Incêndio no Parque Natural do Douro Internacional destrói dois ninhos de abutre-preto e afeta outros seis. Cientistas pedem ajuda para reparar danos



Dois ninhos de abutres-pretos (Aegypius monachus) foram destruídos pelo incêndio que deflagrou no passado dia 15 de agosto no Parque Natural do Douro Internacional. O fogo, que começou em Poiares, no concelho de Freixo de Espada à Cinta, danificou também outros seis ninhos usados por casais dessa espécie ameaçada de extinção em Portugal.

A informação é avançada, em comunicado, pela organização Vulture Conservation Foundation (VCF), que coordena o projeto LIFE Aegypius Return em parceria com outras organizações e instituições portuguesas, cujo objetivo é recuperar a população de abutres-pretos no país.

De acordo com a mesma fonte, o avanço das chamas levou à mobilização das equipas do projeto que estavam no terreno, que conseguiram resgatar os seis abutres-pretos que estavam na estação de aclimatação afeta ao projeto, instalada no PNDI em março passado, junto à aldeia de Fornos, no distrito de Bragança. A rápida resposta “evitou uma tragédia maior”, dizem as instituições em comunicado. A estação tem como objetivo recuperar e habituar os abutres-pretos, sem território definido, ao habitat no qual serão posteriormente libertados e que será a sua casa.

Momento do resgate dos seis abutres-pretos que estavam na estação de aclimatação no Parque Natural do Douro Internacional. Foto: VCF.

Os animais estão atualmente alojados no Centro de Interpretação Ambiental e Recuperação Animal (CIARA) em Felgar, concelho de Torre de Moncorvo, “onde permanecem em segurança”. Na tarde do dia seguinte, 16 de agosto, as chamas atingiram realmente a estação de aclimatação, incluindo a jaula, o campo de alimentação e as estruturas de apoio.

A VCF diz que, apesar de a vegetação em torno da estação ter sido cortada previamente, uma medida preventiva implementada pela organização Palombar, parceira do projeto, “o fogo devastou todo o habitat”.

Em nota, avança que a jaula sofreu “alguns danos ligeiros”, mas o contentor de apoio, que servia de enfermaria e de centro digital de videovigilância das instalações, “foi totalmente destruído”, bem como o campo de alimentação que ficou “inteiramente queimado”, pelo que, pelo menos no imediato, não pode ser utilizado.

O contentor de apoio à estação de aclimatação, no Parque Natural do Douro Internacional, ficou completamente destruído pelo fogo. Servia de enfermaria e de centro digital de videovigilância das instalações. Foto: VCF.

Este ano, contabilizaram-se oito casais na colónia de abutres-pretos no Douro Internacional, cinco em território português e três do outro lado da fronteira. Sete deles geraram cinco crias, que se desenvolveram e estavam a ser monitorizadas pela Palombar, com o apoio do Instituto para a Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

Quatro crias tinham já abandonado os ninhos, mas uma, ainda jovem, não voava, embora os especialistas esperassem que deixasse o ninho em breve. Depois de o fogo e o fumo darem tréguas, as equipas deste projeto confirmaram que o ninho da cria não voadora tinha realmente sido atingido pelas chamas e a jovem ave já nele não se encontrava.

Uma cria de abutre-preto foi encontrada morta esta manhã no PNDI, a primeira fatalidade a ser confirmada para a espécie no contexto deste incêndio. Segundo informações que foram partilhas com a ‘Green Savers’, o animal terá morrido ontem, dia 20 de agosto, provavelmente devido à intoxicação causada pelo fumo e pelas cinzas geradas pelas chamas. “Uma morte em agonia”, lamenta Milene Matos, coordenadora do projeto em representação da VCF. A cria tinha sido equipada com um dispositivo GPS, para monitorizar os seus movimentos, em junho passado.

“Desde o incêndio o emissor não estava a conectar-se à rede e não sabíamos da sua localização. Hoje enviou dados, mostrando inatividade. As equipas da Palombar acorreram à localização e confirmaram a morte da cria”, dizem-nos as organizações. O corpo foi recolhido e encaminhado para necrópsia no Hospital Veterinário da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).

Foi confirmada a primeira morte de um abutre-preto no Parque Natural do Douro Internacional. Uma cria que terá morrido pela inalação de fumo e cinzas e que tinha sido equipada com um equipamento GPS há pouco mais de um mês. Foto: VCF.

“Sendo a colónia de tão pequena dimensão, este é um enorme retrocesso na sua conservação, e pode suceder que os adultos abandonem este território, revertendo vários anos de esforços para restaurar a colónia”, lamentam.

A colónia de abutre-preto no Parque Natural do Douro Internacional era já considerada “a mais frágil, a mais pequena e a mais isolada do país”, pelo que o impacto do incêndio causou “um severo revés”. As consequências estão agora a ser avaliadas pela Palombar, VCF, ICNF, Faia Brava (outra organização que participa no projeto LIFE Aegypius Return) e pelas autoridades competentes.

Os danos foram extensos e os parceiros do projeto estão a apelar à solidariedade da população para ajudar na recuperação. Para tal, lançaram uma campanha de crowdfunding “para ajudar a restabelecer o programa de conservação de abutre-preto no PNDI”.

Em declarações à ‘Green Savers’, Milene Matos diz que a recuperação da colónia afetada, por exemplo, com a fixação de aves vindas de Espanha, será “muito lenta”. Isto, sobretudo porque a colónia do PNDI está a mais de 100 quilómetros da colónia mais próxima.

Além disso, com o habitat destruído, é pouco provável que novas aves escolham nidificar por entre as cinzas, pelo que a prioridade agora deve ser recuperar o território, para que seja possível uma eventual e futura fixação de novos casais que ajudem a restabelecer a colónia.

Ninho consumido pelas chamas no Parque Natural do Douro Internacional. Foto: Palombar.

A bióloga recorda-nos também que já em 2017 o núcleo de abutres-pretos do PNDI tinha sido afetado pelas chamas, que resultaram na morte confirmada de uma cria, depois de o seu corpo carbonizado ter sido encontrado.

Com a voz embargada, Milene Matos confessa que “é muito difícil” lidar com uma situação como esta.

“Sentimos que damos um passo para a frente e, de um dia para o outro, literalmente, sentimos que damos cinco para trás”, lamenta, confessando desalento pelo facto de esta ser uma catástrofe que se repete quase todos os anos pelo país e por nada parecer realmente mudar.

Abutre-preto. Foto: Hansruedi Weyrich / VCF.

Milene Matos avisa, ainda, que as equipas do projeto estão igualmente preocupadas com a colónia na Serra da Malcata, uma vez que as chamas ainda não foram extintas nos distritos de Castelo Branco e da Guarda, que continuam, segundo o Instituto Português do Mar e Atmosfera (IPMA), em risco de incêndio máximo e muito elevado, respetivamente.

“É um sentimento de impotência, porque não podemos fazer nada”, salienta, com pesar.






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