Estas moscas “roubaram” defesa de bactérias para se protegerem das vespas
No mundo dos animais não-humanos, tal como no nosso, adaptações que ajudem a combater predadores e parasitas são fundamentais para a sobrevivência dos indivíduos, e talvez até da própria espécie.
É um fenómeno referido muitas vezes como uma “corrida às armas”, na qual predador e presa, parasita e parasitado, procuram formas de ultrapassar as defesas uns dos outros.
Uma dessas relações de parasitismo é entre vespas e moscas-da-fruta. Algumas espécies de vespas parasitoides depositam os seus ovos nos corpos das larvas das moscas, para que as suas próprias larvas se possam alimentar do hóspede vivo mal eclodem. Mas algumas espécies de moscas-da-fruta arranjaram forma de ripostar.
Uma equipa internacional de investigadores, liderada por biólogos da Universidade da Califórnia, em Berkeley, mostrou que diversas espécies de moscas-da-fruta “roubaram” uma defesa genética a bactérias que, essencialmente, destrói o ovo depositado pela vespa parasitoide.
Para testar a eficácia dessa defesa, os investigadores usaram técnicas de edição genética para removê-la de alguns exemplares de Drosophila ananassae, uma espécie de mosca-da-fruta, e constataram que todos morreram por causa do parasitismo da vespa.
Numa experiência posterior, fizeram o processo inverso, incluindo a defesa no genoma de moscas da espécie Drosophila melanogaster, tendo os indivíduos sobrevivido. De acordo com a equipa, o gene responsável por essa defesa, que codifica uma toxina que isola e destrói os ovos das vespas, acaba por se tornar parte do sistema imunitário das moscas.
Mas como é que as moscas-da-fruta adquiriram essa defesa? Os cientistas sugerem que foi através de um processo chamado de transferência genética horizontal, ou seja, os antepassados das moscas-da-fruta modernas adquiriram os genes de bactérias há milhões de anos e aprenderam a usá-los na defesa contra o parasitismo das vespas.
Na realidade, os investigadores argumentam que os genes pertencem a um vírus que infeta bactérias, e que estas últimas expressam esses genes, pelo que, quando as bactérias entram nos corpos das moscas, essas também são capazes de expressá-los, engrossando o seu arsenal de defesas.
Muitas questões, contudo, continuam sem resposta, designadamente, como conseguem as moscas-da-fruta sintetizar uma toxina sem sucumbirem a ela. Os cientistas perceberam que estes genes defensivos, para serem eficazes, têm de fazer parte de uma secção específica do genoma das moscas. Caso contrário, “o feitiço vira-se contra o feiticeiro” e elas acabam por morrer.
Ainda assim, uma coisa parece certa. A transmissão horizontal de genes é uma forma rápida – muito mais rápida do que pelos processos evolutivos “convencionais” – de adquirir defesas contra parasitas e predadores.
“É uma estratégia engenhosa”, diz Noah Whiteman, um dos autores do estudo publicado na revista ‘Current Biology’, citado em nota. “Em vez de esperar que os seus próprios genes as ajudem, tiram-nos de outros organismos que evoluem muito mais rapidamente do que elas”, neste caso, bactérias e vírus, explica o investigador, acrescentando que este tipo de adaptação defensiva está muito mais amplamente difundido no mundo dos insetos do que se poderia pensar, uma vez que várias espécies possuem esses genes, apesar de terem histórias evolutivas distintas.
“O nosso artigo é um dos primeiros que mostra que, pelo menos nas Drosophila, este tipo de resposta imunitária pode ser um mecanismo comum através do qual conseguem lidar com inimigos naturais como vespas e nemátodos”, refere Rebecca Tarnopol, primeira autora.