Entrevista: “Há absoluta necessidade de construir mais barragens de uma forma equilibrada”, presidente do COTR
Em entrevista à Green Savers, Gonçalo Morais Tristão, Presidente do Centro Operativo e de Tecnologia de Regadio (COTR), explica a importância da economia circular da água.
Um dos desafios para a economia circular da água é a absoluta necessidade de construir mais reservatórios de água (barragens), de uma forma equilibrada. Outro desafio passa pela contínua promoção do uso eficiente da água na agricultura, sobretudo na sua relação com a aplicação dos nutrientes no solo e com o consumo de energia.
Como o conceito de economia circular se aplica na questão da água?
Num modelo de economia circular em que os resíduos são reinseridos na produção, através da reciclagem, a questão da utilização da água na rega das culturas agrícolas, pode ter duas perspectivas: o aproveitamento das águas residuais para reutilização (ApR) e o uso eficiente da água. Em qualquer destas duas vertentes, o conceito de economia circular é bem patente por significar uma utilização mais eficiente dos recursos, minimizando a procura dos mesmos.
E qual a importância deste conceito?
Do ponto de vista do sector agrícola, o conceito de economia circular não é um conceito novo mas sim uma prática usual, em diversas situações, pelo que se pode afirmar que o sector tem bastante consciência da sua importância. No que respeita especificamente à agricultura de regadio, a sua importância advem da necessidade da água ser usada com eficiência, face à escassez e aos respectivos custos, nos quais a
componente energética tem cada vez maior relevância. A este propósito, é de realçar os enormes desenvolvimentos que se têm conseguido nos últimos anos em termos do uso eficiente da água na rega. A agricultura de regadio está hoje apetrechada com diversos equipamentos e tecnologia e utiliza determinado tipo de informação que têm permitido um uso cada vez mais eficiente na rega das culturas. Falamos da monitorização das necessidades hídricas das culturas através de sondas de humidade, da monitorização da quantidade de água utilizada mas também da interpretação dos dados fornecidos pelas
estações meteorológicas, das imagens NDVI, etc. Mas podemos destacar ainda os avanços tecnológicos que, resultado de grandes investimentos das empresas, têm sucedido na concepção dos sistemas de rega. Tudo isto tem contribuído para diminuir bastante o consumo de água na rega das culturas agrícolas: na década de 60 do século passado, o regadio utilizava cerca de 15.000 m3/ha, enquanto que nos dias de hoje são apenas utilizados 3.000/4.000 m3/ha (estimativa de 2020). Se compararmos os dados
referentes ao sector agrícola constantes no Plano Nacional da Água de 2000 com os dados dos Planos de Gestão de Região Hidrográfica de 2016, concluímos que o sector agrícola reduziu o seu consumo de água em 48%.
Como é que a economia circular pode mitigar o cenário de stress hídrico global?
A economia circular no sector da água, no enfoque dado na resposta à questão 1) supra, tem consequências ao nível da mitigação e da adaptação às alterações climáticas. A produção agrícola num hectare de regadio é 6 vezes superior à produção num hectare de sequeiro. Nesse sentido, poderá haver uma libertação de áreas para floresta ou para conservação da natureza. Por outro lado, a maior produtividade em regadio, ao melhorar o rendimento dos agricultores, ajuda a diminuir os riscos de desertificação dos territórios. É, assim, necessário que a gestão dos recursos hídricos, em termos globais,
tenha em consideração a necessidade de armazenamento de água, permitindo a criação de novas área de regadio. Pode parecer um contra senso, mas o armazenamento de água, quando ela é mais escassa em resultado das alterações climáticas, visa que ela seja melhor aproveitada na produção agro-alimentar. Nesta equação, convém lembrar que, segundo as previsões da FAO, até 2050 precisamos aumentar em 55% a produção de alimentos para uma população mundial de 9 mil milhões de pessoas.
Na sua opinião, quais os principais desafios?
Um dos desafios para a economia circular da água é, precisamente, a absoluta necessidade de construir mais reservatórios de água (barragens), de uma forma equilibrada. Outro desafio passa pela contínua promoção do uso eficiente da água na agricultura, sobretudo na sua relação com a aplicação dos nutrientes no solo e com o consumo de energia. Neste aspecto, assume cada vez maior importância a adopção de estratégias de transmissão do conhecimento, com programas de financiamento, que
envolvam os centros de competências, as instituições do ensino científico e outros organismos da administração central que procurem fazer chegar esse conhecimento aos agricultores.
Quais são os principais factores que influenciam a disponibilidade hídrica?
É sabido que as alterações climáticas, na bacia mediterrânica, provocam três efeitos principais: o aumento das temperaturas, com a consequente maior necessidade de água das culturas; a diminuição das chuvas; e a ocorrência mais frequente de fenómenos meteorológicos extremos, tais como ondas de calor mais prolongadas, secas e chuvas torrenciais. Estas consequências das alterações climáticas determinam a redução das disponibilidades hídricas. Daí a necessidade do aumento da capacidade de retenção de água. É crucial dar continuidade à execução do Programa Nacional de Regadios, assim
como estudar a localização de novas áreas que possam ser infraestruturadas com regadio público colectivo. Neste tema, deve-se ter em atenção as questões ambientais que possam surgir mas deve-se retirar a carga ideológica que, infelizmente, contamina o debate.