Descarbonização em Portugal: “Falta ainda dois terços do caminho para chegar à neutralidade”



Entre 2005 e 2022, Portugal reduziu as suas emissões de gases com efeito de estufa em cerca de 34%, mas para alcançar a neutralidade carbónica em meados do século tem ainda de percorrer “um longo caminho”, disse António Pires de Lima, presidente do BCSD Portugal.

Durante a conferência anual da associação sem fins lucrativos que ajuda as empresas a trilharem o caminho para a sustentabilidade e que contou com a Green Savers como media partner, o ex-ministro da Economia do Governo de Passos Coelho e atual CEO da Brisa subiu ao palco da Cordoaria Nacional, em Lisboa, para alertar para os desafios que ainda têm de ser enfrentados por empresas e sociedade em geral no que toca à transformação necessária para proteger pessoas, negócios e planeta.

Embora considere que nos últimos 16 anos a evolução do mundo no que toca a emissões de gases com efeito de estufa “não é propriamente positiva”, com um aumento de 24% globalmente, Pires de Lima não deixou de salientar que a Europa tem assumido uma posição de destaque e liderança na transição para economias e sociedades mais sustentáveis, mostrando que é possível assegurar o bem-estar das populações e, ao mesmo tempo, caminhar “na direção certa”.

Também Portugal tem tido um desempenho favorável no que toca aos cortes nas emissões de gases com efeito de estufa, segundo Pires de Lima, mas avisou que “falta ainda dois terços do caminho para chegar à neutralidade”, que deverá, de acordo com os compromissos assumidos no plano europeu, ser alcançada já em 2050.

Ainda assim, afirmou que não há razões para alarme, mas que é preciso continuar o caminho. “Não vale a pena vivermos com alarmismos, mas o sentido de urgência é óbvio”, salientou o executivo, avisando que no setor dos transportes e mobilidade é preciso fazer muito mais.

Enquanto no setor da energia, por exemplo, “o progresso tem sido fantástico” no que toca à descarbonização, nos transportes “ainda há muito trabalho a fazer”, representando perto de 30% das emissões totais de gases com efeito de estufa no país, sendo, por isso, “um dos principais emissores nacionais”.

O cenário torna-se ainda mais preocupante quando se percebe que as emissões do setor dos transportes, em contracorrente, têm vindo a aumentar. Estima-se que em 2015 tenha sido inferior a 20% do total de emissões em Portugal.

E Pires de Lima argumentou que “as emissões têm continuado a aumentar, porque o uso do transporte rodoviário, e dos aviões, continua a aumentar”, pelo que defendeu uma maior aposta na utilização da ferrovia em detrimento da aviação sempre que possível.

Além disso, o antigo governante destacou que apesar de Portugal parecer que e “o campeão da mobilidade elétrica”, “apenas 3% do parque automóvel português é elétrico”, criticando o facto de as estações de carregamento tenderem a concentrar-se em instalações empresariais e em zonas urbanas, algo que, disse, dificulta a transição para uma mobilidade livre de combustíveis fósseis.

O pilar social da sustentabilidade nas empresas

Para além das questões ambientais, António Pires de Lima alertou que é preciso investir mais em diversidade, equidade e inclusão (DEI) nas empresas portuguesas.

O responsável apontou que em 7% das empresas falta apoio das lideranças para implementar estratégias com vista a maior diversidade e inclusão nas organizações e que 58% delas reconhece não ter os conhecimentos ou as competências necessárias para concretizar práticas mais robustas de DEI.

Apesar de dizer que no universo as empresas associadas do BCSD Portugal “empregam tanto homens como mulheres”, avisou que “depois de estarem dentro das empresas é outra realidade”. Isto, porque, por exemplo, no que toca a promoções, os homens continuam a ser promovidos o dobro das vezes comparativamente às mulheres, e “há muito mais homens em funções de liderança do que mulheres”.

E essas desigualdades são também visíveis ao nível dos salários, com Pires de Lima a apontar que “em alguns casos, existem disparidades salariais injustificadas entre homens e mulheres”, mesmo em empresas associadas do BSCD Portugal.

“É óbvio que uma maior diversidade nos centros de tomada de decisão leva a melhores decisões”, sublinhou, comentando que “a educação, a consciencialização e a formação” são elementos fundamentais da jornada das empresas rumo à sustentabilidade.

Uma nova forma de estar no planeta?

A conferência contou ainda como uma intervenção, pré-gravada, do CEO do WBCSD, a entidade global da qual o BCSD Portugal faz parte. Peter Bakker apontou que “as pessoas e o planeta devem estar no centro da transformação das empresas” e que as organizações estão cada vez mais a questionar-se sobre de que forma as alterações climáticas, a perda de biodiversidade e os impactos sociais de todas essas crises planetárias podem afetar os seus negócios, bem como sobre como podem ajudar a combatê-las.

O economista John Elkington, considerado um nome incontornável da responsabilidade social e sustentabilidade das empresas, tomou também da palavra para lembrar que “é incrível como a linguagem da sustentabilidade penetrou todos os cantos do mundo dos negócios”.

O economista John Elkington, considerado um nome incontornável da responsabilidade social e sustentabilidade das empresas. Créditos: Filipa Lima Gomes

E apontou a importância do reporte como “absolutamente central” para a transformação sustentável das empresas, que cada vez mais percebem que os negócios, o ambiente e a sociedade dependem uns dos outros, e impactos negativos numa dessas dimensões terão efeitos nas outras duas. Ainda assim, alertou para movimentos de resistência à transformação sustentável das empresas e à polarização e politização do tema, que, segundo ele, tenderão a aumentar nos próximos anos, pelo que são expectáveis ainda mais desafios.

Por sua vez, John Fullerton, do grupo de reflexão Capital Institute, advogou uma nova forma de pensar a economia. De acordo com este “economista não-convencional”, como é apelidado por alguns, o pensamento económico tradicional está “divorciado da realidade”, e o estado atual do planeta é disso reflexo.

Como tal, defende uma nova abordagem, a que chama de ‘economia regenerativa’, que, em traços largos, pretende alinhar a economia com os processos através dos quais “a vida realmente funciona” e transformar a lógica extrativista que domina o sistema económico global em prol de uma que ponha a economia ao serviço do bem de todos, planeta e pessoas.

John Fullerton, do Capital Institute, que participou na conferência do BCSD Portugal por videochamada, cunhou o conceito de “economia regenerativa”, que procura alinhar a economia com a Natureza e transformar a lógica extrativista dominante em prol de uma que faça a economia trabalhar com a Natureza, e não contra ela. Créditos: Filipa Lima Gomes

Fullerton acredita que na regeneração reside um grande potencial para prosperidade e que não está a ser aproveitado e por vezes não é sequer considerado pelo pensamento económico convencional. O especialista reconhece que o que propõe é uma mudança “muito desconfortável, muito radical”, mas ainda assim necessária, pois não é possível considerar a economia fora das sociedades e, claro, do planeta em que se desenvolve e dos quais depende.

Em conversa com a ‘Green Savers’, admitiu que não espera que a economia regenerativa passe a ser a norma durante a sua vida, mas apontou que os efeitos das alterações climáticas, cada vez mais intensos e devastadores, farão o mundo ver que não há outra opção que não seja mudar a forma como as economias funcionam e lidam com o planeta Terra.





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