Conferência Anual de Saúde Pública debate o contexto digital durante o período pandémico



No passado dia 16 de maio realizou-se a 4ª Conferência Anual de Saúde Pública da redeSAÚDE da Universidade de Lisboa, subordinada ao tema “O Contexto Digital ao Serviço da Saúde Pública”.

A Mesa 1 teve como foco o tema “A OMS, a Investigação Farmacêutica e as Pandemias – A Relevância do Digital (Use Cases)”. Foram oradores Bert Leufkens da Universidade de Utrech, e Hugo Gomes da Silva, Vice President e Global Medical Head Infectious Diseases na AstraZeneca.

O painel iniciou com Hubert Leufkens, que destacou a explosão de conhecimento e de inovação que surgiu em 2020 graças à pandemia da COVID-19. Neste espaço de tempo foram publicados mais de 15 mil artigos sobre vacinas, que mencionaram a COVID-19 ou a SARS-CoV-2, um grande aumento face aos anos anteriores. Houve também um grande avanço no desenvolvimento das vacinas, já que num ano os cientistas conseguiram criar várias vacinas para combater o vírus.

Um grande contributo do digital foi a criação de uma plataforma digital com toda a informação, na qual se relatou em tempo real – e se relata ainda hoje – os casos da COVID-19, a vacinação e as medidas tomadas nos países. O Professor mencionou ainda o grande aumento de testes clínicos da COVID-19, destacou a Europa e os Estados Unidos como líderes a nível mundial neste campo.

Foi ainda abordada a dificuldade que existe em separar as notícias falsas e a desinformação da informação verdadeira, que pode ajudar a criar medidas e políticas eficientes na Europa e em todo o mundo. Com a pandemia surgiu um grande fluxo de informação e diversos pontos de vista em determinados tópicos no campo da ciência. Contudo, Hubert Leufkens considerou que somos “afortunados” por ter tanta informação sobre a pandemia. Entre os desafios que a ciência enfrenta, Hubert aponta que os dados académicos, da indústria e da saúde pública devem ser partilhados para que o público esteja informado, e que os fatores não quantificáveis, como o impacto social e comportamental, também devem ser tidos em conta.

Por sua vez, Hugo Gomes da Silva, abordou quatro casos nos quais o digital levou à inovação e ajudou a responder à situação pandémica. Em primeiro lugar, a plataforma que foi desenvolvida em 2009 e que esteve “a dormir” até 2020, um sistema de dados que permitiu aos países recolherem informação e monitorizarem em tempo real a propagação do vírus e outras informações relevantes. Em segundo, a criação de dados em tempo real sobre diagnósticos, tratamentos, vacinação e anticorpos, e a partilha de documentos que permitiram o desenvolvimento das vacinas e de medidas para lidar com a situação em curto tempo. Após a aprovação das vacinas, foram levantadas muitas questões sobre a eficácia e segurança de as tomar; o digital permitiu, através de várias plataformas, a colaboração dos reguladores, dos governantes e dos políticos, no combate ao vírus. Por último, como acrescentou o especialista, o digital facilitou a transmissão de informação médica e passar a informação à população, combatendo dessa forma a desinformação, que impediu muitas pessoas de tomar a vacina.

Em suma, os dois oradores sublinharam a ideia de que a pandemia da COVID-19 não trouxe componentes inovadores, mas permitiu que estes fossem melhorados e utilizados, e que é importante haver partilha de experiências e informações.

Seguiu-se a Mesa 2, que teve como tema “O SNS e as task-force contra o SARS-CoV-2 – A relevância das tecnologias digitais na estruturação dos processos (Use Cases)” com os preletores Paula Vasconcelos, da Gestão de Emergências em Saúde Pública da Direção Geral da Saúde, Eduardo Freire Rodrigues, CEO e co-fundador da UpHill e Margarida Castro Martins, Diretora do Serviço Municipal de Proteção Civil da Câmara Municipal de Lisboa.

Paula Vasconcelos falou sobre “A organização (processos, tecnologia e pessoas) das Task-forces”. A forma de organização para se responder a emergências de saúde pública é, segundo a própria, simples: resume-se a ter procedimentos, tecnologias e recursos humanos “capazes de atuar”. A digitalização tem um papel “primordial” nesta organização, quer seja para ” a deteção em tempo real”, para avaliar “os dados mais importantes que permitam saber o que se está a passar”, ou para “facilitar as respostas em tempo adequado e reduzir, prevenir e eventualmente controlar de forma capaz os desafios de emergências”. Existem, assim, plataformas de partilha de informação internacionais às quais as Task-forces têm de responder. Como Paula Vasconcelos exemplificou, “Portugal tem sido um dos países que mais tem utilizado ferramentas novas como a epidemic intelligence”, e fez parte do UHPR – Universal Health and Preparedness Review, uma iniciativa da Organização Mundial de Saúde.

De seguida, Eduardo Freire Rodrigues abordou “A integração nacional dos sistemas de informação na gestão da pandemia”. O seu principal foco foi a ferramenta Trace COVID-19, que foi desenvolvida logo após o aparecimento dos primeiros casos de COVID-19 em Portugal, para ajudar os profissionais de saúde. Em apenas 15 dias, a plataforma ficou disponível a nível nacional, tendo alcançado no primeiro mês 155 mil utentes inscritos e 25 mil casos registados. Como referiu, a Trace COVID-19 “surgiu na necessidade de criação de um sistema de informação que conseguisse centralizar estes casos e o rastreio de contactos numa perspetiva de exponenciação da capacidade dos profissionais de saúde.” Uma só plataforma agregava informação de múltiplos sistemas de informação.

Em termos de saúde pública digital, o médico considerou que esta “é muito mais que sistemas de registos”, sendo atualmente o principal problema o facto da maioria dos sistemas serem registados sem conhecimento. “Existe a necessidade de mudar de uma base de sistemas de registos para uma base de sistemas de inteligência, que capacitem a profissão”, apontou, destacando quatro benefícios: o empoderamento dos profissionais de saúde, a prevenção do erro, a automatização das tarefas de baixo valor acrescentado e a maximização dos resultados em saúde.

Por último, Margarida Castro Martins, falou sobre “A articulação local com as estruturas nacionais”. A profissional começou por referir que “os municípios foram a força operacional das autoridades de saúde no combate à pandemia”, e que existiram entre eles “exigências e necessidade de articulação diferentes” – como no caso de Lisboa, que devido à sua dimensão, teve oito centros de vacinação. Na sua apresentação deu a conhecer as várias etapas que foram desenvolvidas, e que foram evoluindo de acordo com as normas e as orientações da saúde que iam sendo dadas; desde os centros de vacinação, às visitas domiciliárias para confirmar o confinamento dos cidadãos contaminados, ao processo de testagem – no qual a iniciativa Lisboa Protege foi pioneira -, até à vacinação – a que realçou ter sido a “mais exigente”. Um ponto assente foi também que todo este esforço foi resultado da articulação entre o INSA – Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, a Cruz Vermelha, o ARS – Administração Regional de Saúde e a Associação Nacional de Farmácias.

O evento encerrou com a Mesa 3, com foco no tema “Iniciativas Digitais em Portugal determinantes na luta contra o SARS-CoV-2 – Os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, as Farmácias e os Cuidados Primários (Use Cases)”. Teresa Torres, da Associação Nacional de Farmácias, Vera Pires da Silva, Médica de Família, Coordenadora de Equipa Regional de Apoio (ERA) aos Cuidados de Saúde Primários e Bruno Trigo, Diretor de Sistemas de Informação dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, foram os oradores deste painel.

Na sua apresentação, Teresa Torres falou sobre “A interoperabilidade sistémica das soluções de apoio ao cidadão na testagem do COVID”. O processo de testagem foi desenvolvido durante um longo caminho desde novembro de 2020, no qual culminou com a capacitação das farmácias como uma rede de profissionais de saúde totalmente capacitados para dar resposta ao desafio que foi a COVID-19. Foi em janeiro de 2021 que “abriu-se uma enorme porta”, revela Teresa Torres, quando as farmácias foram “colocadas no plano nacional de testagem”. Os principais desafios no qual o digital teve um grande contributo foram, em primeiro lugar o registo das farmácias junto das entidades de saúde como a ERS – Entidade Reguladora da Saúde, o SINAVE – Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica e o INSA – Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, para a prestação dos serviços de testagem. Outro problema foi garantir que a comunicação dos resultados era dada em tempo real, o que foi possível graças à plataforma Glintt. Como explica: “houve uma necessidade dos sistemas informáticos das farmácias se adaptarem e conseguirem ligar-se em particular ao SINAVE, para que essa informação fosse rapidamente ao ponto que tinha que chegar”. Seguiu-se a parceria com o Município de Lisboa e o Governo Regional da Madeira, que exigia o estabelecimento de pontes para implementar um programa de testagem de proximidade com garantia de acesso de acordo com as regras estabelecidas pela Autarquia. O agendamento do serviço na rede de farmácias foi também um desafio, já que existia uma grande procura. Isto resolveu-se com a criação de uma plataforma nacional de agendamento de testes, a app nacional The Loop. Por último, foi necessário o acesso à informação de elegibilidade da pessoa para ter acesso à comparticipação de testes COVID-19 pelo SNS, que foi possível através do Serviços Partilhados do Ministério da Saúde.

“As soluções digitais de apoio ao cidadão e à saúde pública nos Agrupamentos de Sistemas de Saúde” foi um ponto desvendado por Vera Pires da Silva. Como começou por realçar, “as soluções digitais em Portugal não surgiram ontem”, existem desde 1998 com a Telemedicina no Hospital Pediátrico de Coimbra. Existem, ainda, várias soluções ao serviço dos Cuidados de Saúde Primários (CSP), como por exemplo, o SCLínico – Sistema de Cuidados de Saúde Primários, o RSE – Registo de Saúde Eletrónico, a PEM – Prescrição Eletrónica Médica e a Receita Sem papel. Os dados demonstram que 775 mil portugueses tiveram uma consulta médica marcada por telemedicina no período pandémico, e que o número destas consultas não presenciais teve um grande crescimento, que ainda hoje se mantém acima das presenciais – passando dos 9 milhões para os 18 milhões em 2020 e os 20 milhões em 2021.

Por fim, Bruno Trigo fechou a sessão com o tema “O Sistema de Informação do Certificado Digital: Os desafios, a solução e os resultados”. A SPMS tem perto de 150 sistemas, dos quais “alguns antes da pandemia eram importantes, mas não eram assim tão relevantes no contexto do ecossistema dos sistemas de informação”, considerou. Na sua apresentação o diretor de Sistemas de Informação dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde abordou as várias jornadas, que inicia com as vacinas, com o projeto VACINAS, seguindo-se a jornada da recuperação, com o TRACE COVID-19, o qual sublinhou que “é capaz de ser um dos primeiros sistemas mais importantes que foi criado com um contexto total, ou seja, contexto de operação – tem analítica em cima do que é a operação, quantas são, quem fez, em que horas, para que utentes e para que faixa etária.

Falou ainda sobre a aplicação móvel SNS24, lançada em junho de 2021, que foi reeiventada com base na antiga App MySNS Carteira de janeiro de 2017. De 1 milhão de utilizadores a App passou a ter 6 milhões neste período, aumento justificado sobretudo devido à disponibilização do Certificado Digital. O Certificado Digital COVID da União Europeia foi também uma tecnologia inovadora que permitiu constituir uma prova digital do estado de saúde de um cidadão relativamente à COVID-19. “Toda esta panóplia de decisões que foram tomadas ao longo do tempo é que resultaram que a nossa capacidade de resposta fosse efetivamente diferente”, garantiu.





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