Cientistas e instituições unem-se para a criação de Áreas Marinhas Protegidas
Este é o mais recente e completo estudo sobre Áreas Marinhas Protegidas (AMP), que sintetiza toda a informação científica necessária para compreender, planear, estabelecer, avaliar e monitorizar a proteção do oceano, através da criação destas áreas. O “Guia de Áreas Marinhas Protegidas: um Enquadramento para Alcançar Metas Globais para o Oceano”, também conhecido por MPA Guide, junta 42 autores das ciências naturais e sociais de 38 instituições em seis continentes, é publicado hoje na revista Science.
O MPA Guide categoriza as áreas marinhas protegidas de acordo com quatro níveis de proteção – total, alta, ligeira ou mínima – e quatro estados de implementação – proposta, designada, implementada e ativamente gerida – combinando ambos os critérios e mostrando os benefícios que as AMP podem ambicionar alcançar.
“Os benefícios das AMP são fundamentais para o nosso futuro. Pela primeira vez, o MPA Guide fornece uma forma de acompanhar esses benefícios utilizando uma única estrutura, uma linguagem partilhada e uma abordagem consistente. Irá fornecer uma compreensão baseada em factos relativamente ao ponto em que estamos quanto à proteção do oceano”, afirma a Kirsten Grorud-Colvert, Professora Associada da Oregon State University e autora principal do The MPA Guide. “Com essa clareza, podemos monitorizar o progresso global e identificar as ações necessárias baseadas na ciência. Temos de assegurar que as AMP são eficazmente implementadas para proteger o nosso oceano das consequências devastadoras do uso excessivo pelo homem e garantir os benefícios que nos proporciona.”
Portugal tem presença neste estudo, através de dois cientistas que estiveram fortemente envolvidos no desenvolvimento do guia, que fazem parte da rede de especialistas em AMPs que conta com vários investigadores internacionais e entidades chave a nível global.
“As Áreas Marinhas Protegidas funcionam e são a ferramenta mais eficaz para proteger a vida marinha e restaurar os ecossistemas. Mas apenas produzem estes benefícios se forem corretamente implementadas e se tiverem um nível de proteção elevado. O Guia de Áreas Marinhas Protegidas clarifica os diferentes tipos de proteção e de estados de implementação das atuais e futuras AMP associando-os aos resultados esperados. Isto permite trazer clareza e transparência à implementação das AMP para apoiar as políticas de conservação nacionais e internacionais”, afirma Emanuel Gonçalves, coautor do artigo e Coordenador Científico e Administrador da Fundação Oceano Azul, Professor Associado no Ispa – Instituto Universitário e investigador no MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, especialista em conservação do oceano e que tem estado envolvido na criação, monitorização e implementação de AMPs em diversas regiões do globo.
Bárbara Horta e Costa, coautora do artigo e investigadora doutorada do CCMAR e Universidade do Algarve (UAlg), que liderou, com Emanuel Gonçalves, o desenvolvimento de um ‘Sistema de classificação de AMPs baseado nos regulamentos’ no âmbito de um projeto colaborativo europeu, e coliderou o desenvolvimento dos níveis de proteção do MPA Guide, afirma que este guia “permitirá que investigadores, profissionais, utilizadores e decisores de áreas marinhas protegidas compreendam o que se espera das suas AMPs. A avaliação da qualidade das AMPs poderá assim ser comparável a nível global. Isso é extremamente importante para avançar em direção a AMPs eficientes e eficazes, e que façam a diferença, protegendo, de facto!”
Este é o culminar de uma década de investigação colaborativa e inclusiva que envolveu centenas de cientistas, gestores, representantes de organizações de proteção e gestão do oceano e outras partes interessadas. O MPA Guide chega num momento crítico da agenda internacional do Oceano, e quando há países ainda a negociar a meta de proteção de, pelo menos, 30% do oceano até 2030, que será submetida para decisão na Convenção sobre a Diversidade Biológica prevista para Kunming, na China.
Embora as AMP sejam uma ferramenta central para a conservação do oceano, nem todas as AMP são iguais. Existem de facto vários tipos de AMP com vários objetivos, regulamentos, níveis de implementação e, consequentemente, diferentes resultados. Essa multiplicidade causa confusão. Por exemplo, algumas AMP permitem a pesca, aquicultura e ancoragem, enquanto outras não. Algumas AMP existem apenas no papel mas não estão ativas no oceano (não têm regras, ou gestão ou monitorização). Na ausência de orientação sobre como categorizar as AMP ou determinar os seus resultados prováveis, existe uma considerável inconsistência. Uma das questões críticas é a falta de correspondência entre o que se espera de uma AMP e os seus resultados reais. Outra é a ausência de uma forma fiável de avaliar qual a proporção do oceano que está realmente protegido, levando a números imprecisos e a uma incoerência sobre a proteção que realmente existe em todo o mundo.
Ao fornecer a ciência, os factos e a estrutura para categorizar diferentes tipos de AMP e acompanhar o seu progresso, o MPA Guide tem como objetivo fornecer a todas as partes interessadas as ferramentas e orientações práticas necessárias para garantir que as AMP são pensadas de forma eficaz para cumprir os seus objetivos de conservar a biodiversidade e beneficiar as populações.
Existem quatro componentes principais no MPA Guide:
● Estado de Implementação, especificam o nível de implementação de uma AMP – se existe apenas no papel ou se está operacional.
● Nível de Proteção, esclarece o grau de proteção para a biodiversidade relativamente a atividades extrativas ou destrutivas
● Condições de Sucesso, fornecem os princípios e processos necessários para planear, conceber e gerir uma AMP com sucesso.
● Resultados de Conservação, descrevem os resultados esperados a nível da conservação e dos benefícios sociais de uma AMP num determinado estado de implementação e nível de proteção, desde que as condições de sucesso estejam presentes.
O MPA Guide será continuamente testado e ajustado. Portugal, França, Indonésia e Estados Unidos da América, têm já especialistas em AMP a utilizar o MPA Guide para analisar e categorizar as AMP existentes, para que as comunidades e os governos possam avaliar a atual situação e tomar decisões informadas. Também estão a ser realizados testes práticos para melhorar a transparência e a compreensão dos dados sobre AMP a nível global.
“O MPA Guide foi pensado para reforçar e complementar os sistemas existentes, como as Categorias de Áreas Protegidas da IUCN [União Internacional para Conservação da Natureza]”, afirma Dan Laffoley, coautor do artigo e vice-presidente para o oceano da Comissão Mundial de Áreas Protegidas da IUCN, um dos principais parceiros do MPA Guide. “Apresenta uma avaliação completa sobre a proteção que uma AMP oferece, o que será útil, tanto ao nível local como ao global, à medida que os países aumentam a proteção do oceano.” acrescentou.
“O MPA Guide reflete uma ambição coletiva de encontrar uma linguagem coerente e uma abordagem consistente para a conservação da biodiversidade no oceano global. Com ele, podemos reforçar o diálogo e a colaboração internacional e proporcionar a transparência necessária para avaliar as áreas protegidas e garantir que estas são pensadas para oferecer os melhores resultados para a recuperação da biodiversidade”, afirmou Naomi Kingston, coautora do MPA Guide e Responsável das Operações do Centro Mundial de Monitorização da Conservação do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (UNEP-WCMC), também um dos parceiros principais da iniciativa. “Se a comunidade global o puder utilizar para aumentar o nível de proteção, e a extensão e eficácia das AMP, podemos alcançar a nossa ambição global de conservar a vida no oceano.”