Certificações sustentáveis, greenlighting e, no meio, os Açores



Por Filipe Ferreira, investigador na Meliore Foundation e na Zero Carbon Analytics

Olhe à sua volta e verá que a sustentabilidade está por todo o lado – ou pelo menos é isso que os rótulos nos dizem. O seu expresso matinal afirma provir de fontes éticas, a sua mesa de jantar diz ser feita de madeira livre de desflorestação e indústrias inteiras ostentam as mais variadas certificações verdes. Desde a alimentação e a moda até à construção e ao turismo, as empresas e os governos estão ávidos por provar as suas credenciais ambientais.

Num mundo que se confronta com rápidas alterações climáticas e uma grave degradação ecológica, a sustentabilidade tornou-se a nossa única alternativa. Mas à medida que a procura por produtos “verdes” dispara, também cresce a tentação de tirar proveito da tendência ecológica, e a verdade é que atualmente, a sustentabilidade é mais do que uma simples necessidade – é uma poderosa ferramenta de marketing.

As certificações e os rótulos verdes vão para além do ambientalismo; atraem investimentos, elevam reputações e posicionam economias como líderes numa era onde as preocupações ambientais e climáticas moldam cada decisão empresarial e política – por muito que alguns não o queiram admitir. Ainda assim, embora seja relativamente fácil implementar estratégias seletivas para construir uma fachada ecológica, resolver efetivamente desafios estruturais é outra história e, portanto, muitas vezes deixado para segundo plano.

É aqui que o “greenwashing” se enraíza e pode se manifestar de várias formas: Uma empresa pode anunciar neutralidade carbónica e, no entanto, subcontratar a produção de produtos de emissões elevadas a regiões com regulamentos menos rigorosos. Os governos também não se coíbem de o fazer. É comum promoverem metas climáticas aparentemente ambiciosas ao mesmo tempo que discretamente aprovam novos projetos de exploração fóssil. Mas outra mais subtil, é o chamado “greenlighting”, no qual os esforços de sustentabilidade ao centrarem-se num setor específico, criam a falsa impressão de uma abordagem ampla e integrada, enquanto na verdade, setores que deveriam ser prioritários acabam por ser marginalizados.

O sucesso de qualquer estratégia de sustentabilidade assenta numa abordagem holística e transetorial, mas é o setor da energia que deve liderar o caminho. A combustão de combustíveis fósseis é o principal motor do aumento global das emissões de carbono, pelo que qualquer esforço sério para combater as alterações climáticas e travar a degradação ecológica deve centrar-se na drástica redução dessas emissões. A transição para fontes de energia limpas não é apenas a forma mais eficaz de o fazer, é também fundamental para garantir a sustentabilidade do próprio setor a longo prazo.

O problema, porém, é que o setor energético é muito menos glamoroso do que outros, como o do turismo – que por terras lusas recebe o grosso da atenção. O turismo é visualmente atraente, facilmente comercializado e pode ser mascarado como ecológico com as mensagens certas, ao passo que a energia é menos comercializável e mais difícil de embelezar junto do público.

Consideremos os Açores, por exemplo. Nos últimos tempos, o arquipélago tornou-se praticamente sinónimo de sustentabilidade. Anos de marketing direcionado e um forte investimento por parte do Governo Regional no turismo fabricaram a imagem de um paraíso verde que, todos os anos, recebe várias distinções internacionais, culminando com a certificação EarthCheck de Ouro em Turismo Sustentável, em novembro passado – nenhum outro arquipélago no planeta possui esta. Mas esta imagem, apesar de bela, quando analisada mais de perto, revela-se ilusória. Enquanto o setor do turismo floresce sob o manto da eco-glória, outros setores esmorecem.

Apesar do vasto potencial em energias renováveis dos Açores, 65% das necessidades energéticas da região continuam a provir de combustíveis fósseis importados. Há cerca de 40 anos que se discute a redução dessa dependência por meio da interligação das redes energéticas das ilhas, mas, até hoje, o Governo Regional e a Eletricidade dos Açores (EDA) são incapazes de chegar a consenso sobre uma solução viável. Como resultado, cada ilha continua a operar o seu próprio sistema energético de forma isolada, gerindo de forma independente a produção e distribuição de eletricidade, o que contribui para o aumento dos custos de produção e impede uma partilha de energia renovável pelo arquipélago.

O frouxo compromisso da região para com a sustentabilidade energética pode ser também exemplificado pelo desempenho do programa SOLENERGE. Lançado com grande promessa e com uma dotação de 19 milhões de euros no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, este visava acelerar a adoção de energia solar nas ilhas. No entanto, quase quatro anos depois, encontra-se minado por uma cómica lentidão no processamento das candidaturas, várias falhas técnicas no seu website e por atrasos na instalação de contadores bidirecionais.

Esta disfunção não se restringe apenas à energia. O transporte público, outro pilar essencial em qualquer estratégia de sustentabilidade, encontra-se seriamente desajustado. Dados recentes mostram queda contínua no uso dos transportes públicos pelos açorianos, acompanhada por um aumento no número de automóveis por pessoa. A razão é simples: não há um sistema de transportes eficiente e interligado entre os municípios, logo, com percursos limitados e frequentes transferências, os residentes acabam, na prática, sendo forçados a recorrer aos veículos particulares – a principal fonte de poluição nos Açores.

Estes exemplos não só destacam lacunas infra-estruturais, como também revelam problemas sistémicos mais profundos que impedem o progresso da região em direção a uma sustentabilidade genuína. Embora as certificações desempenhem um papel valioso na divulgação dos esforços de sustentabilidade – e mereçam reconhecimento por alertarem para atividades como o turismo, que podem causar danos ambientais significativos – devem ser consideradas como indicadores de potencial e não como realizações definitivas. Não garantem resultados, pelo que devemos ter o cuidado de não confundir reconhecimento com realização efetiva.

A sustentabilidade não é um estado fixo, mas sim um percurso contínuo que requer adaptação, investimento e, acima de tudo, um compromisso para enfrentar os desafios menos vistosos, mas mais prementes. Em locais como os Açores, a prova de fogo reside em garantir que os sistemas que sustentam a retórica possam evoluir à altura das ambições expostas.





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