Entrevista a Luís Roberto: “A sustentabilidade só pode ser alcançada se trabalharmos todos em conjunto”



A Business and Science Network (BSN) foi lançada em outubro de 2022 com 25 membros fundadores que construíram a base desta iniciativa, que pretende ser uma plataforma de diálogo e partilha de conhecimentos que abrange todos os setores da sociedade. O grande objetivo? Criar um verdadeiro ‘ecossistema da sustentabilidade’ em Portugal.

Posto de forma simples, a BSN, promovida pela Rede do Empresário, quer pôr todos os atores da sociedade em diálogo, não pretendendo com isso, no entanto, sobrepor-se a cada um dos seus membros, funcionando, ao invés, como um complemento às suas atuações.

“A sustentabilidade e todos os objetivos que em torno dela gravitam só podem ser alcançados se tivermos a capacidade de trabalhar em conjunto”, contou à ‘Green Savers’ Luís Roberto, responsável da BSN. Por isso, na luta por um mundo mais sustentável alicerçado nos pilares dos melhores impactos sociais, da proteção do ambiente e da transparência e responsabilidade, todos os setores da sociedade têm de ser mobilizados, pois se alguém ficar para trás, ninguém cruza a linha da meta.

Luís Roberto, responsável da BSN – Business and Science Network

Desde o Governo e do poder local, às empresas, “sem as quais não há sustentabilidade”, passando pela Academia, “todos os atores são necessários e todos têm de ter a capacidade de interagir e partilhar conhecimento e recursos para que realmente se consiga atingir os objetivos da sustentabilidade”, salientou Luís Roberto. Para ele, faltava uma plataforma que permitisse congregar, num só plano de diálogo, todas essas dimensões da sociedade.

Apesar de existirem diversas associações empresariais que “têm feito um trabalho extraordinário” para alinhar as empresas com os princípios ESG (Ambiente, Social e Boa Governança), esse trabalho, segundo o responsável da BSN, “acaba por ficar limitado ao universo empresarial”.

“Sempre achei que esse trabalho devia ser complementado com o trabalho que os outros ‘players’ vão fazendo”, apontou Luís Roberto, que nos contou que na altura em que a BSN foi lançada, percebeu que “projetos extremamente válidos” estavam a ser desenvolvido pelo Governo, mas que “depois não passam cá para fora”.

“Talvez se houvesse um diálogo e cooperação mais ativos entre o setor público e o setor privado as coisas fossem melhores”, assinalou.

Foi a noção de que a comunicação e colaboração intersectorial poderia ser melhorada e elevada a um novo patamar que levou à criação da BSN, constituído por entidades dos mais variados ramos de atuação que procuram, em conjunto, ajudar o país, como um todo, a alcançar as suas metas de sustentabilidade, aliando o negócio ao conhecimento científico.

A BSN, que começou a ser desenvolvida em janeiro de 2022, quer ajudar a responder aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, plasmados na Agenda 2030 das Nações Unidas e ao Pacto Ecológico Europeu, sobretudo numa altura em que o final da década se aproxima a passos largos e que a pandemia de COVID-19 e também a guerra na Ucrânia vieram, em certa medida, estagnar a concretização dessas estratégias.

Luís Roberto acredita que é essa multiplicidade de atores que fazem parte da rede que permitirá “trabalhar a sustentabilidade setor a setor”, uma vez que cada um tem as suas particularidades e formas de atuação e a sustentabilidade, para ser bem-sucedida, não pode ser vista como um ‘tamanho único’ que serve a todos da mesma maneira.

Acelerar a sustentabilidade é o mote para 2023

Um mês depois do lançamento da iniciativa, os fundadores da BSN reuniram-se para um primeiro ‘atelier de ideias’ do qual saíram linhas orientadoras para a atuação dessa rede ao longo de 2023.

Das ideias que foram postas “em cima da mesa” durante esse encontro, o responsável salientou uma delas: a realização de uma conferência sobre sustentabilidade e responsabilidade corporativa que terá como mote ‘Vamos acelerar a sustentabilidade’.

“Isto, porque, de facto, há uma estagnação e há um conjunto de metas que têm sido definidas que estão, neste momento, claramente em risco”, disse-nos Luís Roberto. Entre elas está uma meta definida por Bruxelas que previa que até 2024, já no próximo ano, 35% das empresas na Europa “estivessem em condições de começarem a implementar os seus projetos de impacto”.

“Claramente isso não vai acontecer”, garantiu-nos, apontando como principais causas “a crise pandémica e a invasão da Ucrânia, que levaram a que países, empresas e todos nós tivessem que reorientar prioridades”.

Além desses fatores, existe um outro obstáculo: passar da teoria à prática. “Definir sustentabilidade e orientações é fácil”, afirmou, o que é difícil é passar das palavras, dos planos e dos compromissos à ação. Como tal, “há muita coisa ainda por fazer”, sublinhou.

A perceção de que os prazos estabelecidos para a concretização da Agenda do Desenvolvimento Sustentável estão a derrapar, levou as Nações Unidas “a revisitar os objetivos”, uma vez que “a realidade é diferente”.

Assim, é possível, observou Luís Roberto, que a Agenda 2030 venha a ser a Agenda 2040, embora se até ao final da década atingíssemos 50% dos objetivos definidos “já seria muito bom”.

Apesar das dificuldades enfrentadas, quer pelas empresas, quer pelas sociedades em geral, “para bem de todos, a sustentabilidade não é algo que possa ficar para trás”.

Ainda este ano, a BSN quer também realizar “um estudo profundo e efetivo” sobre a sustentabilidade e responsabilidade corporativa em Portugal para saber “em que pé estamos”. Essa análise ficará a cargo do ISCTE, um dos membros fundadores da iniciativa.

“Isso vai ajudar-nos a ficar com um retrato da situação atual e definir o ponto de partida”, disse.

Na calha estará também “um manual prático” que dará às empresas linhas orientadoras sobre como, realmente, implementar estratégias de sustentabilidade, por exemplo, através de casos reais. “Será uma coisa simples”, detalhou Luís Roberto, mas que ajudará as empresas a saber por onde começar.

O desenvolvimento do manual arrancará ainda este ano, mas prevê-se que só seja publicado no início de 2024, sendo que até 2026 será divulgado “um conjunto de compêndios” que abordarão áreas mais específicas

Nas empresas, “a mudança tem que vir de cima”

Apesar de estudos indicarem que as camadas mais cimeiras das estruturas empresariais estarem sensibilizadas para as questões da sustentabilidade, “quando começamos a descer da hierarquia” essa consciencialização esbate-se. Por isso, é importante formar os trabalhadores de todas as empresas sobre essa temática, porque uma empresa não se faz só de administradores e gestores de topo.

Contudo, a esse respeito, Luís Roberto disse que não deve haver dúvida de que esse movimento de transformação para a sustentabilidade deve partir do topo. “A mudança tem que vir de cima”, porque “compete ao topo das hierarquias criar uma cultura de sustentabilidade dentro das organizações”. Só assim as empresas poderão “contribuir de forma eficaz para a sustentabilidade”.

E reiterou que sem as empresas não podemos esperar ter um desenvolvimento sustentável, acima de tudo, porque são elas que têm os maiores recursos financeiros para tornar isso possível, sendo que muitas têm mesmo mais recursos e capacidade de ação do que os próprios Estados.

“Não conseguimos fazer grandes transformações sem investimento, e falamos de bastante dinheiro”, afirmou, frisando que também é preciso que as empresas tenham consciência que investir na sustentabilidade é também criar novas áreas de negócio.

Quando falamos de ambiente, ou sustentabilidade ambiental, e empresas, é frequente ouvirmos o termo ‘greenwashing’, um inglesismo que pretende definir algo que aparenta ser simples, mas que tem grandes consequências: as empresas promovem uma imagem de si que esteja em linha com os objetivos de proteção do ambiente, ao mesmo tempo que, na realidade, mantêm as mesmas práticas.

A BSN pretende fazer com que as empresas percebam o que estão da fazer de bem e também onde estão a errar, disse-nos Luís Roberto. Questionado sobre se as empresas estarão realmente dispostas a assumir as suas más práticas, o responsável afirmou que sim, pois “é uma questão de sobrevivência”.

“As empresas que não começarem já a trabalhar a sustentabilidade verão o ser futuro condicionado”, salientou, apontando que o consumidor tem um grande papel a desempenhar na transformação sustentável das empresas.

“Se estivermos perante produtos ou serviços de duas organizações, com o mesmo preço”, a nossa escolha tenderá a pender para a que tiver as melhores práticas sociais e ambientais, e “isto é exponencial”, contou, acrescentando que “daqui a pouco tempo, as grandes empresas que não forem vistas pelos consumidores como entidades que geram valor adicional para a comunidade e ambiente, vão estar condenadas”, sentenciou o responsável da BSN.

Portanto, enquanto consumidores, todos temos o poder para fazer mudar as práticas de negócio das empresas e acelerar rumo à sustentabilidade, seja das empresas, num nível mais pequeno, seja da própria sociedade.

“Não tenho qualquer dúvida de que hoje a sustentabilidade está na agenda de qualquer empresa, independentemente da sua dimensão e do setor onde opera”, referiu Luís Roberto, que acredita que hoje não haverá qualquer empresa que esteja a resistir à ‘onda’ da sustentabilidade, seja pela consciência de que o planeta é único e não dispõe de recursos inesgotáveis, seja por força da vontade de dar continuidade e competitividade ao negócio perante um consumido cada vez mais ambientalmente exigente.





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