COP15: Organizações saúdam “grande vitória para o planeta” mas lamentam falta de ambição



A cimeira global da biodiversidade, a COP15, chega ao fim esta segunda-feira, depois de perto de suas semanas de duras negociações, e culminou, como se esperava, na adotação do Quadro Global para a Biodiversidade Pós-2020, cujos principais eixos estratégicos eram o fim da perda de natureza e a sua recuperação, com a proteção de 30% dos ecossistemas em terra e no mar.

Contudo, apesar de reconhecerem o desfecho como positivo, algumas organizações ambientalistas consideram que o texto do documento fica aquém do que seria desejável e que perdeu grande parte da sua força, reduzindo a ambição para poder conquistar a aprovação da generalidade dos Estados-parte da Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica.

A associação Zero, em comunicado, aponta que “esta madrugada foi finalmente dada luz verde a um acordo histórico na forma do Quadro Global de Biodiversidade Kunming-Montreal que procura colocar a humanidade no caminho certo, com a visão de ‘viver em harmonia com a natureza’ em 2050”, conseguindo-se uma “grande vitória para o planeta”.

Essa estratégia global estabelece metas para 2030 e para 2050, cujo objetivo é travar a perda de biodiversidade e reverter a tendência de extinção massiva de espécies a que se tem assistido nas últimas décadas, fruto, especialmente, da ação humana sobre o mundo natural.

Assim, os líderes mundiais reunidos em Montreal, no Canadá, concordaram que, até 2050, a extinção de espécies associada à atividade humana deixaria de existir, em “aumentar a abundância de espécies selvagens nativas”, em “manter a diversidade genética das populações” e em “garantir meios adequados de implementação, reduzindo-se a lacuna de financiamento da biodiversidade em relação aos desejáveis 700 mil milhões de dólares por ano”, segundo destaca a Zero.

Baleia-de-bossa (Megaptera novaeangliae)

Para 2030, a metas aprovadas foram 23, sendo que se podem salientar a proteção de, no mínimo, 30% dos ecossistemas terrestres, marinhos, de água doce e costeiros, bem como a recuperação de, pelo menos, 30% de habitats degradados, procurando, dessa forma, restaurar os equilíbrios ecológicos e os serviços fornecidos por esses ecossistemas às populações humanas.

Além dessas metas, foi também acordada a criação de um novo fundo para reforçar o financiamento disponibilizado, especialmente aos países em desenvolvimento, para projetos de conservação da biodiversidade.

Apesar das conquistas, acrescenta a Zero, “existiam um conjunto de metas quantificadas de longo prazo (2050) relativas ao aumento da área de ecossistemas naturais ou da percentagem de espécies em risco e que desapareceram” e que “um dos objetivos relevantes era atingir-se a classificação de 30 por cento de áreas terrestres e 30 por cento de áreas marinhas e tal passou a ter um único valor conjunto”.

Já a Liga para a Protecção da Natureza (LPN), embora considere que foram conseguidas “metas fortemente positiva”, não deixa de manifestar “uma grande preocupação”, porque, no decorrer das negociações em Montreal, o texto foi perdendo “objetivos explícitos e quantitativos para a implementação das várias metas” que constavam das primeiras versões do documento.

“Perdeu-se assim o sentido de urgência que levou ao lançamento do [Quadro Global para a Biodiversidade] e passou a ser fácil arrastar a implementação do acordo”, alerta a LPN, explicando que, por exemplo, nas primeiras versões do documento indicavam “que a área de ecossistemas naturais ameaçados deveria crescer pelo menos 5% até 2030 e 15-20% até 2050, mas o texto aprovado indica apenas que a área deve crescer de forma “substancial”, sem definir o que considera ‘substancial’”.

Garça-da-mata (Agami agami)
Crédito: Joe Tobias

Em comunicado divulgado hoje, Jorge Palmeirim, presidente da associação, assinala que “Apesar das suas limitações, este Quadro Global da Biodiversidade assume princípios ambiciosos, que resultam em grande parte do bom trabalho de negociação realizado pela União Europeia, sendo por isso fundamental que a Europa seja um bom exemplo na sua implementação e generosa no apoio à conservação nos países em desenvolvimento, tanto através do financiamento como da capacitação técnica”.

Por isso, o responsável aponta que “isso criará condições para conseguirmos em COP futuras alcançar as metas que tiveram agora de ser abandonadas”.

No que toca a Portugal, tanto a Zero como a LPN consideram que, agora que o documento foi aprovado, o país terá de verter as metas para a biodiversidade na legislação nacional e implementá-las.

Diz a Zero que “é fundamental que as decisões agora tomadas à escala global tenham um reflexo em todas as políticas nacionais, e em particular no domínio da conservação da natureza”, apontando que “é preciso atingir-se antes de 2030 a classificação de 30 por cento de áreas terrestres e de áreas marinhas, assumir uma maior urgência nos planos de gestão das Zona Especiais de Conservação ao abrigo da legislação europeia, garantir que não há subsídios que promovam a destruição da biodiversidade, assegurar medidas de controlo e erradicação de espécies invasoras, dando-se também destaque a uma maior comunicação junto das populações da relevância da biodiversidade, integrando-as nos processos de decisão”.

Por sua vez, a LPN, destacando que “Portugal manteve-se alinhado com as metas ambiciosas dos seus parceiros da União Europeia”, diz que esta “atitude positiva” deve manter-se “durante os próximos anos, implementando o QGB de forma satisfatória no seu território e apoiando, tanto ao nível financeiro como de capacitação técnica, países em desenvolvimento, com especial destaque para os PALOP”.

A nível internacional, a Greenpeace assinala como positivo o reconhecimento dos direitos, os territórios e o conhecimento dos povos indígenas “como a proteção mais eficaz da biodiversidade”, mas alerta que a decisão ficou aquém do que seria preciso para realmente proteger e recuperar a natureza.

Para An Lambrechts, que lidera a delegação da organização ambientalista na COP15, “os povos indígenas são os guardiões da natureza mais capazes e com mais conhecimento”, pelo que a diversidade biológica a nível global só poderá ser efetivamente protegida com a sua liderança.

Ainda assim, lamenta que o acordo final que foi adotado falhe na ambição, bem como na mobilização de financiamento, “para travar a extinção massiva”, salientando que os objetivos de proteção de 30% ecossistemas terrestres e marinhos foram enfraquecidos e que é um mero “número vazio”.





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