Cientistas transformam telemóveis velhos em minicentros de dados

Todos os anos, mais de mil milhões de smartphones são produzidos em todo o mundo, em processos que não apenas consomem grandes quantidades de energia, mas também têm impactos negativos no ambiente, porque consomem recursos naturais e emitem gases com efeito de estufa.
Apesar desses custos, a vida útil desses dispositivos parece ser cada vez mais curta, algo não só motivado por interesses de mercado para que haja um turnover atrativo, mas também pelo rápido avanço tecnológico. Esses aparelhos velhos ou são reciclados ou acabam em aterros, onde representam riscos ambientais.
Cientes de que é preciso encontrar alternativas, e de que levar os consumidores a mudarem de comportamentos e a consumirem menos pode ser mais difícil do que parece, um grupo internacional de investigadores, incluindo João Pestana e Marko Radeta da Universidade da Madeira, encontrou uma forma de dar uma nova vida aos smartphones velhos, transformando-os em minicentros de dados.
“A inovação começa, muitas vezes, não com algo novo, mas com uma nova forma de pensar sobre o antigo, reimaginando o seu papel na construção do futuro”, diz, em nota, Huber Flores, da Universidade de Tartu (Estónia) e um dos principais autores do estudo publicado na revista ‘IEEE Pervasive Computing’.
Pondo em prática essa noção, os cientistas mostraram que é possível pegar em smartphones que já não são usados e convertê-los em centros de dados em miniatura “capazes de processar e armazenar dados de forma eficiente”, e por um preço reduzido, com cerca de oito euros por cada telemóvel.
De acordo com a equipa, esses minicentros de dados podem ter múltiplas utilidades. Uma delas é serem usados em paragens de autocarros, nas cidades, para recolher dados em tempo real sobre o número de passageiros. Com essa informação, dizem, é possível otimizar os serviços de transportes públicos, tornando-os mais eficientes e atrativos e, dessa forma, contribuir para a redução das emissões de gases com efeito de estufa provenientes do uso de veículos particulares.
Outra utilidade está relacionada com estudos dos ecossistemas aquáticos, podendo ajudar na sua conservação. Os investigadores criaram um protótipo para validarem o conceito criado. Começaram por remover as baterias dos telemóveis, para evitar riscos de contaminação ambiental, e ligaram-nos a uma fonte de energia externa. De seguida, colocaram-nos em suportes produzidos por impressoras 3D e, afirmam, conseguiram criar “um protótipo funcional pronto a ser reutilizado, promovendo práticas sustentáveis para dispositivos eletrónicos velhos”, salientam em comunicado.
O protótipo foi testado debaixo de água, onde participou num esforço de contagem de diferentes espécies de peixes. Esse tipo de tarefa habitualmente exige um mergulhador equipado com uma câmara, que, depois de regressado à superfície, tem de descarregar os dados para serem analisados.
Contudo, a equipa diz que com este protótipo “todo o processo foi feito automaticamente debaixo de água”, sublinhando que tecnologias ultrapassadas não são necessariamente resíduos, e que, “com o mínimo de recursos”, se pode dar a esses dispositivos “um novo propósito” e ajudar a desenvolver “soluções digitais mais amigas do ambiente e sustentáveis”.
Para Ulrich Norbisrath, outro dos autores do estudo, “a sustentabilidade não está apenas relacionada com a preservação do futuro”, tratando-se, porventura mais do que qualquer outra coisa, de “reimaginar o presente, onde os dispositivos de ontem tornam-se as oportunidades do amanhã”.