“Grandes ganhos para a natureza não têm de ser obtidos à custa da exclusão das pessoas”, dizem cientistas
A conservação da Natureza, para travar a perda de biodiversidade e aplacar as demais crises planetárias (poluição e alterações climáticas), pode ser feita sem excluir totalmente os humanos.
Assim pensa um grupo de cientistas que, debruçando-se sobre a proteção das populações de seres marinhos, argumentam que é possível equacionar a conservação dos ecossistemas e da biodiversidade com a presença e uso que deles são feitos pelas comunidades costeiras.
Em dezembro de 2022, na 15.ª cimeira global das Nações Unidas sobre a biodiversidade (COP15), com a adoção do Acordo de Kunming-Montreal, os governos do mundo acordaram em proteger 30% dos mares e oceanos até 2030, através da criação de áreas marinhas protegidas (AMP).
No entanto, estes investigadores argumentam que, embora as AMP estritas, nas quais a pesca é proibida, sejam as mais eficazes na recuperação das populações de peixes, existem alternativas menos rígidas que procuram aliar as necessidades e dinâmicas culturais das comunidades locais que dependem diretamente dos oceanos e a conservação da vida marinha.
Para David Gill, da Universidade Duke (Estados Unidos da América) e primeiro autor do artigo publicado na ‘PNAS’, em áreas com recursos piscícolas escassos mas culturalmente relevantes, “não seria ético privar os povos locais e indígenas do direito de colherem e comerem peixe”, diz e comunicado.
Assim, nesse tipo de contextos, a equipa sugere a criação de AMP multiusos, que não excluem atividades humanas, mas implementam, assim, regras para controlar a pesca. Segundo os especialistas, a investigação revelou que tanto as AMP multiusos como as de proteção estrita têm uma probabilidade de 97% de melhorar as populações de peixes.
Mas Gill avisa que nenhuma delas irá gerar os resultados pretendidos se não estiveram munidas dos recursos humanos adequados e se não forem alvo de “regulamentos de utilização sustentável”.
Dominic Andradi-Brown, da organização conservacionista WWF e outro dos autores do artigo, afirma que “os nossos resultados mostram que grandes ganhos para a natureza não têm de ser obtidos à custa da exclusão das pessoas”.
E acrescenta que a conservação dos oceanos que seja concebida para permitir “uma variedade de usos” poderá ser bem-sucedida, “desde que haja uma boa gestão”.
Uma das principais conclusões da investigação, segundo Gill, é que “o contexto importa”. Para o cientista, “precisamos de considerar que mix de abordagens de conservação será o melhor para o contexto local”, observando que não existe uma solução de ‘tamanho único’ e que a proteção da biodiversidade não deve excluir os humanos, sobretudo as comunidades locais e indígenas, numa lógica de ‘conservação-fortaleza’.