CE propõe meta de redução de 90% de gases com efeito de estufa para 2040. Ambientalistas contestam uso de créditos de carbono internacionais

A Comissão Europeia (CE) propôs hoje uma meta de 90% de redução das emissões de gases com efeito de estufa até 2040, face a níveis de 1990.
Em comunicado, o executivo comunitário diz que a nova meta reforçará a segurança energética da Europa, dá aos investidores “certezas”, promoverá a inovação e “reforçará a liderança industrial das nossas empresas”.
Este novo alvo vem juntar-se à meta de redução de pelo menos 55% dos gases com efeito de estufa até 2035, com vista a alcançar a neutralidade climática até 2050.
“À medida que os cidadãos europeus sentem cada vez mais o impacto das alterações climáticas, esperam que a Europa aja” e “a indústria e os investidores esperam que nós definamos uma direção previsível”, diz a presidente da CE, Ursula von der Leyen, em comunicado.
“Hoje mostramos que estamos firmes no nosso compromisso para descarbonização a economia europeia até 2050. O objetivo é claro, a jornada é pragmática e realista”, salienta.
A CE destaca como um dos principais elementos da proposta as “flexibilidades” introduzidas para os países podem cumprir a nova meta. Entre elas, está a possibilidade de se recorrer, a partir de 2036, a créditos de carbono internacionais para alcançar as metas de redução de emissões e o uso de tecnologias de remoção de carbono.
Estes pontos são os mais criticados por ambientalistas, que temem que deixem abertas lacunas na proposta que, no final de contas, permitirão que gases com efeito de estufa continuem a ser lançadas na atmosfera.
Para a WWF, “isto transforma um plano sério de redução de emissões numa fachada habilmente disfarçada”.
Em reação ao anúncio da nova meta climática, a organização ambientalista lamenta a falta de ambição da CE, dizendo que uma redução de 90% das emissões até 2024 é menos do que a UE devia fazer para limitar o aquecimento global aos 1,5 graus Celsius e “e não está alinhada com o Acordo de Paris”.
De recordar que no passado mês de junho, o Conselho Consultivo Científico Europeu sobre as Alterações Climáticas (ESABCC, na sigla em inglês), um órgão independente que fornece à UE conhecimento e recomendações relativos à crise climática, dizia que a redução das emissões não deveria ser feita com recurso a créditos de carbono internacionais.
No seu relatório, o ESABCC argumentava que recorrer a créditos de carbono internacionais deturparia a essência dos esforços de ação climática, com recursos a serem desviados de investimentos necessários em infraestruturas, capacidades e inovação. Além disso, os autores salientam que os créditos arriscam a transferência de emissões para outras regiões do mundo e poderiam colocar em xeque a própria credibilidade da UE na batalha por uma existência humana mais sustentável no planeta.
A WWF considera que os créditos de carbono e as remoções são contraproducentes e não incentivam cortes efetivos nas emissões. Por isso, defende que as remoções não devem ser tidas em conta no cálculo das reduções das emissões, “para evitar que as remoções substituam os cortes drásticos nas emissões que são necessários”.
“A UE não pode deixar que o seu futuro seja feito refém por poluidores que não estão dispostos a descarbonizar e que procuram atalhos”, diz Camille Maury, especialista em descarbonização industrial da delegação europeia da WWF.
Por sua vez, a associação ambientalista portuguesa Zero considera “inaceitáveis” as flexibilidades introduzidas na proposta e lamenta represente “uma oportunidade perdida de restaurar a liderança climática europeia e compromete a credibilidade do bloco na cena internacional”.
“A meta de 2040 deveria ter sido um ponto de viragem, assente em justiça climática, responsabilidade histórica e equidade intergeracional. Em vez disso, a Comissão apresenta um objetivo ambíguo, atrasado, e permeável a interesses que há muito bloqueiam a transição justa e sustentável”, diz a Zero.
Para a organização, a UE deve ambicionar a neutralidade climática em 2040, “garantido a sua autonomia energética tão depressa quanto possível”, a meta de redução de gases com efeito de estufa em pelo menos 90% face a 1990, “deve ser vinculativa e sem flexibilidades externas” e a redução de emissões deve ser feita “dentro do território europeu, com base em cortes reais, e não em compensações fictícias”.
Além disso, a Zero diz que “é essencial garantir apoio justo à descarbonização nos setores mais vulneráveis e proteger as comunidades mais afetadas pela transição” e insta o Governo português a “exigir uma governação climática robusta e transparente, com base na ciência e na participação cidadã”.