“É tempo de repensar a evolução das cidades e reabilitá-las com base em critérios de sustentabilidade”, Nuno Fideles da Savills
Em entrevista à Green Savers, Nuno Fideles, Senior Architect, BREEAM AP & Sustainability Consultant da Savills Portugal, reflete sobre o papel que a Sustentabilidade tem nas cidades.
A sustentabilidade é um conceito emergente nos vários setores a nível global. Aplicada nas várias vertentes, a sustentabilidade nas cidades é a garantia de um futuro mais eficiente e saudável para todos. A influência esta tem atualmente, e continuará a ter, no futuro das áreas urbanas e do seu planeamento, são alguns dos tópicos abordados nesta conversa.
Veja a entrevista, na íntegra, em baixo:
Que impacto tem a emergência do conceito de sustentabilidade nas áreas urbanas?
Tem um impacto total. Quando falamos de Sustentabilidade, será importante lembrarmos que este conceito é a conjugação de três dimensões, todos elas igualmente importantes:
- Ambiental
- Social
- Económica
Sem este equilíbrio, não existe Sustentabilidade. Se não olharmos para as cidades nestas 3 dimensões, não teremos cidades preparadas para o futuro. A Mobilidade, Reabilitação, Eficiência Energética e Sensibilidade Ambiental não são temas que se excluem reciprocamente.
São uma oportunidade para recuperar o tecido urbano, as áreas históricas das cidades ou áreas industriais abandonadas e desativadas das áreas metropolitanas. São igualmente uma oportunidade para reduzir as necessidades de mobilidade e potenciar as economias locais.
Também se torna uma oportunidade única de transformação dos centros urbanos, com muito menor impacto sobre o Ambiente e sobre a Biodiversidade do que construir de novo, transformando edifícios ineficientes em eficientes, e cuidando de quem os habita … as Pessoas!
Sustentabilidade é isto.
É tempo de repensar a evolução das cidades e reabilitá-las com base nos critérios de sustentabilidade.
Como? Promovendo uma participação pública e ativa na discussão do futuro das cidades, onde os critérios ESG (Environment, Social, Governance) podem, e devem, ser potenciados.
Que transformações urbanas é possível destacar, que estejam já a ocorrer, como resultado desta transição?
Apesar de algumas apostas ganhas, como foi o caso da atual zona do Parque das Nações, em Lisboa, ou a futura reconversão e exploração do Antigo Matadouro Industrial do Porto, urge ainda olhar para os temas da Mobilidade e Ordenamento (classificação do solo) como as dimensões impulsionadoras dos movimentos de renovação das cidades.
O uso do solo é o principal motor da mobilidade numa cidade, promovendo usos mistos e fugindo da rápida urbanização que tem perturbado os padrões de uso do solo. Por isso, torna-se necessário promover a adoção integrada do planeamento urbano através do desenvolvimento concertado entre entidades e municípios, do uso de transporte misto e eficiente, melhorando a conetividade, envolvendo as partes interessadas, para que se melhore a nossa relação com a cidades.
É essencial que se promovam novos ecossistemas e que se preencham as lacunas ecológicas existentes, de uma forma contínua, no meio urbano. No fundo, não construir em espaços novos, mas reabilitar os centros das cidades.
Tomando como exemplo a política de urbanismo levada a cabo pela cidade de Matosinhos, ao ampliar-se os tipos de utilização dos solos nas cidades, é possível criar “microcidades”, em que os locais de dormida ficariam a uma curta distância do local de trabalho, possibilitando a redução das distâncias de deslocação entre estes dois pontos e, desta forma, promovendo a redução das emissões de dióxido de carbono que seriam mais elevadas com deslocações mais longas. Encurtar a distância entre local de residência e local de trabalho é essencial para descarbonizar as cidades.
Na sua opinião, como será uma cidade do futuro, alinhada com a sustentabilidade?
Será uma cidade que consiga equilibrar harmoniosamente 6 critérios importantes:
Ambiente: As cidades dependem da Natureza e dos serviços dos ecossistemas, não só para sustentar a vida, mas também para melhorar a qualidade de vida dos habitantes. Assim, será importante recuperar ecossistemas que preservem e até regenerem os sistemas naturais em contextos urbanos, aumentando, desta forma, os serviços ecossistémicos que prestam e criando comunidades ecologicamente resistentes.
Com esta conjugação ecologicamente harmoniosa, as comunidades urbanas serão mais capazes de resistir e recuperar de inundações episódicas, secas, incêndios florestais e outros eventos catastróficos.
Mobilidade: Sendo o setor dos transportes responsável por um quarto das emissões de gases com efeito de estufa (GEE), a cidade do futuro deverá adotar uma abordagem integrada de planeamento urbano através do desenvolvimento de usos mistos dos solos, transportes eficientes, melhor conectividade e envolvimento de todas as partes interessadas, procurando soluções de proximidade e o mais abrangentes possível.
Eficiência hídrica: A cidade do futuro terá de adotar uma abordagem integrada para a gestão e planeamento da utilização da água e trilhar o caminho para uma cidade com uma rede de água com zero desperdício.
Materiais e Recursos: Sendo as cidades grandes agregadoras e consumidoras de materiais e nutrientes, estas são responsáveis pelo maior consumo de recursos naturais. A solução passará obrigatoriamente pela aposta numa cidade de “resíduos zero”, assente num forte sistema de reciclagem, na promoção da reutilização e na sensibilização para a redução de resíduos.
Qualidade de vida: A cidade do futuro deverá atender equitativamente às necessidades de todas as pessoas, independentemente do género, etnia, estatuto sociocultural e económico, na sua busca de habitabilidade e sustentabilidade, promovendo a diversidade e a segurança.
No fundo, uma cidade com edifícios sustentáveis, onde todos os pontos anteriores serão tidos em conta, complementados com objetivos NET zero e critérios ESG (Environmental, Social and Governance), apoiados por políticas locais sustentáveis.
Na arquitetura, é possível ver já uma tendência nesse sentido?
Sim, felizmente… Se bem que, em Portugal, ainda estamos no início. Contudo, já hoje conseguimos vislumbrar uma vontade neste sentido, de abordagens arquitetónicas com um foco inequívoco na sustentabilidade.
Na União Europeia, os edifícios são responsáveis por 40% das emissões de dióxido de carbono (CO2) e por 35% do consumo de matérias-primas. Ainda, 50% dos resíduos sólidos provêm do setor da construção. Nesse sentido, torna-se importante o papel da arquitetura, amplamente transversal, no desenvolvimento, planeamento, construção e, por fim, utilização dos edifícios. Os papéis do arquiteto e dos stakeholders serão vitais na transformação da forma como olhamos para os edifícios.
Na Europa, já muito do que se constrói emprega medidas mitigatórias do impacte ambiental, que passam pelo uso de materiais mais sustentáveis e resilientes, promovendo a economia circular, pela implementação de desenhos eficientes que promovam soluções energéticas e hídricas mais eficientes, pela integração de energias renováveis nos edifícios, ou pela implementação de medidas que respondam às questões de boa gestão e manutenção futura, com custos operacionais menores, promovendo, ao mesmo tempo, uma qualidade interior para os seus utilizadores.
Para além destas ações e com a aplicação de medidas de financiamento como a EU Taxonomy, a solução será só uma: construir de forma sustentável.
De que maneira é possível observar esta mudança nos consumidores? Quais são as exigências que, atualmente, os clientes fazem na procura por um imóvel?
Se no campo do Residencial os critérios de localização e preço ainda se sobrepõem às questões de sustentabilidade, no campo dos escritórios e logística a mudança é notória.
Neste momento, a procura de espaços de trabalho (edifícios de escritórios) e logística (armazéns) que possam responder às políticas de responsabilidade social, ambiental e económica das empresas aumentou exponencialmente nos últimos meses.
Neste campo, as grandes empresas que servem de referência ao mercado estão a adotar objetivos ESG, passando uma mensagem forte ao mercado imobiliário, obrigando este a encontrar soluções de edifícios sustentáveis capazes de responder a estes critérios.
Selos como certificados energéticos com classificações superiores ao standard mínimo, certificados de eficiência hídrica (AQUA+), ou certificados internacionais de sustentabilidade em edifícios com o LEED ou o BRREAM, são quase obrigatórios nestes novos padrões de procura.