Desporto precisa de melhor urbanismo para florescer nas crianças, indica especialista



Melhores práticas ambientais e de urbanismo nas cidades são precisas para que crianças e jovens possam brincar e fruir da atividade física e desportiva, realçou o especialista Carlos Neto à Lusa.

Parte de uma campanha do Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) ligada ao desporto para todos, “que engloba cidades ativas, famílias ativas e escolas ativas”, o professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana (FMH) defende que é precisa “uma visão ecológica de como se deve promover uma estratégia de desenvolvimento desportivo”, a começar nos mais novos.

O ultrapassar de problemas antigos, relacionados com o sedentarismo, inatividade física e obesidade infantil, que colocam Portugal entre o topo dos países com maiores taxas destes indicadores, é uma urgência.

A viver num planeta “em grande transição digital”, mas também “numa transição verde”, o próprio setor do desporto precisa “de sustentabilidade, consciência ambiental, para que o corpo em movimento faça parte dessa estratégia”.

O Programa Estratégico do Desporto Escolar 2021-2025 assenta em seis eixos estratégicos, um deles o “desporto verde e sustentável”, de medidas de aproximação ao mar e rio, por modalidades náuticas, e de estímulo do uso da bicicleta para desporto e para deslocações.

Carlos Neto lembrou um recente discurso do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, no qual ele destaca o desporto como tendo “um papel essencial na consciência dos grandes problemas da Humanidade”, como as alterações climáticas.

Dentro do desporto escolar, este tem de “ser revalorizado dentro da escola, da creche ao secundário”, focando-se no corpo em movimento e na sua articulação na “grande relação entre escola, família e comunidade”, com este último pilar a englobar os clubes, por um lado, e as autarquias, por outro.

“Os municípios também são responsáveis para que crianças e jovens possam fazer desporto regular e intencional. […] É preciso ter cidades com condições para que as crianças possam brincar, as famílias sejam convidadas a vir para a rua, com melhor relação de tempo entre escola e família, com mais cultura lúdica e desportiva”, disse.

Essa revalorização permite colocar o corpo, e o movimento, entre as prioridades, para uma aprendizagem básica que levará, depois, “ao desporto de formação e ao desporto de alto nível”.

Um “urbanismo sem planeamento adequado para que haja uma vida saudável”, para todos, coloca o desporto dependente de “políticas públicas” que tornem o espaço mais acessível aos mais novos.

“Hoje, as crianças não saltam, correm, sobem às árvores, andam de bicicleta na rua”, lamenta.

No campo das políticas públicas, Neto considera Portugal “muito atrasado em relação a muitos países”, não só porque há muitas famílias sem dinheiro suficiente para pagar os custos de uma carreira formativa federada, mas também pela carga horária, com crianças a viver “um inferno, a começar às oito da manhã na escola e acabar às 23:00 no clube”.

“Havendo discussão nacional a nível da descentralização de competências do Estado para municípios, é importante interrogar o papel dos municípios, e eu penso que é muito [grande]”, frisa.

Para o especialista, a “falta de consciência da importância do desporto no desenvolvimento social, na vida”, leva a que as cidades sejam planeadas sem ter os mais novos, e a atividade física, em conta.

A transição digital, como a robótica e avanços noutras áreas tecnológicas, vai transformar “o emprego, o mundo, a sociedade, e inclusivamente o corpo”, e fará o mesmo pelo desporto, dos “problemas éticos” à forma como funciona.

Aí, é necessária uma melhor “articulação de políticas públicas, com melhor planeamento urbano” que leve a “melhor qualidade de vida”, também decorrente de uma prática desportiva que vá “de crianças a idosos”, para um grupo alargado de pessoas, não só “para atletas de alto nível”.

“Temos de olhar para a arquitetura e planeamento das cidades, diminuir os automóveis e aumentar o tempo de caminhar a pé, de andar de bicicleta, de cidades mais verdes, mais amigas das crianças, ter escolas com espaço exterior mais adequado”, comenta.

Para o antigo presidente da FMH, “depois desta pandemia já era tempo de se ter consciência de que as crianças quando vão para o recreio não é só para despender energias”, tendo de ser desafiante para estimular a atividade física e, depois do aperfeiçoamento e especialização, a prática desportiva, seja no desporto escolar seja nos clubes.

“Temos uma cidade centrada numa visão adulta, e pouco centrada no desenvolvimento adequado para as crianças e jovens”, atira.





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