Grande parte do plástico que a UE ‘despacha’ para o Vietname acaba na Natureza
Na Europa, cerca de 26 milhões de toneladas de resíduos de plástico são geradas todos os anos. Perto de metade do plástico que é recolhido para reciclagem, é exportado para fora da União Europeia, porque, segundo consta, não há capacidade na região para fazer o devido processamento desses materiais.
Entre os principais destinos do plástico europeu estão a China, a Indonésia, as Filipinas, a Tailândia e o Vietname. Contudo, num artigo publicado recentemente na revista ‘Circular Economy and Sustainability’, um grupo de investigadores argumenta que “enviar resíduos de plástico para destinos com regulamentos ambientais e sociais menos rigorosos do que os da UE e com infraestruturas insuficientes para processar os resíduos de plástico é socioecológica e eticamente questionável”.
A equipa deslocou-se até ao Vietname, país onde, em 2019, 9% dos resíduos de plástico importados vieram da UE. Aí, visitaram o maior centro de reciclagem do Vietname, na aldeia de Minh Khai, onde dizem ter visto uma realidade preocupante e que ilustra o ‘lado negro’ do mercado dos resíduos.
Em comunicado, Kaustubh Thapa, investigador da Universidade de Utrecht (Países Baixos) e primeiro autor do artigo, revela que viram “pessoas a cozinhar, a comer e a viver dentro da instalação de reciclagem, rodeadas dos fumos tóxicos” que emanam do derretimento do plástico.
Devido a regras ambientais menos apertadas, comparando às que vigoram na UE, por exemplo, os cientistas estimam que sete milhões de litros de “águas residuais tóxicas” usadas no processamento dos resíduos de plástico são descarregados todos os dias nos rios e ribeiros na aldeia.
Além disso, uma parte significativa do plástico europeu, porque as centrais de reciclagem não têm capacidade para dar resposta à quantidade, acabam por ser descartados no ambiente, com os autores a escreverem, no artigo, que “exportar plástico aumenta a taxa de reciclagem na UE a um preço significativamente mais baixo do que reciclar na UE, mas à custa de instalações e práticas questionáveis que prejudicam trabalhadores e o seu ambiente”.
“Embora este comércio de resíduos seja lucrativo para alguns, transferir a responsabilidade da gestão de resíduos para aldeias como esta prejudica as pessoas, as comunidades e o ambiente”, alerta Kaustubh Thapa, que salienta que “aumentar as taxas de reciclagem na UE sem sistematicamente dar resposta aos danos humanos e ambientais associados ao longo de toda a cadeia de valor não é nem ético, nem circular, nem sustentável”.
O autor salienta que “a ausência de responsabilização dos intervenientes na cadeia de valor, associada a uma aplicação inadequada das políticas da UE e do Vietname e a uma falta generalizada de transparência nas práticas” resultam em riscos para o ambiente e para a saúde humana, quer individual, quer coletiva.
Para ele, os esforços de reciclagem dos consumidores europeus, no atual estado de coisas e tomando o que se passa no Vietname como exemplo, “são, numa percentagem considerável, em vão”.
Recordando que apenas um terço dos resíduos de plástico são realmente reciclados na Europa e que o aumento dos níveis de consumo gerará mais resíduos, os investigadores apelam à redução do consumo desnecessário, bem como da produção de resíduos associada, e sugerem “uma cadeia de valor mais curta, mais transparente, mais responsabilizável e mais ética”, que promova “a equidade social e ambiental e a justiça globalmente, ou, pelo menos, não contribua para a desigualdade e injustiça”.