COP15: ONGs pedem entendimento “ao estilo do Acordo de Paris” porque “o planeta está em crise”



Os olhos do mundo estarão, a partir de hoje e até dia 19, postos na cidade canadiana de Montreal, onde centenas de delegações que representam Estados, organizações não-governamentais (ONGs) e o setor privado discutirão o futuro da relação dos humanos com a natureza.

Os ambientalistas salientam a urgência de passar das palavras às ações, com a implementação de medidas concretas que permitam proteger a diversidade de formas de vida que habitam o planeta Terra, bem como a sua diversidade genética e os seus habitats.

Em declarações à ‘Green Savers’, Ângela Morgado, Diretora-executiva da ANP|WWF, explica que “face à perda acelerada da biodiversidade e à crescente insegurança alimentar” torna-se “crucial que, nesta COP 15, os líderes mundiais consigam assegurar um acordo global ambicioso para proteger e restaurar a biodiversidade”.

Ecoando as conclusões do seu mais recente relatório acerca do estado da natureza a nível global, a responsável assinala que “a natureza está a declinar a taxas sem precedentes na história da humanidade, com um milhão de espécies agora ameaçadas de extinção”. Contudo, salienta que, ao mesmo tempo, “as pessoas estão a tornar-se cada vez mais conscientes desta crise e a temática da natureza e das alterações climáticas ocupam cada vez mais espaço mediático”.

Ângela Morgado afirma que é preciso “pressionar” os líderes mundiais para que na COP15 seja adotado “um acordo ao estilo do Acordo de Paris”, que seja “capaz de conduzir a uma ação imediata para travar e inverter a perda de biodiversidade até 2030”. O objetivo central, acrescenta, é “ter mais natureza no final da década do que temos agora”.

Desta COP15, deverão emergir “compromissos claros para assegurar um acordo global de biodiversidade ambicioso, transformador e inclusivo” que permita, o mais rapidamente possível, “inverter a perda de biodiversidade até 2030, em prol de um mundo positivo para a natureza, em apoio à ação climática e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”.

Apontando que os líderes mundiais “prometeram assegurar um acordo global ambicioso” e que a cimeira de Montreal “é o momento para cumprir este acordo”, a responsável da ANP|WWF alerta que “estamos preocupados com a falta de apoio político e de liderança vista até agora para ultrapassar os bloqueios nas negociações”. O fracasso da COP15 “terá consequências potencialmente devastadoras tanto para as pessoas como para a natureza”, avisa.

Por sua vez, a associação ambientalista Zero sentencia que “não podemos subestimar a importância da COP15”, pois “o planeta está em crise”, sendo que atualmente se estima que cerca de um milhão de espécies estejam ameaçadas de extinção.

“A menos que tomemos medidas efetivas para lidar com as causas subjacentes da perda de biodiversidade, espera-se que o declínio continue a acelerar, impactando a nossa qualidade de vida, bem-estar e o futuro de toda a vida na Terra.”

Apesar de considerar que saíram “sinais positivos” das negociações que se têm realizado nos últimos anos no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica (CBD), a Zero deixa um alerta: “há um conjunto de preocupações que permanecem pela dominância de interesses de algumas empresas e a relutância de [muitos Estados] em se comprometerem com os passos necessários para garantir o futuro de toda a vida na Terra”.

Apontando que para travar a perda de natureza é fundamental que seja os governos do mundo aprovem o Quadro Global pós-2020 para a Biodiversidade, que “gerará ação política e apoio financeiro nos próximos anos”, a organização receia que “com apenas 14 dias de negociações restantes e centenas de desacordos entre as Partes, muitos deles profundos”, possamos vir a assistir a “um desastre diplomático”.

Para que ‘Viver em harmonia com a natureza’ possa deixar de ser um mero slogan e possa tornar-se uma realidade, tal como defendido na visão 2050 da CBD, é preciso que essa estratégia “reflita um paradigma verdadeiramente novo na conservação da biodiversidade”, explica a Zero, em que esteja contemplado o “respeito pelos direitos, funções, necessidades e aspirações de elementos como os Povos Indígenas, mulheres e comunidades locais”.

A organização denuncia que a biodiversidade a nível global está a ser ameaçada por atividades destrutivas, como a “conversão de terras em monoculturas agroindustriais”, pela “extração contínua de combustíveis fósseis, mineração e desflorestação”, que são “cinicamente” financiadas pelos Estados.

E estima que “os governos gastam cerca de 500 mil milhões de dólares anualmente em subsídios e outros incentivos perversos que promovem atividades que prejudicam a biodiversidade”. É por isso que defende que “mais do que o novo financiamento” é fundamental “evitar o financiamento prejudicial”.

Por sua vez, a Liga para a Proteção da Natureza (LPN), em comunicado, frisa que “a COP15 não pode ser mis uma oportunidade falhada de passarmos da retórica à ação” e que a perda de natureza é um problema que “continua longe da resolução”.

A organização destaca que proteger o mundo natural é proteger, ao mesmo tempo, as sociedades humanas, pois “cerca de 75% das colheitas do mundo dependem de polinizadores, metade o PIB global depende da natureza e 70% dos medicamentos contra do cancro são naturais ou inspirados na Natureza”.

Lembrando que não é possível separar a crise da biodiversidade da crise climática, a LPN diz que “a continuada perda de biodiversidade tornará ainda mais difícil atingirmos as metas das últimas COP do clima”, argumentando que “é com ecossistemas saudáveis e soluções baseadas na Natureza que combatemos as demais crises ambientais mundiais”.

A LPN considera que, a ser adotado pelo Estados-parte, o acordo global para a biodiversidade “pode ter um impacto semelhante ao que o ‘Acordo de Paris’ teve para a ação climática”, e que as metas desse acordo “devem ser apoiadas por um forte processo de monitorização e revisão, bem como disposições claras sobre o financiamento, público e privado, nacional e internacional”.

Essa ONG confessa estar “e apreensiva com o impacto que a pandemia da COVID-19 possa ter, direta ou indiretamente, nos objetivos da COP15, como os atrasos nas negociações (já sentidos) e um menor apoio dos países ricos aos países em desenvolvimento para a implementação das metas que venham a ser adotadas”.

“É fundamental um esforço coletivo, com ética e espírito de colaboração, de todas as Partes, para se conseguir a concertação de metas e de caminhos. Precisamos que as transformações que resultarem da COP15 sejam sistémicas e exponenciais, e realizadas com sentido de justiça”, conclui.

Já a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) diz que “é imperativo que as nações se comprometam a liderar ações concretas para travar e reverter a perda da biodiversidade, criando um quadro que respeite, proteja e assegure o direito humano a um ambiente saudável para todos”. E sentencia que “Portugal tem de contribuir para esse desfecho”.

Domingos Leitão, Diretor-executivo da organização, observa que “se o Estado Português não sair da COP15 a implementar políticas financeiras efetivas de proteção e restauro ecológico, então o futuro da biodiversidade e dos serviços de ecossistema em Portugal é incerto”.

“Se Portugal e a União Europeia não fizerem o que deve ser feito pela natureza e pelas pessoas, então como podemos dizer a países com menos meios económico para o fazerem?”, interroga o responsável.

A SPEA avisa que, para ser possível travar a extinção das espécies, “é crucial que os líderes mundiais se comprometam com medidas concretas para salvaguardar, proteger e interligar os ecossistemas e áreas importantes para a biodiversidade que ainda nos restam, bem como para restaurar ecossistemas degradados e garantir que as áreas protegidas são geridas de forma eficaz e equitativa”.

Por cá, “esses compromissos dependem não só dos organismos do Ministério do Ambiente, mas também da Agricultura, Florestas e Pescas, pois muitas das políticas de proteção da natureza e restauro ecológico terão de ser aplicadas e financiadas por esses sectores”.

Assinala a ONG que “o Ministério da Agricultura terá de tomar as decisões políticas de investir parte dos 9 mil milhões de euros da Política Agrícola Comum (PAC) em medidas efetivas de apoio à biodiversidade rural e florestal”, salientado que “as espécies e os ecossistemas dependentes de gestão agrícola são os mais ameaçados da Europa”.

A SPEA defende que é importante “investir dinheiro do Fundo das Pescas nos pescadores e nas pescarias que aplicam métodos para evitar a captura acidental de aves e mamíferos marinhos, e nas aquaculturas que não apliquem sistemas que matem aves e outros animais”.

“A tão famigerada bazuca europeia, o PRR, não pode financiar projetos de impacto severo na natureza, como a projetada barragem do Pisão e os 50 mil hectares de regadio associados ao projeto”, recorda Domingos Leitão, que aponta que “p Governo de Portugal tem de colocar mais dinheiro dos vários programas comunitários e nacionais, como o Fundo Ambiental, na proteção da natureza”.

“E não se trata só de construir passadiços e outros equipamentos de visitação, trata-se de restaurar habitats fundamentais, como a floresta Laurissilva, as zonas húmidas, as dunas e outros habitats costeiros”, remata.





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