Fezes das vicunhas ajudam a recuperar solos degradados nos Andes peruanos



Podem não ser tão conhecidas quanto alguns dos seus parentes próximos, como os lamas, celebrizados por filmes de animação, mas as vicunhas (Vicugna vicugna) podem ter um papel importante na resiliência das paisagens aos efeitos das alterações climáticas.

Um grupo de investigadores dos Estados Unidos da América e do Peru tem acompanhado a vida destes camelídeos selvagens nativos da América do Sul. O trabalho de campo centrou-se numa população nos Andes peruanos e revelou algo surpreendente, senão mesmo inusitado.

Sendo animais que vivem em grupo, têm dinâmicas sociais muito próprias. Uma delas é o defecarem em locais específicos, que os cientistas chamam de latrinas.

Vicunhas a pastarem numa zona de vegetação criada pelas suas latrinas.
Foto: Artigo

Steven Schmidt, da Universidade do Colorado, em Boulder, há décadas que estuda a vida microscópica e vegetal nos solos deixados a descoberto pelo recuo dos glaciares nos Andes do Peru. Por terem estado debaixo do gelo durante séculos ou mais, esses solos estão praticamente desprovidos de nutrientes, consistindo em pouco mais do que rocha estéril.

A reconquista vegetal dessas áreas poderá levar mais de um século a acontecer. A não ser que as vicunhas entrem em ação. Ou melhor, que as suas fezes o façam.

Ao longo das suas investigações, Schmidt começou a notar o crescimento de aglomerados de plantas nos locais usados pelas vicunhas como latrinas. Aliando forças a ecologistas e outros cientistas, recolheu amostras de solo das latrinas e solo de locais sem vegetação não muito distantes dos primeiros.

Em laboratório, a equipa analisou os sedimentos e percebeu que o solo das latrinas das vicunhas continha uma quantidade muito maior de matéria orgânica (65%) do que o solo das outras áreas adjacentes (cerca de 1,5%), sendo rico em carbono, azoto e fósforo, todos ingredientes-chave para o crescimento de plantas.

A mais de cinco mil metros acima do nível do mar, a vida vegetal nos Andes tem grandes dificuldades em crescer e proliferar. Mas parece que as fezes das vicunhas podem ser a solução para revitalizar o solo em áreas expostas depois do degelo dos glaciares.

A essas altitudes, as temperaturas tendem a flutuar significativamente ao longo do ano e mesmo ao longo do dia, tornando difícil que alguma coisa aí cresça. Mas os investigadores, que dão conta desta descoberta inesperada num artigo publicado na revista ‘Scientific Reports’, dizem que as latrinas das vicunhas criaram uma espécie de microclima que torna possível a vida vegetal.

Além disso, identificaram também a presença de uma grande variedade de microrganismos no solo das latrinas, contrastando com a virtual falta de vida no restante solo da área de estudo.

Por isso, os investigadores declaram que as fezes das vicunhas foram fundamentais para a recolonização vegetal em partes dos Andes peruanos, algo que, sem a sua ajuda, só aconteceria ao fim de 100 anos.

Essas comunidades renascidas de plantas atraem muitos outros animais, dizem os cientistas, incluindo outros herbívoros, como veados dos Andes, e até predadores como o puma, possibilitando ecossistemas inteiros.

Veados dos Andes e pumas captados por foto-armadilhagem junto às latrinas das vicunhas, nos Andes peruanos.
Foto: Kelsey Reider, primeira autora do artigo (James Madison University)

Apesar de os resultados desta investigação serem vistos como boas notícias, os autores do artigo aconselham um otimismo moderado na sua interpretação. Isto, porque o ritmo de recolonização vegetal dos solos glaciares descobertos é muito mais lento do que o avanço das alterações climáticas.

Embora reconheça que as vicunhas muito provavelmente estão a ajudar à recuperação de ecossistemas de altitude nos Andes peruanos e dos seres vivos que os constituem, Clifton Bueno de Mesquita, um dos coautores do estudo, diz que “na história da Terra, nunca vimos alterações climáticas acontecerem tão rapidamente”.

Em comunicado, o investigador aponta que “as atuais alterações climáticas antropogénicas são provavelmente a crise mais severa que o nosso planeta e todas as coisas vivas enfrentaram nos últimos 65 milhões de anos”.

Por isso, as vicunhas, embora pareçam ter um papel crucial no restauro de solos glaciares degradados, sozinhas pouco podem fazer contra um cenário planetário crítico de que nós, humanos, somos autores.





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