Entrevista: “A economia circular será um dos principais pilares da Decathlon até 2026”



A Decathlon quer reduzir em 20% as emissões globais de dióxido de carbono até 2026, recorrendo à circularidade das matérias-primas, a métodos de produção menos ambientalmente nocivos, à maior durabilidade dos produtos e à possibilidade da sua reparação.

Para Portugal, a meta para a redução de emissões é a mesma, sendo que, como disse Receba Silva Santos, responsável de Economia Circular da Decathlon Portugal, em entrevista à ‘Green Savers’, na região francesa de Chamonix, o país encontra-se “acima da média do grupo”, sendo que, “para este ano, o desafio é reduzir 3% face a 2022”. No ano passado, a empresa cortou 9% das emissões em Portugal comparando com 2020.

Usar apenas materiais naturais é ainda uma impossibilidade, mas no futuro pode deixar de o ser

Estimativas da Agência Europeia do Ambiente (AEA) apontam, todos os anos, chegam aos mares e oceanos cerca de 500 mil toneladas de micropartículas de plástico, resultado da degradação das fibras sintéticas presentes nos têxteis devido às lavagens. Os têxteis sintéticos são a fonte de 35% de todos os microplásticos que chegam à Natureza, se depositam nos habitats e entram nas teias tróficas, com impactos para todos os seres vivos que delas fazem parte, incluindo nós, humanos.

“É muito difícil ter uma solução para os microplásticos”, admitiu Rebeca Silva Santos, salientando, contudo, que a empresa está focada em criar produtos, por via do ecodesign, que reduzam ao máximo o potencial de libertação de micropartículas de plástico por parte dos seus produtos.

No entanto, considera que através da reciclagem dos materiais, ou da utilização de materiais menos ambientalmente nocivos e com maior durabilidade, se consegue minimizar a quantidade de resíduos de plástico que chegam à Natureza, embora aponte que é “quase impossível” impedir totalmente que isso aconteça.

De acordo com a organização não-governamental Geneva Environment Network, em 2018 terão sido consumidas mais de 60 milhões de toneladas de tecidos sintéticos em todo o mundo, quando na década de 1940 foram poucos milhares de toneladas, com especial prevalência do poliéster entre as fibras sintéticas mais usadas, estando atualmente presente em 60% de todas as roupas que usamos.

Questionada sobre se seria possível abandonar completamente a utilização de materiais sintéticos em prol de naturais, Receba Silva Santos explicou-nos que, no que toca aos artigos de desporto, “é altamente difícil”, mas que não é impossível e que poderá, eventualmente, ser uma realidade no futuro.

A dificuldade reside no facto de os artigos desportivos precisarem de ter certas características, como a leveza, a respirabilidade e a resistência, que, para já, só se conseguem alcançar com o recurso aos sintéticos. “Eu diria que será possível, mas hoje não temos uma solução que nos permita eliminar a 100% o material sintético”, apontou.

O tingimento dos tecidos é outro dos grandes obstáculos que a indústria da produção de têxteis tem de ultrapassar, se quiser realmente ser ambientalmente sustentável. Estima a AEA que a produção de tecidos é responsável por perto de 20% de toda a poluição que chega aos rios, lagos e outros aquíferos de água doce e que são indispensáveis à sobrevivência de diversas comunidades humanas e não-humanas.

Para tentar minimizar a sua contribuição para a degradação dessas fontes de água doce, uma recurso cada vez mais escasso, a Decathlon recorre a dois processos para tentar causar os menores danos ambientais possíveis, como elucidou Rebeca Silva Santos: um deles é a mistura de fios já coloridos à partida, sem serem precisos ‘banhos de cor’ dos tecidos completos, e o outro é apenas tingir um dos fios e tentar alcançar a cor pretendida.

“Dessa forma, podemos gastar menos tinta e menos água”, afirmou, apontando, no entanto, que essas técnicas têm as suas limitações, uma vez que é possível não se chegar exatamente à cor que se pretende.

Ter uma vasta gama de cores somente a partir de produtos naturais “é quase impossível”, disse a especialista em economia circular, acrescentando que, dados esses constrangimentos, há situações em que será preciso fazer escolhas, quer do lado da empresa, quer do lado do consumidor: ou ter uma grande multiplicidade de cores ou ser sustentável.

Energias renováveis para reduzir a pegada carbónica

Em Portugal, a redução das emissões de dióxido de carbono da Decathlon começou pela energia, “porque é o que tem mais impacto”, disse Rebeca Silva Santos. “Pusemos painéis solares em grande das nossas lojas”, indicou, acrescentando que “hoje 100% da nossa energia é certificada e de origem ‘verde’”.

Por um lado, a energia solar produzida alimenta as lojas portuguesas da marca, sendo que o excesso é colocado na rede de abastecimento elétrico. Por outro, nas lojas que ainda não têm os painéis solares, “compramos a energia à rede, mas tem de ser certificada como sendo ‘verde’”.

A responsável disse que foi essa transformação do consumo energético que permitiu as reduções de emissões de CO2 dos últimos dois anos e que as próximas etapas são alargar esse modelo a todas as fábricas da Decathlon em Portugal, bem como aos transportes.

Além disso, a formação dos trabalhadores é também essencial “para mudar mentalidades”, para tornar claros os impactos dos comportamentos individuais no planeta, sobretudo ao nível dos consumos de eletricidade e de água, que, em última análise, refletirão o impacto ambiental da empresa.

Em 2022, foram já formados 500 funcionários da marca em Portugal, sendo que até ao final deste ano o objetivo é chegar aos mil, quase metade dos trabalhadores da Decathlon no país.

“A economia circular será um dos principais pilares da Decathlon até 2026”

Rebeca Silva Santos afiançou que “a economia circular será um dos principais pilares da Decathlon até 2026”, não só, explicou, porque permite reduzir as emissões de dióxido de carbono, mas também porque permite dar aos materiais múltiplas novas vidas, aliviando a pressão sobre os sistemas naturais derivada da extração de matérias-primas virgens.

Nesse campo, o aluguer de equipamentos, que permite, como afirmou a responsável de Economia Circular, promover “um consumo mais consciente”, e a reparação dos produtos são centrais.

Sobre a reparação, o objetivo é torná-la acessível a todos, para que, na altura de o cliente tomar uma decisão, prevalecer sobre a compra de um novo produto, quando o que tem nesse momento pode facilmente ser arranjado. E “um dos grandes desafios” é reavivar profissões ‘em vias de extinção’, como costureiros ou sapateiros, que serão fundamentais para impulsionar a reparação, em detrimento da compra de um produto a estrear.

Outro será detetar as principais fragilidades dos produtos para procurar mitigá-las e, assim, aumentar a sua durabilidade. E “o nosso grande foco na reparação” é, contou-nos, fazer com que os compradores possam, por si só, reparar os produtos, reduzindo os custos que eventualmente teriam de suportar se a reparação fosse feita em loja.

Por isso, “a reparação tem de compensar”, razão pela qual a Decathlon criou um website que apresenta todas as peças disponíveis que podem ser usada por qualquer pessoa para remendar artigos, bem como tutoriais que ensinam a fazê-lo.

E os produtos usados são também uma peça-chave da abordagem da marca à economia circular, sendo vendidos a preços mais baixos para impulsionar esse modo de consumo.

“Aluguer, segunda vida e reparação são os nossos grandes focos agora e estamos a preparar as nossas lojas para isso”, observou Rebeca Silva Santos, comentando que esses serviços estão já totalmente disponíveis nas lojas portuguesas, mas que é preciso ainda trilhar um caminho até que possam ter os impactos desejados.

Dessa forma, será necessário, agora, intensificar a mensagem de que “o cliente pode comprar novo, usado ou reparar”, sendo que, dessas vertentes, “a segunda vida é a atividade que mais cresce” na Decathlon em Portugal, e o serviço de reparação cresceu 30% em 2022, com expectativas de que continue essa trajetória este ano.

“Falta-nos abrir o leque de produtos, porque a nossa atividade de reparação está ainda muito centrada nas bicicletas”, afirmou Rebeca Silva Santos.

*O jornalista viajou até Chamonix, França, a convite da Decathlon.





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