, aponta que “é mais intensivo ao nível de árvores, ou seja, tem mais plantas, mas é inquestionavelmente mais eficiente no uso dos recursos”, como a água e o solo.

As práticas agrícolas intensivas são muitas vezes apontadas como grandes ameaças à saúde dos solos e à diversidade de vida que deles depende, mas António Relvas garante que “aos dias de hoje, na União Europeia, e no Alentejo em particular, as práticas agrícolas são do melhor que se faz no mundo”.
Recordando que “o tempo das searas douradas do Alentejo foi uma das principais causas da degradação dos solos” na região, salienta que as práticas hoje estão mudadas e que as preocupações com a preservação da terra e do ambiente fazem já parte da forma como hoje se cultiva nessa região do país.
Além disso, indica que a disposição em sebe permite proteger o solo da erosão, devido ao ensombramento criado pela curta distância a que as árvores estão umas das outras, e promover uma maior produção de matéria orgânica, que ajuda a manter o solo saudável e produtivo.
A Casa Relvas recorre ainda a imagens aéreas para detetar roturas no sistema de transporte de água e de regas e para medir os níveis de stress das plantas, o que permite fazer ajustes de forma a assegurar a maior eficiência possível e, claro, uma maior sustentabilidade. Dando um exemplo da circularidade posta em prática, António Relvas refere que “na adega, toda a água utilizada na produção de vinho e higienizações é posteriormente reciclada para uso em rega”.
Por isso, aos críticos, o co-CEO da Casa Relvas deixa uma mensagem: “deveriam passar mais tempo no campo e orgulharem-se dos agricultores portugueses!”. E assegura que o setor está cada vez mais ciente de que “estamos numa altura em que nós, agricultores, temos uma responsabilidade de deixar para as gerações que vêm”.
A colheita das azeitonas no olival da Vidigueira, que é feita sobretudo com máquinas, acontece durante o dia, porque “há árvores onde dormem aves”. E é aqui a biodiversidade e a agricultura podem convergir, para o bem de ambas.
A biodiversidade na Casa Relvas
Recentemente, a Casa Relvas decidiu fazer um estudo para descobrir a diversidade de espécies de animais e de plantas que, ao lado das oliveiras e das vinhas, vivem nas suas propriedades.
Os resultados do primeiro levantamento, realizado em 2023, mostraram uma grande biodiversidade selvagem, incluindo endemismos e espécies ameaçadas, entre elas, o morcego-de-ferradura-mediterrânico e o morcego-de-ferradura-mourisco, o milhafre-real, a lebre-ibérica, o alcaravão, o coelho-bravo, o picanço-real e o picanço-barreteiro, além de uma grande variedade de anfíbios e de outras aves.
O objetivo é criar um plano de gestão e conservação da biodiversidade que seja aplicado em todas as propriedades da Casa Relvas, “numa altura em que cada vez mais são conhecidas as vantagens e importância de ter uma relação grande entre a biodiversidade e as culturas instaladas”, explica António Relvas.
“Pretendemos com este plano que a natureza ‘trabalhe para nós’ e que fiquem salvaguardadas zonas de grande valor de biodiversidade existentes nas nossas explorações”, salienta, acrescentando que “aqui acreditamos na Ciência e seguimos o que ela nos diz”. Isto, porque agricultura e biodiversidade “não se podem separar”.
Questionado sobre se é realmente possível articular a produção agrícola com a conservação da biodiversidade, António Relvas garante-nos que sim. “Por exemplo, uma linha de água (barranco, ribeiro, etc.) não é uma zona produtiva, mas estas estão muitas vezes adjacentes às zonas produtivas e, melhorando a fauna e flora nessa zona, melhoramos a área com a cultura também”.
Apesar de o estudo da biodiversidade nas suas propriedades ser recente, António Relvas diz que a preocupação com a conservação já é antiga, acompanhando a empresa desde cedo. “Simplesmente agora temos mais conhecimento”, afirma, e estão agora a trabalhar na implementação das medidas que ponham em prática o plano.
Saber quais as zonas de maior importância para espécies selvagens de animais ajudará a empresa a ajustar as suas práticas, de forma a reduzir a perturbação causada pelas suas atividades diárias. No meio do olival, olhando em volta, António Relvas diz-nos que “muitas destas árvores são poiso para morcegos e abrigos para coelhos”.
A Casa Relvas recorre também a rebanhos próprios com perto de mil ovelhas para o controlo da vegetação espontânea, e os dejetos esféricos dos ungulados dispersos pelos caminhos de terra que percorrem o olival da Vidigueira são disso prova.
Numa outra propriedade alentejana da Casa Relvas, a Herdade de São Miguel, a empresa está a trabalhar na introdução de coelhos para atrair aves de rapina que, por sua vez, ajudarão a controlar populações de aves prejudiciais às plantações.
O plano de ação para a gestão e conservação da biodiversidade está a ser finalizado e tem um horizonte temporal de cinco a 10 anos. “É usar esse elemento da biodiversidade a nosso favor”, salienta António Relvas.
Da árvore à garrafa
As oliveiras tendem a frutificar entre outubro e dezembro, e, apesar de serem especialmente resilientes ao calor e à seca, precisam de temperaturas baixas, entre os zero e os 10 graus Celsius, para produzirem as azeitonas.
Depois de colhidas, dão entrada no largar da Vidigueira e a viagem transformadora começa.

As azeitonas são descarregadas num primeiro tapete, a linha de limpeza, onde folhas e ramos são separados do fruto. De seguida, são moídas por hélices até se transformarem numa pasta espessa relativamente homogénea. Esse é o primeiro grande passo no processo de extração do azeite, e demora cerca de duas horas.
Depois, essa pasta é transferida para uma centrifugadora, onde é separado o azeite de outros componentes, como o bagaço, que é vendido pela Casa Relvas a empresas bagaceiras.

O produto resultante, uma espécie de “proto-azeite”, é sujeito a análises laboratoriais, feitas nas próprias instalações, para avaliar a sua qualidade. Finda essa etapa, o azeite fica a repousar durante 24 horas nos decantadores na adega. Esses grandes reservatórios metálicos e cilíndricos com vários metros de altura e uns quantos de largura convertem a adega de azeite numa espécie de câmara de uma nave espacial de algum filme de ficção científica.

Para garantir a pureza do azeite que contêm, os decantadores são todos em aço inoxidável e os plásticos usados são inertes.
Após toda essa jornada que resultou em “sumo de azeite”, como descreve Henrique Herculano, diretor-executivo do lagar da Casa Relvas, na Vidigueira, segue-se a análise sensorial feita por um painel de provadores.
O objetivo é identificar e avaliar todas as “peculiaridades” e “sensações” que o azeite transmite, que, segundo o especialista, “são tantas quanto as do vinho”.
A prova é feita com o azeite a 27 graus, pois a uma temperatura mais baixa, “as substâncias voláteis não se libertam”, e são usados copos de vidro azuis, para que a cor não possa influenciar a experiência. No final desta história, o azeite é engarrafado.
Uma viagem de curvas e contracurvas dos ramos da oliveira para as nossas mesas.
Os desafios da olivicultura em tempos de crise climática
Apesar do crescimento da olivicultura no Alentejo e de a oliveira, que evoluiu ao longo de milhares de anos na região mediterrânica, ser uma planta altamente resiliente à falta de água e ao calor, há desafios que é preciso considerar e com os quais será preciso esgrimir. Um deles é os impactos das alterações climáticas na olivicultura e, mais especificamente, na produção de azeite.
A crescente escassez de água na região alentejana (a par do Algarve) e o aumento constante da temperatura são dois dos principais problemas com que o setor oleícola terá de saber lidar, não apenas para garantir a rentabilidade da atividade, mas também para assegurar a sua sustentabilidade a longo-prazo.
Os modelos climáticos preveem uma redução significativa da precipitação e, assim, o avanço da aridez dos solos, que podem afetar a olivicultura e a produção de azeite nessa zona do país. E estudos apontam para o risco de salinização dos solos precisamente por causa das alterações nos ciclos da água, embora algumas variedades, como a Arbequina e a Arbosana revelem tolerância à salinidade.
Nesse quadro, é possível que o olival tradicional de sequeiro venha a tornar-se inviável e que a própria saúde dos solos venha a declinar, com a perda de matéria orgânica fundamental para o seu bom funcionamento.
O aumento da temperatura é também um fator que pode afetar a produção dos olivais. Apesar de ser uma árvore bem-adaptada ao clima mediterrânico, e por isso capaz de enfrentar períodos de seca e calor que seriam a morte de outros tipos de plantas, as oliveiras precisam de frio para poderem frutificar. Com os períodos de temperaturas baixas cada vez mais curtos, a formação do fruto, a azeitona, pode sofrer impactos, exigindo alterações nas práticas e calendários de cultivo e transformações no setor. Em suma, é preciso saber adaptar-se a um planeta em crise climática.
António Relvas, co-CEO, confessa-nos que os efeitos das alterações climáticas, como o calor extremo e a falta de água, serão “cada vez mais desafiantes” para a agricultura, especialmente no Alentejo.
“Temos de trabalhar cada vez melhor para que consigamos evoluir individualmente e como sector, e para fazer frente aos desafios que se advinham”, aponta, argumentando que a responsabilidade pela proteção e conservação dos sistemas naturais deve ser de todos, empresas e cidadãos.
“E não só na produção, mas também no consumo!”, observa.
Henrique Herculano, responsável pelo lagar da Vidigueira, lamenta que o setor do azeite seja alvo de “críticas infundadas” e recorda que “está muitíssimo bem-adaptado” a condições ambientais mais duras, como a seca, estando, sustenta, “na vanguarda” das preocupações com a sustentabilidade.
Apesar de reconhecer que existem fundos europeus específicos para ajudar a agricultura a lidar com as dificuldades impostas por um planeta em crise, critica que “em Portugal, em comparação com outros países na UE, a agricultura é pouco apoiada” e que “sucessivos governos não se têm preocupado” devidamente com o setor.
No que toca à conservação da biodiversidade na agricultura, António Relvas acredita que os agricultores em Portugal estão cientes da sua importância, “mas não se pode ser radical em algumas medidas e ir na onda das ideologias”, sublinha.
E indica que “não podemos também ser hipócritas e proibir o uso de produtos ou substâncias na UE e depois irmos comprar alimentos fora da UE que são tratados com essas mesmas substâncias ou piores”.
Lembrando que a agricultura “é a única actividade que capta carbono” e que “todos os outros sectores só podem reduzir emissões”, António Relvas aponta que está já planeado um “forte investimento” ao nível europeu para ajudar a agricultura a alinhar as suas práticas com a proteção ambiental. No entanto, avisa que “é preciso é que os meios sejam utilizados com inteligência, de forma racional”.
Quanto ao papel da conservação da biodiversidade em contextos de produção agrícola, não exclui que parte da solução poderá passar por programas de pagamento aos agricultores pela conservação de serviços de ecossistema, mas não deixa de referir que “a questão é mais profunda, pois para haver essa conservação é necessário haver coesão territorial e para isso, mais uma vez, a agricultura tem um papel fundamental que é muitas vezes secundarizado”.
Por isso, aos decisores políticos que negoceiam os tratados internacionais sobre biodiversidade, e que têm também depois impacto ao nível das políticas nacionais relacionadas com a agricultura, António Relvas deixa um conselho: “Vão ao campo e não sejam levados e influenciados por ideologias”.
*Reportagem publicada originalmente na revista de março de 2025.