COP28: África aposta em fundo de perdas e danos e mais dinheiro para adaptação às alterações climáticas
África chega à 28.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP28) com a expectativa de ver operacionalizado o Fundo de Perdas e Danos, aprovado há um ano, e reforçado o financiamento para adaptação às alterações climáticas.
A operacionalização no Dubai do fundo de 100 mil milhões de dólares anuais para acorrer a perdas e danos decorrentes das alterações climáticas sofridos pelos países em desenvolvimento, aprovado em Sharm El-Sheikh, no Egito, há um ano, enfrenta porém vários desafios.
A poucas horas do início da COP28, quinta-feira, não só não é adquirido que este novo mecanismo de financiamento venha a ser aprovado, como, mesmo que o seja, venha a ter melhor “sorte” do que o compromisso assumido pelos países desenvolvidos em 2009 – e prolongado em 2015 até 2025 na COP21 em Paris – de mobilizarem 100 mil milhões de dólares por ano para a ação climática nos países em desenvolvimento.
Nunca os países desenvolvidos honraram esse compromisso. Em 2021, o total do financiamento climático disponibilizado e mobilizado pelos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento não ultrapassou os 89,6 mil milhões de dólares, segundo os números mais recentes da OCDE.
Deste montante, 53,8 mil milhões de dólares foram destinados a ações de mitigação e apenas 24,6 mil milhões aos programas de adaptação às alterações climáticas, de âmbito mais estrutural. África quer ver este padrão alterado em benefício do segundo tipo de intervenções.
Os desafios que a operacionalização do Fundo de Perdas e Danos (FPD) enfrenta incluem, por exemplo, a resposta ainda a obter sobre quem irá contribuir para o fundo, e se a base de nações contribuintes pode ser alargada a países com elevados níveis de emissões, como a China e a Índia, mas não só.
Não é igualmente claro quem deve poder aceder ao FPD, se todos os países em desenvolvimento ou apenas os particularmente vulneráveis. Como será estruturado e que domínios prioritários deverá incluir são também questões por definir.
Mas o continente africano chega ao Dubai preparado para uma abordagem a uma só voz, respaldado nas conclusões aprovadas na primeira Cimeira Africana para o Clima, realizada em setembro na capital do Quénia, e na campanha que, desde então, o presidente do país, William Ruto, líder em exercício do Comité dos Chefes de Estado africanos para as Alterações Climáticas, tem vindo a fazer na defesa da chamada “Declaração de Nairobi”.
África exige a alteração das regras do financiamento ao desenvolvimento, libertando-as dos “ciclos de dívida e dependência”, na expressão utilizada por Ruto na semana passada no Parlamento Europeu, em Estrasburgo.
De acordo com a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, os países em desenvolvimento precisam de mobilizar entre 5,8 e 5,9 biliões de dólares antes de 2030 para cumprirem os seus objetivos de redução das emissões de gases com efeito de estufa (GEE), mas enfrentam um custo de capital substancialmente mais elevado do que nos países mais ricos.
O Grupo Independente de Peritos de Alto Nível do Banco Mundial sobre o Financiamento do Clima concluiu, em março deste ano, que a meta de conter o aquecimento global abaixo dos 1,5º até 2030 custará aos mercados emergentes e aos países em desenvolvimento, com exceção da China, cerca de 1 bilião de dólares por ano até 2025 e cerca de 2,4 biliões de dólares por ano até 2030.
O problema para África é que os custos de financiamento são substancialmente mais elevados para os países em desenvolvimento. Os governos que emitem uma moeda de reserva internacional acedem ao crédito a dez anos com taxas entre 1% e 4% ao ano, enquanto os países em desenvolvimento contraem empréstimos a uma média de 14%, segundo um resumo recente das Nações Unidas.
O continente apresenta-se no Dubai com vários argumentos incontornáveis para necessidade urgente de uma mudança do estado de coisas. É a região do mundo que menos contribui para as alterações climáticas e, ao mesmo tempo, a mais afetada por elas. Apesar de contribuir com apenas 3 a 4% das emissões globais históricas de carbono, em 2023, as condições meteorológicas extremas causaram, pelo menos, 15.700 mortes em África e afetaram mais 34 milhões de pessoas, segundo a ONU.
África encontra-se também numa encruzilhada, do ponto de vista do seu desenvolvimento, reforçada pela descoberta recente em vários países de recursos importantes de energias fósseis, como é o caso de Moçambique.
“Há muitos países africanos que têm vindo a encontrar petróleo e gás nos últimos anos, que agora dizem: ‘Temos estado todo este tempo à espera de utilizar os nossos próprios recursos de combustíveis fósseis para o desenvolvimento dos nossos países, e agora o mundo em desenvolvimento diz-nos que devemos recorrer à energia verde’”, resumia, há dias, Ngozi Amu, chefe de Investigação e Análise do gabinete das Nações Unidas para a África Ocidental e Sahel, num seminário promovido pelo Institute for Security Studies, um instituto de análise estratégica sul-africano.
“São questões que não foram colocadas em cima da mesa tanto quanto deveriam tê-lo sido nesta discussão sobre o fundo de resposta a perdas e danos e na discussão sobre o financiamento para a adaptação climática, que África merece, dado o pouco que, enquanto continente, contribui para as emissões de gases com efeito de estufa”, acrescentou.