Esta espécie de morcego é capaz de “surfar” no ar quente para percorrer grandes distâncias sem gastar demasiada energia



Aproveitar os impulsos das correntes de ar para cobrir grandes distâncias não é inédito no mundo animal. Avistamentos de aves a planar, praticamente imóveis e de asas estendidas, é algo frequente para os observadores mais atentos, e até nós, humanos, fazemos isso, embora com recurso a equipamentos como planadores.

Mas um outro tipo de animal parece também aproveitar a deslocação das massas de ar para “surfar” pelos ares, percorrendo distâncias de vários quilómetros sem gastar tanta energia quanto a que seria necessária se não pudesse contar com esse embalo aéreo.

Trata-se do morcego-arborícola-grande (Nyctalus noctula). Este quiróptero de grandes dimensões, como o seu nome comum sugere, comparando com outros elementos desse grupo de mamíferos alados, tem um antebraço que mede entre os 47 e os 59 milímetros e orelhas e nariz arredondado. Em Portugal, é considero espécie residente no continente, mas, de acordo com o mais recente Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental, de 2023, existem apenas 10 registos de observações no território, uma “escassez de dados” que não permite definir tendências populacionais, como declínios.

Agora, para trazer à luz mais detalhes sobre a vida desta criatura peculiar, um grupo de investigadores do Instituto Max Planck para o estudo do comportamento animal descobriu que os morcegos-arborícolas-grandes são capazes de navegar as correntes de ar quente associadas a tempestades durante a sua migração primaveril ao longo do continente europeu. Esta é uma de apenas quatro espécies de morcegos que se sabe que migram ao longo do continente europeu.

Num artigo divulgado na semana passada na publicação ‘Science’, é revelado que esta descoberta só foi possível graças à monitorização do movimento dos animais através dos dados recolhidos ao longo de três anos através de pequenos dispositivos de geolocalização ultraleves (cerca de 5% do peso do animal) colocados no dorso de 71 fêmeas de morcego-arborícola-gigante.

De acordo com Edward Hurme, primeiro autor do trabalho, a informação obtida não permitiu apenas perceber as trajetórias seguidas pelos morcegos, mas também identificar as condições ambientais que experienciaram durante a migração.

“É este contexto que nos fornece perspetivas sobre as decisões cruciais que os morcegos tomam durante as suas viagens dispendiosas e perigosas”, observa em comunicado.

Apesar de os dados conseguidos dizerem respeito a somente uma porção da rota migratória, com cerca de 16 mil quilómetros, os cientistas acreditam que, embora haja ainda muito trabalho a fazer para desvendar este misterioso comportamento dos morcegos, pelo menos sabem que uma abordagem como esta – de colocação de dispositivos de monitorização de localização – já permite espreitar um pouco sob o véu.

Ao contrário de outros tipos de sensores, que armazenam dados a que os investigadores depois só conseguem aceder quando recapturarem o animal, os dispositivos usados nesta investigação, desenvolvidos no mesmo instituto científico, transmitem os dados diretamente. Os aparelhos permanecem no dorso dos morcegos durante quatro semana, após o que caem automaticamente.

A equipa também percebeu que, ao contrário de outras espécies de animais, como aves, os morcegos-arborícolas-gigantes não pareciam seguir uma trajetória de migração rígida, dispersando-se um pouco por toda a paisagem, ainda que seguindo, de forma geral, na mesma direção. “Não há qualquer corredor migratório”, afirma Dina Dechmann, coautora do artigo.

Olhando para os dados, constatou-se que os morcegos eram capazes de percorrer quase 400 quilómetros numa só noite, graças à capacidade para “surfar” nas correntes de ar, embora esses voos possam ser intercalados com algumas paragens, provavelmente para se alimentarem.

Dechmann explica que os morcegos, ao contrário, por exemplo, de aves migradoras, não ganham peso antes de se lançarem nas suas longas viagens. Por isso, “têm de se reabastecer todas as noites”.

Com os mapas construídos com base nos dados obtidos, os investigadores verificaram que, em certas alturas, um grande número de morcegos partia de uma só vez. Ao analisarem as informações ambientais, perceberam que essas deslocações em massa antecediam tempestades, condições que os morcegos aproveitavam para voarem mais rapidamente sem gastarem muita energia.

A equipa espera que estas revelações sobre a migração desta espécie de morcegos ajude a minimizar os impactos da presença humana não apenas nesta, mas em muitas outras espécies de quirópteros. A mortalidade por colisão com turbinas eólicas é uma das grandes ameaças que estes mamíferos enfrentam, pelo que, sabendo quando partem e que rotas tomam, poderá permitir prever migrações e tomar medidas para reduzir a mortalidade causada pelas turbinas.

“Este é apenas um pequeno vislumbre do que iremos encontrar se continuarmos a trabalhar para abrir essa caixa negra”, lança Hurme.





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