Entrevista a Gonçalo Byrne: “A arquitectura e a construção podem ser aliadas no combate contra as alterações climáticas”



A Green Savers falou com Gonçalo Byrne, presidente da Ordem dos Arquitectos (OA), sobre a sustentabilidade como paradigma para o futuro, mote do 16º Congresso dos Arquitectos que se realizou pela primeira vez nos Açores, dias 2, 3 e 4 de março. Para o responsável a sustentabilidade “é, realisticamente, o caminho para a construção do futuro” e a arquitetura e a construção “podem ser aliadas no combate às alterações climáticas”.

– A sustentabilidade como paradigma para o futuro foi o mote do congresso da Ordem dos Arquitetos. O que é que vos levou a escolher a temática da sustentabilidade para o 16.º congresso dos Arquitetos?

Porque a sustentabilidade é, realisticamente, o caminho para a construção do futuro. Vivemos tempos de urgência ambiental e de emergência climática. Estes tempos são de hoje, não pertencem a um futuro longínquo ou imaginado. A Arquitetura e a construção podem ser aliadas no combate às alterações climáticas, podem ser contribuintes líquidos para a redução de emissões. Assim a sustentabilidade possa ser assumida na prática da arquitetura, assim sejamos capazes de convergir na mobilização de meios e recursos necessários para assumirmos esse propósito. Como é que se passa de uma lógica enraizada de preços baixos para uma lógica sistemática de durabilidade, de qualidade, de eficiência, de circularidade, e que seja capaz de para além da dimensão ambiental, gerar também impactos económicos e sociais positivos? Não são questões fáceis – e há muitas outras para além destas, diretamente ligadas à profissão – que precisam de ser debatidas e por isso, quando começámos a pensar e a organizar a 16ª edição do Congresso dos Arquitectos, foi para nós por demais evidente e natural que a temática do evento fosse dedicada à reflexão sobre questão da sustentabilidade e as várias dimensões que esta pode assumir no setor da Arquitetura.

– Devido ao contexto atual da sociedade e com uma crise económica e climática, a Ordem dos Arquitetos sente que é necessário serem feitas adaptações no exercício da profissão. Na sua opinião, e em linhas gerais, que adaptações serão essas?

Desde logo que o Governo não avance com a intenção de mudar por completo a Lei das Ordens, desvirtuando a sua razão de ser. Não podemos ter um modelo de Ordens profissionais com pessoas alheias à profissão a decidirem o que a profissão é ou deve ser. É inconcebível e incompreensível. Por outro lado, a questão dos honorários dos arquitectos mostra bem como a cadeia de valor da habitação está subvertida: há muito que referimos a incoerência de trabalhar num país que não quer pagar pelo trabalho de mais de uma dezena de projetistas – técnicos qualificados com responsabilidade sobre o que se constrói – 5% do custo da obra, mas que não questiona pagar 5% sobre o valor da venda a um único operador. Valores de referência para os custos do trabalho dos projetistas não existem, e por isso adjudica-se tudo ao custo mais baixo, como se os serviços intelectuais não tivessem valor. Quem olhe para o funcionamento do mercado imobiliário, percebe que há aqui algo de profundamente errado e que compromete a sustentabilidade da profissão.

 – Qual o papel da Arquitectura em relação aos grandes desafios que a crise ambiental e as alterações climáticas estão a lançar a nível global?

Como referido, a arquitectura e a construção podem ser aliadas no combate contra as alterações climáticas. O edificado tem impacto no ambiente, mas esse impacto pode e deve ser reduzido. Desejavelmente, até, pode ter externalidades positivas ao nível ambiental, energético, de mobilidade, entre outras dimensões. Incorporar a sustentabilidade na prática da arquitectura é um desafio, que requer investigação, inovação e produção de conhecimento. A Arquitetura pode e deve trabalhar com outras indústrias para que se possam gerar novas soluções com menor pegada ambiental e construtiva. Para isso, contudo, é preciso investir na arquitetura e ter políticas públicas coerentes com esse objetivo. Foi isso que pretendemos com este Congresso, foi dar esse passo e perceber como podemos objetivamente abraçar o desafio da sustentabilidade no exercício quotidiano da nossa profissão.

– Qual o papel da sustentabilidade, da ecologia e da ética na prática contemporânea da arquitetura?

Todas essas dimensões elencadas, e outras, têm de servir de bússola orientadora para todo o setor e respetivos intervenientes. O mundo está em constante mudança e a Arquitectura tem que demonstrar capacidade de adaptação aos novos tempos e às novas exigências. Nesse sentido, na sua atividade, os arquitectos têm a obrigação e dever de seguir o que se poderá classificar como uma cartilha deontológica que hoje em dia nunca poderá abdicar de seguir imperativos e princípios que potenciem uma sustentabilidade ambiental e ecológica cada vez maior no setor.

– Disse, na apresentação deste congresso, que os arquitetos “estão perante a situação de aproveitar a oportunidade que é oferecida pela crise”. Que oportunidade é essa e de que forma podem aproveitá-la?

A crise ambiental e a urgência climática que estamos a viver coletivamente pode e deve ser encarada pelo mundo da Arquitectura como um ponto de partida para mudar alguns paradigmas que têm orientado o setor desde sempre, inaugurando uma nova fase no setor, marcada por elementos orientadores como materiais sustentáveis e duradouros, práticas e técnicas de construção amigas do ambiente, eficiência energética ou um melhor e mais harmonioso ordenamento do território.

– Referiu ainda que a prática de futuros arquitetos e projetistas será diferente da de gerações anteriores. De que forma?

Será diferente porque o mundo é diferente. É diferente nas exigências e nos pressupostos. Há uma maior compreensão sobre o impacto do edificado no ambiente, há mais técnica e mais conhecimento que podem ser utilizados para planear com mais eficácia e com maior eficiência, com uma capacidade mais plena de através de aquilo que se projeta ir ao encontro da redução de emissões, de poupança de energia, de se evitarem perdas e desperdícios. Apesar de as preocupações ambientais já existirem há algum tempo na prática da arquitectura, a evolução do estado da arte obriga os profissionais da arquitetura a trabalharem de forma diferente, com foco no ambiente, mas também nas dimensões sociais e ambientais.

– Quais as maiores dificuldades inerentes a esta mudança?

Diria que a maior dificuldade, ou o maior desafio, é o de não valorizar devidamente a arquitetura e os seus profissionais. Temos de começar a mudar o discurso. Parar de falar em preço e começar a falar em valor.

– Porque é que resolveram “abrir as portas” a outros que não arquitetos?

A Arquitetura não é um setor de atividade estanque e isolado. Na sua atividade, um arquitecto tem necessariamente de contactar com outros setores e trabalhar e colaborar com outros profissionais, nomeadamente, engenheiros ou projetistas. Apesar de ser um evento organizado por uma classe profissional para debater o seu atual momento e lançar pistas para o caminho a seguir no futuro, é fundamental promover o diálogo franco e inclusivo com outros setores profissionais que se relacionam, direta ou indiretamente, com a Arquitectura e com os arquitectos.

– Porque é que escolheram os Açores?

Foi uma decisão a que chegamos de forma muito natural e que acaba por ser histórica, uma vez que é a primeira vez que o Congresso dos Arquitetos se realiza fora do Continente, algo que é muito importante para a atual direção da OA, que desde que tomou posse assume a descentralização do setor como uma prioridade. Por outro lado, tendo em conta que o evento teve como temática central a questão da sustentabilidade, a escolha do arquipélago dos Açores, em particular a ilha de São Miguel, surgiu quase que instintivamente: o modelo de desenvolvimento sustentável que os Açores têm trilhado dos últimos anos fazem do arquipélago português um autêntico ‘case study’ ambiental a estudar e com o qual temos muito a aprender.

– Para ser sustentável, qualquer projeto deve ser…

Pensado para o futuro, respeitando o enquadramento ambiental e natural onde se insere, procurando gerar impactos sociais, ambientais e económicos positivos.

 





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